Por Neon Cunha & Sara Wagner York*
Muitas palavras têm sido acionadas para descrever os aspectos locais e globais nos quais estamos inseridas enquanto espécie: humanidade, diversidade, coletividade, irmandade e democracia são algumas delas. Este texto apresenta alguns tópicos que criaram condições de emergência para a cena nacional de implementação de direitos para um dos grupos minoritários mais deslegitimados da História: o corpo trans e travesti.
Grande parte dos estudos relacionais e biossocioambientais traz, há muito, uma versão humana que amplamente se afasta dos padrões naturais em nossas culturas, o que alocaria nossa espécie como sendo parte constitutiva de múltiplas e complexas compreensões. Aspectos dicotômicos como, por exemplo, a luta do bem contra o mal, natureza e cultura, corpo e mente, homem e mulher em âmbitos binários, passam a fazer parte das situações nocivas e forjadas na criação da cena humana polarizada.
A noção de cisgeneridade foi proposta pela transexual Julia Serano em 2007, na obra Whipping girl: a transsexual woman on sexism and the scapegoating of femininity (A garota do chicote: uma mulher transexual sobre sexismo e o bode expiatório da feminilidade), a partir da análise da origem do prefixo “trans”: o outro, em oposição ao “cis”, que na química orgânica também pode ser chamado de “Z”, de zee zame zide, do mesmo lado (YORK, 2020).
A cisgeneridade indica a existência de uma norma que produz efeitos de ideal regulatório, expectativas e universalização da experiência humana. Em termos gerais, a norma cisgênera é uma das matrizes normativas das estruturas sociais, políticas e patriarcais, cujos ideais produzem efeitos de vida e de atribuição identitárias extremamente rígidas. De forma compulsória no momento de registro de cada pessoa, a atribuição identitária define e naturaliza sua designação em um dos polos do sistema de sexo/gênero (RUBIN, 1975), a partir de uma leitura restrita, baseada na aparência dos órgãos genitais ao nascer. Além disso, a norma cisgênera afirma que essa designação é imutável, fixa, cristalizada ao longo da vida da pessoa (CIDADE, 2016, p. 13-14).
Somos todas, todos, todes e todxs diversas!
Se somos diversas em aspectos biossocioambientais, foi sendo apresentada por certas frentes ditas conservadoras uma sociedade com padrões estáticos e cristalizados, como alguns insistem em dizê-lo, com uma única intenção: a manutenção de privilégio e superioridade.
Assim, nossas relações gerais estariam amparadas em noções naturais, quando na verdade tais noções devem ser concebidas como naturalizadas e longe desse “natural” que é vendido pela grande e hegemônica mídia.
A princípio, podemos perceber que apresentar aspectos binários a uma sociedade pode ajudá-la a observar aspectos constitutivos de si mesma. Do mesmo modo, cotidianamente nos são lançados aspectos paradoxais superlativos em binarismos: as dualidades entre corpo e mente, natureza e cultura, natural e social, aparência e essência, deus e o homem, homem e mulher e assim por diante. Tudo composto em pares, duplas e padrões que se completam, como se fossem dissolúveis e separados. Entretanto, ao observarmos estudos mais específicos, percebemos que tais aspectos fazem parte de criações e ajustes humanos que pouco atendem à veracidade, mas que, de algum modo, colaboram com a compreensão superficial e rápida que muitas vezes elaboramos para justificar aquilo que não sabemos em uma sociedade complexa.
Em seu livro Tráfico de mulheres, Gayle Rubin (1975) explica que o corpo da mulher foi moeda de troca entre culturas; como esse modelo de troca, tornou-se naturalizado e, por conseguinte, culturalmente aceito. Aspectos simples da vida humana, como cuidar dos filhos, foram sendo organizados de forma a parecerem naturais para mulheres. Dentre as fêmeas, a mulher é uma das poucas que se apresenta como “atraente” quando menor que seu parceiro; mas, em uma sociedade onde a fêmea ideal a gerar uma prole deveria ser grande e gorda, por que padrões longilíneos e magros? Não é estranho? O que desejamos e vemos são padrões naturalizados que, na verdade, nos tornam reféns e partícipes de uma construção social!
Stonewall não é aqui!
A Rebelião de Stonewall foi uma série de manifestações violentas e espontâneas de membros da comunidade LGBTQI+ contra uma invasão da polícia de Nova York que aconteceu nas primeiras horas da manhã de 28 de junho de 1969, no bar Stonewall Inn, localizado no bairro de Greenwich Village, em Manhattan, Nova York, nos Estados Unidos. Esses motins são amplamente considerados os eventos mais importantes que levaram ao movimento de luta pelos direitos LGBTQI+.
