Em 7 de agosto, o alemão Lutz Taufer e o brasileiro Flávio Tavares conversam sobre a potência das lutas da década de 1960. Guerrilhas, transformações políticas e Che Guevara estão em suas histórias.
No marco do lançamento de sua autobiografia, Atravessando Fronteiras – da guerrilha urbana ao trabalho comunitário nas favelas brasileiras, o alemão Lutz Taufer, chega à Fundação Rosa Luxemburgo (depois de passar pela FLIP, em Paraty) para participar de um diálogo com o jornalista Flávio Tavares que recentemente lançou a publicação As três mortes de Che Guevara. Em comum, ambos participaram da luta armada nos anos de 1960 e viveram com intensidade as lutas políticas deste período.
Passados mais de 40 anos (sendo que 20 deles, Taufer passou na prisão) os dois ativistas se encontram para uma conversa sobre os erros e acertos e o legado das intensas e extremas ações políticas que desenvolveram. A atividade é organizada coletivamente com a editora Autonomia Literária.
Confira algumas entrevistas de Lutz Taufer:
“Sociedade civil está mundialmente ameaçada”, diz ex-guerrilheiro alemão
Atravessando fronteiras – com Lutz Taufer e Flávio Tavares
07/08/2018 (terça-feira) a partir das 19h
Rua Ferreira de Araújo, 36 – Pinheiros
Com streaming e distribuição gratuita do livro
Prefácio da autobiografia de Lutz Taufer
Por Flávio Tavares
Este livro é um depoimento pessoal que desnuda uma época da História recente em que os conflitos, as disparidades e as injustiças tentavam ser resolvidas pela ação política direta. Nada do que aqui se conta, porém, tem o tom individualista da exaltação ou exibição.
Ao contrário, ao desnudar os grandes conflitos do século 20, Lutz Taufer se despe a si mesmo e narra realidades ocultas nas tragédias em busca do poder. E não só na revolta estudantil de 1968 – “quando desenterramos o passado” -, mas igualmente, anos antes, na “desnazificação” alemã, em grande parte comandada por antigos nazistas.
Em 20 anos de preso político na Alemanha – mais de 18 dos quais em impiedoso isolamento total, sem conversar sequer com os carcereiros – só a memória e a dor o acompanharam. Daí nasceu o pensador que ele se revela agora, ao entender (e explicar) as pequenezes e grandezas do mundo e da vida.
As tragédias do século 20 surgem aqui não como drama narrado por um observador alheio aos fatos, mas – sim – por quem foi protagonista e vítima. Até ao narrar a histeria do fervor nazista dos alemães na Segunda Guerra Mundial, ele (nascido em 1944, ao fim do conflito) reconstruiu fatos pela memória familiar.
“Desenterrei fragmentos de um quebra-cabeças”, diz já nas páginas iniciais, fazendo da reminiscência um documento: “Esforcei-me por ignorar o deserto gelado da abstração”, acentua.
Nos anos 1960-70, Lutz integrou na Alemanha Ocidental um grupo político em que a ação concreta (mais do que a pregação ideológica) buscava encurralar o capitalismo. Chamados mundo afora de “maoístas”, não tinham relação com a China de Mao Tse-tung, mas dele seguiam a visão de “insurreição e guerra popular”. Marxistas, criticavam o autoritário stalinismo e a política de superpotência da União Soviética e eram repudiados pelo governo comunista da antiga Alemanha Oriental. De fato, eram órfãos do chamado “socialismo real”.
Mas, como ele explica, “o acontecimento central” da geração de 1968 foi a guerra do Vietnã, em que os Estados Unidos, maior potência militar e industrial do planeta, destruía aldeias, matava a população e transformava florestas em desertos.
A luta contra as formas de opressão e crueldade social, porém, pode ferir as “leis” da guerra e ser também cruel. Na desastrada tentativa de ocupar a Embaixada germânica em Estocolmo para libertar presos políticos na Alemanha, Lutz diz sem rodeios: “A morte cruel de dois reféns pela qual fui responsável, foi um crime injustificável”.
Libertado após 20 anos de prisão e isolamento, trabalhou como padeiro. Daí lhe ficou a experiência que, mais tarde (ao atuar nas favelas do Rio de Janeiro como voluntário do Serviço Mundial pela Paz) fez com que escrevesse em ironia:
– O carioca é encantador, mas merece um pão melhor!
Vários livros estão neste livro, complementados na edição brasileira pela exímia tradução de Kristina Michahelles. De um lado, análises e observações sobre um tempo em que os jovens se imolavam por Justiça ou pela utopia. De outro, uma confissão, que conta até da dificuldade de sentir-se livre após 20 anos de cárcere.
Ou, como ele próprio frisa, transpor fronteiras significa caminhar rumo ao incerto sem ser uma caminhada ao acaso.
Flávio Tavares desde cedo militou na esquerda, conheceu Che Guevara em 1961 e participou da luta armada contra a ditadura militar, tendo sido preso duas vezes. Foi um dos presos políticos trocados pelo embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, sequestrado em 1969. Passou anos exilado no México e na Argentina. Em 1977, foi preso pelos órgãos da repressão uruguaia e passou 195 dias preso. Autor de vários livros, entre eles “Memórias do Esquecimento”. Globo, 1999. [ed. atual L&PM, 2012]. Prêmio Jabuti 2000, na categoria Reportagem.
Foto: Gerhard Dilger