É preciso dar visibilidade especial às mulheres que participaram deste processo. Mulheres de várias identidades de gênero, etnias e orientações sexuais que tiveram papéis importantes no estopim do confronto que definiu a luta pelos direitos. Stormé DeLarverie, “a guardiã das lésbicas”, foi a pessoa que primeiro deu um soco num policial durante a batida que deu início à revolta. Marsha P. Johnson, reconhecida hoje como uma mulher trans, também foi uma das drag queens mais conhecidas de Nova York e, após o famoso soco de DeLarverie, foi uma das primeiras que partiu para a briga. Consta que foi Sylvia Rivera, uma travesti bissexual, quem primeiro atirou uma garrafa contra a polícia dentre a multidão que assistia da calçada à ação policial que ocorria no Stonewall Inn. Ela veio a fundar organizações de ativismo, destacando-se a Street Tranvesttite Action Revolutionaries (Star – Revolucionários pela Ação de Travestis de Rua, em tradução livre) com sua amiga Marsha. Miss Major Griffin-Gracy, uma das lideranças durante os embates, presa durante o protesto, teve sua mandíbula fraturada por um policial durante o período em que esteve sob custódia. Hoje atua como diretora executiva de um grupo que auxilia pessoas trans encarceradas. Por fim, temos Brenda Howard, mulher cis bissexual, que estabeleceu a ideia de celebrar-se o orgulho LGBTQI+ que originou o formato das paradas como conhecemos hoje. Em 24 de junho de 2016, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama oficializou o palco principal da revolta, o bar Stonewall Inn, como um monumento nacional.
Enquanto isso, no Brasil, os policiais faziam rondas sistemáticas para ameaçar e prender mulheres trans, travestis, gays, lésbicas, chegando a prender 1,5 mil pessoas apenas na cidade de São Paulo durante as décadas de 1970 e 1980. Desde sempre defensores da moral e dos bons costumes – algo que ainda perdura em figuras políticas e públicas –, os militares viam as LGBTQI+ como particularmente indesejáveis. A natureza e o grau dessa perseguição, seja por atuação ou omissão do Estado, levava em conta o preconceito e a discriminação em dimensão institucionalizada. Operações policiais eram frequentes no centro de São Paulo no final dos anos 1970 até meados da década de 1990. A primeira dessas rondas data de 1968, ocasião de uma visita da Rainha Elizabeth II a São Paulo.
A polícia quis “limpar” o centro da cidade. Em declarações a jornais da época, o delegado Wilson Richetti não fazia questão de esconder este objetivo, ao afirmar que era preciso “limpar a cidade dos assaltantes, prostitutas, traficantes, homossexuais e desocupados”. Sua voz fazia coro à de pessoas como Jânio Quadros, prefeito de São Paulo. Em 1986, com o advento do HIV/Aids, travestis chegavam a cortar os pulsos para saírem mais rápido da prisão ou mesmo evitá-la, já que, além de reclusas, muitas ficavam sem comida e eram forçadas a limpar a cadeia.
A Polícia Militar paulistana, com apoio da Polícia Civil, organizou algumas operações para a retirada de travestis e mulheres trans do centro de São Paulo, tais como a “Operação Tarântula” e a “Operação Arrastão”. As pessoas reclamavam que havia aumentado muito o número destas pessoas na região central e em outras regiões periféricas da cidade, fugindo de áreas consideradas perigosas ou mesmo pontos de extermínio. O dilema passou a ser escapar dos pontos críticos e cair nas operações organizadas pelas polícias. Em alguns lugares da Grande São Paulo, chegou-se ao cúmulo de jovens de classe média praticarem tiro ao alvo ou mesmo espancamentos. Abaixo-assinados também eram constantes nos comandos da Polícia Militar. Além de blitz nas ruas do centro e em bairros nobres de São Paulo, havia também as “batidas” nas casas noturnas, com a justificativa de procurar suspeitos.
O Código Penal Brasileiro, que é de 1940, enquadra o caso das travestis que sofriam constantes “batidas” no artigo 239 do Cap. I Tit. IV – “Atentado Violento ao Pudor”, que poderia render uma pena de dois a seis anos. Na realidade, as travestis presas por vadiagem ou atentado violento ao pudor não sofriam judicialmente, uma vez que, para ser enquadrado nos códigos acima, é necessária uma denúncia formal, com testemunhas, sendo muito difícil acontecer isso na prática, pois nem mesmo o poder público o fazia, a não ser que a pessoa fosse acusada de cometer algum outro crime.
As operações policiais que visavam à retirada, principalmente das travestis, das ruas da capital paulista só resultavam em acusações de ambas as partes. A polícia agia de acordo com alguns abaixo-assinados que diziam receber, ou mesmo de acordo com sua agenda de trabalho. Quando acreditavam na existência de muitas delas em certa região, faziam a “limpeza”, autorizada pelo comandante da corporação, mediante informações de seus subordinados, que passavam pelos locais ou recebiam telefonemas anônimos dando conta do número elevado delas em determinado local. Ou então, quando a PM queria “mostrar serviço”, justificar “algo” para a comunidade. As travestis eram, então, recolhidas em caminhões e levadas a uma delegacia qualquer. Como não havia queixas, eram liberadas em seguida. A maioria voltava na mesma noite para o local de onde eram retiradas. Restavam as denúncias das travestis, que acusavam os policiais de violência, e da polícia, que, segundo a instituição, dizia que as travestis é que eram violentas.
Em um salto histórico de décadas, ainda vivenciamos situações tão semelhantes aos das operações descritas. Em abril de 2015, Verônica, mulher negra transexual de 25 anos, foi torturada pela polícia e por agentes do Sistema Penitenciário da Cidade de São Paulo. Ela havia sido presa, acusada de tentativa de homicídio. Sob custódia, foi brutalmente espancada, desfigurada, exposta nas redes sociais e ainda constrangida a gravar um depoimento, distribuído amplamente, onde negava ter sido vítima de tortura, inocentando policiais e carcereiros. Em depoimento posterior ao Ministério Público, Verônica informou que foi induzida pela coordenadora de Política para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, em troca de redução da pena. Desfigurada, machucada, desnuda, com pés e mãos algemadas, suas imagens como a de uma negra escravizada percorreram as redes sociais e provocaram forte mobilização da opinião pública brasileira e do exterior.
Em abril de 2016, Luana Barbosa, 34 anos, negra, lésbica, com passagem pelo sistema carcerário e tendo vivido quatro anos como Luan Victor, estava com o filho na garupa da sua moto, na rua em que morava, quando foi abordada pelos policiais militares, em Ribeirão Preto, cidade do interior de São Paulo. Sem nenhuma denúncia, eles a intimidaram e pediram para ela ficar contra o muro com as mãos para trás. Luana pediu que fosse revistada por uma mulher. Foi brutalmente espancada pelos policiais e morreu cinco dias depois, de isquemia cerebral aguda causada por traumatismo crânio-encefálico, conforme aponta a declaração de óbito.
Uma testemunha afirma que Luana foi brutalmente agredida por pelo menos seis policiais. Com passagem pelo sistema penal e com uma imagem distante de uma feminilidade imposta por uma binariedade de gênero, ela já estava condenada. Os policiais ainda seguem livres. É importante que destaquemos, no caso Luana Barbosa, a força das mulheres negras, do movimento LGBTQI+, dos familiares e do corpo de advogados e advogadas envolvidos no caso, que exigiram que fossem levados a júri popular os acusados, que são policiais militares. A reunião de todos estes fatores contribuiu para o resultado da sentença de pronúncia, que é uma decisão que não põe fim ao processo: ela apenas decide que existem indícios de um crime doloso contra a vida, que o acusado pode ser o culpado e que, por se tratar de um crime contra a vida, o processo será julgado por um tribunal do júri e não por um juiz sozinho. A pronúncia foi feita em março de 2020 na 1ª Vara do Júri de Ribeirão Preto.
“Cissexismo” é o neologismo usado para condensar duas ideias colonizadoras, em que uma opera enquanto norma governamental (cisgeneridade) e a segunda atua enquanto caráter de dominação, hierarquização e inclusão de diferença (sexismo). Estes dois conceitos vão agir sobre processos de exclusão sobre o corpo que escapa da crença de que o gênero de pessoas cisgêneras é, de alguma forma, mais legítimo que aquele de pessoas transgêneras; aliado à misoginia, são marcadores importantes no apagamento do engajamento da população trans nas conquistas por direitos LGBTQI+. O reconhecimento do Brasil como o país que mais assassina e violenta pessoas que fogem da (cis-hétero) normatização, somado à interseccionalidade e tangenciado pela categoria analítica da raça, classe e gênero, constituem uma junção de fatores que ampliam graus de exclusão e precarização de muitas vidas.
A forma como mulheres trans e travestis são privadas do reconhecimento social nas conquistas e no enfrentamento à violência com a população LGBTQI+ brasileira não se dissocia da opressão produzida pela invisibilidade de quem não pode ocultar quem é, e denuncia que, enquanto Marsha, Silvya, Stone, Miss e Brenda (as grandes referências de Stonewall) são celebradas, as nossas brasileiras e latino-americanas, em sua grande maioria, são apagadas.
Quarenta anos e alguns marcos
Ao iniciarmos esta conversa, lançamos mão de três grandes marcos nas políticas de equidade e justiça social: os 40 anos do movimento trans e travesti, por relacioná-lo àquele sinal final em nosso acrônimo LGBTQI+ (letras que representam a junção de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, trans e intersexos e outros); os 40 anos do HIV e sua historicização, que se confunde com a luta dos movimentos sociais (des) organizados; e os ecos sobre um dos raros documentos que protegem as crianças em todo mundo: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Na sigla LGBTQI+, aquele plus, o +, pode ser compreendido como mais letras e suas representações variadas ou o + de positivo e, então, trazemos uma reflexão análoga aos 40 anos do HIV/Aids no mundo e no Brasil. Outras formas desse acrônimo são divulgadas e, por não apresentarem frentes amplas em demandas de políticas públicas, não são citadas. O “Q” de queer, por exemplo, é um termo americanizado que emerge no Brasil por rotas da classe média e academia, entretanto mesmo sua principal divulgadora, Judith Butler, diz que o termo é não identitário, portanto, não capturável. Mas ele segue presente na sigla.
Estima-se que o evento HIV/Aids tenha iniciado por volta de 1978-79, chegando ao Brasil nos anos 1980 e fazendo sua primeira vítima em 1981-82. Tudo aproximadamente. Era um Brasil acostumado aos índices do mapa da fome; sua maior emissora aberta trazia diariamente números destas mortes, quase sempre mais noticiadas sobre os corpos de crianças e recém-nascidas/os.
A experiência subjetiva promovida pelas fake news no Brasil foi tão violenta e arrebatadora que foi capaz de apagar da memória de suas cidadãs e dos seus cidadãos a pior experiência de sua história desde a escravização do povo preto: o Brasil no mapa da fome e seus números apresentados diariamente no Jornal Nacional.
Inicialmente, podemos fazer um paralelo entre os dois Brasis, o dos anos 1980 e o de 2020, pois ambos mostram governos ausentes e alheios às carências de seu povo. Os anos 1980 são marcados por vários silêncios do poder público, alienação dos aspectos estigmatizadores dos novos infectados e completo abandono da população em seus diversos recortes sociais (classe, gênero, raça, território etc.). Essa década também é marcada pelas culture wars, os ativismos culturais e as iniciativas sociais em nível comunitário. Era o início da invenção do “sexo seguro”, ou seja, ainda havia o conforto do toque e da presença do outro.
Chamado de “câncer gay”, o HIV passou rapidamente a ser relacionado ao corpo trans/travesti em razão de ambos violarem aspectos naturalizados e implicitamente demonizados pelas frentes religiosas e cristãs ultraconservadoras. Mulheres reclamavam direitos sobre seu corpo, LGBTIs (naquele momento GLS) aderiam às normas cisgêneras (homens com “cara de homens” e mulher com “cara e jeito de mulher”) e o que passava disso estava na onda desvastadora do limbo e da exclusão, por acenos do “pânico moral” (COHEN, 1972).
Apesar de ser aprovado no final dos anos 1980, o AZT (primeiro medicamento para tratamento do HIV) chegaria no Brasil gratuitamente apenas no ano de 1991 e com ele a esperança de vida para milhares de brasileiras e brasileiros e outras vidas (os 4 Hs – hemofílicos, haitianos, usuários de heroína e homossexuais).
Os anos 1990 chegaram como dias mais esperançosos, apesar dos aspectos estigmatizantes do corpo lipodistrófico (aparentando aspectos cadavéricos relacionados a magreza extrema) de alguns sujeitos soropositivos. Era o início dos grandes eventos e convenções mundiais que trariam questões dos direitos humanos relacionadas a gênero, sexualidade, direitos sexuais e reprodutivos. Alguns pontos principais foram a retirada das homossexualidades do Código Internacional de Doenças (CID) em 1991, as convenções por direitos humanos em Viena em 1993, Cairo em 1994, Pequim em 1995 e Copenhague e o tão esperado PREP, a profilaxia de pré-exposição ao HIV, em 1996.
A grande promessa nos anos 2000 era a produção medicamentosa mais rápida da história, o AZT, que nos faria sonhar com uma cura para o HIV/Aids. Níveis de segurança mundiais foram revistos em todo mundo em razão do 11 de setembro e a queda das torres gêmeas do World Trade Center. Era o início de um novo capitalismo que levaria à ascensão da crise global de 2007. O sonho foi sendo afastado à medida que corpos estigmatizados e abjetos como o corpo trans e travesti passaram a manter e ser mantidos pela indústria farmacêutica.
Entramos em 2010 e seus níveis máximos de segurança substituíam a promessa de cura do HIV por melhores desenvolvimentos sustentáveis. Em 2020, temos o apagamento da pessoa com HIV, a promessa de cura deixada de lado e o mundo trabalhando por um novo medicamento: a vacina para o novo agente mortal, SarsCoV-2.
Da cena da morte ao protagonismo da vida
Trouxe pouco
Levo menos
A distância até ao fundo é tão pequena
No fundo, é tão pequena
A queda
E o amor é tão longe
(Balada de Gisberta, composta pelo português Pedro Abrunhosa e interpretada por Maria Bethânia)
Gisberta Salce Júnior deixou o bairro Casa Verde, na zona norte de São Paulo, fugindo das operações de extermínio às mulheres trans e travestis que aconteciam na cidade. Foi para Paris aos 18 anos e aos 20 chegou em Portugal. Acabou assassinada na cidade do Porto aos 45 anos, após ser submetida a vários dias de agressões de jovens entre 12 e 16 anos. O caso, que provocou o debate sobre transfobia, expôs também os abusos cometidos na Oficina de São José, instituição tutelada pela Igreja Católica que acolhia 11 dos 14 rapazes e, com grande visibilidade na imprensa local, culminou com seu fechamento depois de vários escândalos de abusos sexuais e desvio de dinheiro, somados ao suicídio de um diretor durante o julgamento do caso.
No final de 2005, jovens começaram a reunir-se para fazer grafites num edifício abandonado no Porto. Era precisamente nesse edifício que Gisberta, transexual, imigrante brasileira, prostituta e soropositiva, tinha encontrado um espaço para viver, em uma barraca no interior do prédio. Um dos jovens que conhecia desde os 6 anos a identificou e, junto com outros dois amigos, passaram a visitá-la regularmente. Entre uma conversa e outra, ela contou sobre seus problemas de saúde, verbalizou a fraqueza, e a vida com o HIV, e eles começaram a lhe levar comida.
De repente, aquele prédio tornou-se ponto de encontro para agressão à imigrante brasileira. Nem todos a agrediram, nem todos o fizeram no mesmo dia. Mas, a partir de 15 de fevereiro de 2006, os 14 jovens dividiram-se em grupos que se encontravam para espancá-la e se referir a ela como um homem que “tinha mamas” e “parecia mesmo uma mulher”. Após dias de tortura, os adolescentes voltaram para se desfazerem do corpo e optaram por jogá-la em um poço existente no edifício. Na manhã do dia 22 de fevereiro de 2006, embrulharam Gisberta em mantas e a arrastaram por 100 metros até ao poço. Três empurraram-na para dentro; ficou submersa na água, ainda estava viva e morreu afogada.
Numa primeira fase, os adolescentes foram responsabilizados pela “prática em coautoria de um crime de homicídio qualificado”. A autópsia determinou afogamento como causa de morte, e não as agressões. Onze jovens foram condenados por crime de lesões corporais qualificadas e os restantes, apenas pelo crime de omissão. As medidas aplicadas aos 11 foi internação em centro educativo por pouco mais de um ano e aos outros, acompanhamento educativo. Entre julho e setembro de 2007 já estavam livres.
O corpo chegou às mãos da família no princípio de março de 2006, graças à ajuda de uma amiga de Gisberta. O documento que receberam do governo português não trazia os detalhes da morte, que souberam pela internet.
Em 2016, a Lei de Identidade de Gênero Portuguesa comemorou cinco anos: desde 2011 não é preciso recorrer a um tribunal para conseguir a alteração de nome e sexo, mas aqui não entram as imigrantes, as “Gisbertas”. A ONG Ação pela Identidade definiu este ano como o #AnoGisberta, em memória aos dez anos da morte da transexual, com cartazes espalhados por Lisboa com sua imagem e inúmeras homenagens na cidade do Porto.
Gisberta foi reconhecida como símbolo de discriminação múltipla: imigrante, prostituta, moradora de rua, soropositiva e transexual, foi adotada pelas associações LGBTQI+ portuguesas. Seu assassinato estabeleceu um antes e depois em Portugal. Nos anos que se seguiram à morte da brasileira, o legislativo português criou uma série de leis voltadas para a igualdade de gêneros, com o objetivo de garantir a pessoas trans maior acesso à Justiça, à educação e ao emprego. Além disso, foi aprovada a concessão de asilo a transexuais estrangeiros em risco de perseguição. Portugal transformou-se num dos países mais avançados do mundo no tratamento à igualdade de gênero, o que possibilitou que grande número de homens e mulheres trans pudessem sentir-se pertencentes à sociedade.
No Brasil, nos últimos anos, com o notável avanço do conservadorismo político e de inúmeras religiões cristãs dentro da atuação política, seja na ação partidária seja na eleição de seus representantes, somando a isso a divulgação e manutenção de uma suposta hegemonia religiosa, surgiram teorias questionáveis tais como “escola sem partido”, “ideologia de gênero”, “demonizações”, “pânico moral”. Teorias que querem defender o que está no espectro da normalidade com pretensas fundamentações biológicas e/ou criacionistas, que consideram suas vivências a única fonte de possibilidade da vida humana.2q Algo muito perigoso quando políticos, pastores, padres, entre outros defensores da própria fé, enfatizam que “Deus” diz na Bíblia que “gays” (comumente se reduz toda a especificidade das pessoas LGBTQI+ à palavra gays, que se refere a homossexuais masculinos) são “repugnantes”, falas que fomentam ódio, intolerância e crimes hediondos.
Em 15 de fevereiro de 2017, a travesti Dandara Kettley (amplamente divulgada como Dandara dos Santos), de 42 anos, foi espancada com chutes, socos, pedras e paus em Fortaleza, Ceará. Qualquer semelhança com “histórias e leis bíblicas” não é mera coincidência, é fato. Assim como é instruído no Primeiro Testamento da Bíblia, foi assassinada bem ao estilo judaico-cristão. A “comunidade” se reuniu em volta dela para apedrejá-la. No vídeo divulgado na imprensa e nos meios virtuais, nota-se a participação de muitas pessoas. Ela foi linchada em plena luz do dia, num bairro residencial, com muitas testemunhas. Segundo a polícia, pelo menos 12 pessoas participaram do linchamento. O ritual de tortura e morte foi longo e doloso, apoiado pela grande maioria da população. Quem bateu, jogou pedras, chutou e vociferou foram jovens, inclusive adolescentes, alguns deles com a mochila da escola nas costas.
“Bons meninos cristãos” fazendo o que os ensinaram a fazer: odiar pessoas fora dos seus conceitos de moralidade e normalidade. Assim como líderes políticos/religiosos ainda se fundamentam como antigamente para se justificar a escravidão, citam a Bíblia afirmando que os negros eram o “povo amaldiçoado” por Deus, descendentes do assassino Caim, aquele que matou Abel.
Além dos homicídios, outra violência recorrente são as agressões psicológicas e físicas que antecedem as mortes sequenciais: facadas, disparos e, por fim, a exposição do corpo sem vida por meio do abandono.
Torna-se urgente avançar na legitimidade e eficiência do Estado laico, somente ele permitirá a criação de uma lei que possa garantir a dignidade e a integridade física desta população. Os dados aqui apresentados são fornecidos por denúncias espontâneas, sendo que o Brasil em sua omissão jamais promoveu uma pesquisa governamental para entender e diagnosticar a extensão desse ódio. A luta política da população LGBTQI+, em especial a de pessoas trans, certamente possibilitou a visibilidade de novas formas de identidade sexual, de consciência política, e não permite mais a manutenção das interpretações binárias, abrindo espaço para a geração de novas formas de luta contra a exclusão e outras formas de formulação e implementação de políticas públicas e de construção política da subjetividade humana.
A negação do Estado laico é a ausência da democracia, embora exista a proibição da utilização de fundamentações religiosas para pautar posições políticas e/ou jurídicas da nação. O Estado laico é aquele que não se confunde com determinada religião, não adota uma crença oficial, permite a mais ampla liberdade de fé, religião ou mesmo a falta delas, com igualdade de direitos entre as diversas linhas e no qual fundamentações religiosas não podem influir nos rumos políticos e jurídicos. No entanto, embora o princípio do Estado laico esteja na Constituição de 1988, em inúmeras situações o governo do Brasil não só omitiu esta questão como a negociou, principalmente em assuntos relacionados aos direitos da população LGBTQI+ e à questão do aborto como um direito ao corpo, permitindo inclusive que muitos parlamentares (deputados, senadores e vereadores) colocassem suas questões religiosas acima de vidas precarizadas e vulneráveis. A questão que fica é: se de fato temos uma democracia, a quem ela serve, quais vidas importam à nação brasileira?
No julgamento dos assassinos de Dandara, foi a primeira vez na Justiça brasileira que um juiz mencionou na sentença “motivo torpe”, nominalmente citado como transfobia. Caracterizou-se, assim, a seletividade e tipificação penal como causa do homicídio. Esse caso ganhou repercussão nacional e causou revolta e mobilização entre a comunidade LGBTQI+, mas não consolidou a elaboração de uma lei de proteção a esta população e tampouco impulsionou o Projeto de Lei de Identidade de Gênero do Brasil.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 1º de março de 2018, permitir que pessoas transgêneras alterem seus nomes no registro civil sem a necessidade de realização de cirurgia de readequação genital, desvinculando-as do processo patologizador. A maioria dos ministros decidiu pela não necessidade de autorização judicial para a alteração no documento, que pode ser feita em cartório. A decisão ocorreu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275. Este acórdão – representação, resumida, da conclusão a que chegou o STF – pretende facilitar a retificação de nome e gênero, garantindo a dignidade das pessoas travestis, transexuais e demais identidades de gênero não correspondentes à norma cisgênera. Com essa decisão, pessoas maiores de 21 anos podem dirigir-se diretamente ao cartório onde foram registradas para solicitar a mudança, sem comprovar sua condição, que deverá ser atestada por autodeclaração. Uma vitória muito significativa para a população trans, que surge da reivindicação dos movimentos sociais, da sua árdua luta pelo reconhecimento destas identidades. Durante o julgamento, os próprios ministros destacaram a participação dos ativistas, militantes, grupos políticos e organizações da sociedade civil envolvidos.
Não faria sentido a existência da Constituição Federal caso não fosse pensado um sistema de proteção a ela, que reunisse ações voltadas especificamente para isto, o que é bastante complexo se comparado a outros sistemas do mundo. A ADI serve para combater leis e atos normativos federais ou estaduais contrários à própria Constituição. O STF, ao julgar esta ação, reconhece, ainda que de forma sutil, toda a violação de direitos imposta às pessoas trans.
O Brasil é o país que mais assassina pessoas trans no mundo. Não é de hoje que a omissão do Estado resulta em inúmeras violências e assassinatos, que muitas vezes são naturalizados, a exemplo dos casos das paulistas Verônica Bonilha, Laura Vermont, assassinada por policiais, e a chocante e trágica morte da cearense Dandara. Em uma rápida busca na internet tem-se conhecimento de inúmeros outros casos.
O mesmo STF decidiu, no dia 13 de junho de 2019, que a LGBTfobia deve ser equiparada ao crime de racismo até que o Congresso Nacional crie uma legislação específica sobre este tipo de violência. Assim, ofender ou discriminar pessoas das mais diversas orientações sexuais e identidades de gênero fora da cis-heteronormatividade estará sujeito a punição de um a três anos de prisão, assim como estipulado na Lei de Racismo (Lei nº 7.716/1989). A pena para estes crimes é inafiançável e imprescritível.
Gisberta transformou Portugal. Quantas mortes de pessoas trans ainda o Brasil precisa para reconhecer essas humanidades?
Ninguém deve ser privado da vida. O Estado tem obrigação de garantir o direito à liberdade de ir e vir, independentemente da identidade de gênero ou da orientação sexual; estas nunca podem ser impeditivos da vida plena. Ainda é urgente avançar no processo de luta por direitos e por justiça. O caminho das pessoas trans ainda é árduo quando pede por igualdade, dignidade e respeito, com a eliminação do preconceito e da discriminação, assim como o de lésbicas, gays, bissexuais. Estas existências colaboram no mais honesto processo da construção de uma sociedade que promova a dignidade humana sem exceções. Que nenhuma vida seja negociada ou impedida de se expressar em sua plenitude.
As eleitas
Xica Manicongo vivia em Salvador. Escravizada africana e sapateira, desafiava as normas da cisgeneridade, o que lhe rendeu uma denúncia aos tribunais do Santo Ofício em 1591. As informações a respeito dela afirmam que se recusava a se vestir como homem, mantendo a tradição dos negros gentios de Angola e Congo, onde os somitigos viviam como mulheres. O Brasil Colônia era uma extensão de Portugal, suas leis impunham qual era o modo correto de vestimenta e de conduta a ser adotado, como no Código das Ordenações Manuelinas e no Código de Ordenações Filipinas, que proibiam qualquer forma de “inversão” dos gêneros. Xica foi redescoberta pelas pesquisas do antropólogo Luiz Mott, realizadas em documentos oficiais arquivados na Torre do Tombo, na cidade de Lisboa. Manicongo era uma guerreira negra que se vestia com um pano amarrado para frente, como a vestimenta dos quimbanda (do bantu, “invertido” ou “curador”) de sua terra de origem. O maior segredo dela está em seu nome, utilizado para se referir aos governantes do Reino do Congo (Mwene Kongo), que pode ser traduzido como Senhora do Congo. Xica foi condenada à morte pela Santa Inquisição e na atualidade é considerada a primeira travesti da história do Brasil.
O cissexismo, aliado ao racismo, produziu o apagamento de mulheres trans e travestis negras ao longo da história (OLIVEIRA, 2017). Perseguições, exclusões, violências físicas e simbólicas marcam a existência de travestis e/ou mulheres trans negras, africanas e brasileiras, desde o final do século XVI.
Outro dado interessante, embora seu registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral seja com nome de civil primário, é a candidatura mais conhecida da mulher trans eleita como Kátia Tapety, no sertão do Piauí. Um marco histórico de visibilidade pública. Filha de uma família de políticos, até os 16 anos viveu praticamente escondida dentro de casa. Foi para a escola só até a 3ª série do ensino fundamental e depois disso seus pais a mantiveram reclusa. Enquanto seus irmãos partiam para estudar nas cidades maiores, ela permanecia na colônia, seguindo a “carreira” de seu pai na roça. Como punição, segundo ela, concluiu os estudos por correspondência, pois o pai não a deixava estudar. Fez curso de auxiliar de enfermagem e se tornou “parteira e arrancadora de dente”, além de auxiliar a quem recorresse aos seus serviços (de qualquer ordem). A partir daí, Kátia se tornou uma importante referência em saúde na microrregião e, sozinha, passou a desenvolver projetos e campanhas de luta contra a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis, como HIV/Aids, principalmente após ter percebido “a olho nu” o incremento do número de casos nos “interiores” por onde passava. O fato de conhecer todos os moradores do local e de atender às suas necessidades em saúde e em outros assuntos fez com que conseguisse eleger-se para cargos públicos sem grandes dificuldades. Tornou-se conhecida, assim, por ser a primeira travesti eleita a cargo público, pelas expressivas votações em 1992, 1996 e 2000, presidente da Câmara Municipal no biênio 2001-2002 e vice-prefeita em 2004. O documentário Kátia, de Karla Holanda, lançado em 2012, retrata sua vida cotidiana, em que, para além da identidade travesti, é considerada uma mulher, (quase) como qualquer outra.
Na política, as mulheres negras propõem trabalhar de forma coletiva, envolvendo a sociedade e movimentos sociais. Em 2018, três mulheres trans foram eleitas deputadas estaduais: Erica Malunguinho e, em mandatas coletivas, Érika Hilton na Bancada Ativista de São Paulo e Robeyoncé Lima no Juntas do Pernambuco.
Eleita com mais de 39 mil votos, o grupo Juntas é composto por cinco mulheres: a jornalista Carol Vergolino, a estudante de letras Joelma Carla, a ambulante Jô Cavalcanti, a professora Kátia Cunha e a advogada Robeyoncé Lima, e pretende dialogar com o conselho político para participar das votações da Casa Joaquim Nabuco, em Pernambuco. Além de marcar história como a primeira bancada coletiva da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), a união destas mulheres possui mais uma marca importante. Trata-se de Robeyoncé, eleita aos 28 anos, a única transexual da Alepe e também primeira transexual do Norte e Nordeste do país a usar o nome social na carteira da Ordem dos Advogados do Brasil. Formada também em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe), no final da graduação do curso de Direito Robeyoncé viu seu nome batizar a classe da qual fez parte e que se formou no ano passado.
Em São Paulo, foi eleita a Bancada Ativista, que conta com mais uma mulher transexual negra em sua composição: Erika Hilton, estudante de Gerontologia na Universidade Federal de São Carlos, no interior paulista. A Bancada Ativista se define como um “movimento dedicado a eleger ativistas para o Poder Legislativo em São Paulo, composto por pessoas com atuação em múltiplas causas sociais, econômicas, políticas e ambientais”. Nove ativistas de diferentes pautas, territórios e partidos se uniram em um único nome e número na urna: Anne Rammi, Chirley Pankará, Claudia Visoni, Erika Hilton, Fernando Ferrari, Jesus dos Santos, Monica Seixas, Paula Aparecida e Raquel Marques. A mandata foi eleita com 149.844 votos, sendo mais de 90% dos municípios do estado, tornando-se a décima candidatura mais votada em São Paulo e quebrando recordes nas doações de financiamento coletivo para a campanha.
Érika Hilton, não muito diferente das demais transvestigêneres – termo cunhado por ela e a ativista Indianare Siqueira e que pode ser compreendido ou formado pela aglutinação das palavras e sentidos de travesti, transexual e pessoas transgêneras, bem como não bináries e aquelas aderidas à transexualidade compulsoriamente –, é marcada pela exclusão social e por vários tipos de violência: “Venho de uma trajetória repleta de ódio e de negações. Quando chego neste espaço, já é algum tipo de ascensão”, explica, referindo-se à rotina na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Ela ressalta a importância da criação coletiva de uma sociedade que não atribua sentenças e privações às chamadas minorias.
Nascida em Pernambuco, foi lá que Erica Malunguinho iniciou sua pesquisa em artes performáticas e construção de identidades travestis. Aos 20 anos, foi para São Paulo, onde continuou a pesquisa e inseriu também o aspecto racial em seus estudos, sendo ela própria uma mulher negra. Trabalhou como professora e agente cultural, além de seguir sendo artista. Após se tornar mestra em Estética e História da Arte, construiu um projeto artístico e político que culminou na construção do Quilombo Urbano Aparelha Luzia, centro cultural e político fundado em 2016. Erica tornou-se a primeira mulher trans a ser eleita para uma Assembleia Legislativa no Brasil, com 54,4 mil votos para seu primeiro mandato. O senso comum costuma associar a ideia de quilombo a locais de refúgio de escravizados de um passado brasileiro distante. Mulheres negras, porém, estão buscando nesse tipo de organização ferramentas para fazerem resistência à guinada conservadora em marcha na política. “A gente tem usado essas estruturas para nos aquilombar. Porque como estão aí hoje, elas não nos interessam”, diz Erica Malunguinho.
A experiência de aquilombamento mantida por Erica na Aparelha Luzia é de pluralidade negra, onde existem muitos Brasis e povos africanos. O lugar se tornou um importante espaço de resistência negra da cidade; Erica observa que mesmo os campos mais progressistas são ocupados majoritariamente por homens brancos cisgêneros e hetéros, ao mesmo tempo em que reafirma a construção, por mulheres negras, de outras formas de resistência além das tradicionais mobilizações populares, tais como: escola de samba, religiões de matriz africana, segurança alimentar. “É importante se dizer nordestina e transexual. Isso porque há uma naturalização da ausência de corpos negros, trans e LGBTQIA+ nos mais diversos espaços – que se transformam em resistência quando se dispõem a estar dentro das instituições.”
Manicongo, Kátia, Robioncé, Erika e Erica, entre tantas outras, apesar do apagamento histórico produzido pela cisgeneridade, reafirmam a máxima das mulheres negras que diz que os nossos passos vêm de longe e que às vezes com passos longos, às vezes com passos curtos, estamos sempre a caminhar, como provas vivas de que há outra possibilidade de viver para transformar essa sociedade, desde que Xica Manicongo, considerada a primeira travesti do Brasil, não acatou a ordem normatizadora.
Eu sou porque nós somos: a ideia de um feminismo plural
O 14º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho (Eflac) ocorreu entre 23 e 25 de novembro de 2017 em Montevidéu, no Uruguai, com o tema “Diversas, mas não dispersas”. Foram três dias, mais de 2 mil feministas credenciadas, das mais diversas identidades de gênero e orientações sexuais; 82 atividades, onde o Brasil teve forte presença, com mais de 400 mulheres participantes e um eixo de extrema relevância: “Racismo e discriminação: interseccionalidade das opressões e das lutas”. Pela primeira vez, compuseram o eixo temático do encontro os debates sobre racismo no interior do feminismo e sobre como os privilégios vivenciados por brancas são entraves para a efetiva emancipação das mulheres e reforçam as desigualdades sociais. O Eflac acontece desde 1981, com o objetivo de contribuir para o fortalecimento da democracia na América Latina, a partir da incorporação dos direitos humanos das mulheres desde uma perspectiva feminista na agenda dos Estados e das sociedades, ao propiciar um espaço de discussão e encontro entre as diversas expressões dos movimentos feministas latino-americanos e caribenhos, como parte da sociedade civil organizada.
Presentes nessa assembleia estavam mulheres da Venezuela, Haiti, República Dominicana, Colômbia, Panamá, Peru, Argentina, Brasil, Bolívia, Guatemala, Porto Rico, com a participação também da queniana e presidenta do Fundo Global para Mulheres (Global Fund for Women), Muzimbi Kanyoro. Lá discutiram o exercício de poderes dos quais se beneficia também o feminismo não negro, ao desconhecer as demandas das mulheres negras que desnudam as desigualdades de classe e raça existentes mesmo entre a parcela feminina da população.
A plenária final do Eflac compartilhou os documentos das dez assembleias temáticas ocorridas, inclusive da que tratou do racismo, discriminação e privilégios da branquitude que os feminismos na América Latina estão constantemente apontando. Assim que estamos em um movimento de transformação devido à presença de novos cenários, perspectivas e olhares críticos sobre o que tem sido a reflexão e ação feminista nas últimas décadas, reconhecendo que o racismo é estruturante das desigualdades e opressões e provoca múltiplas formas de exclusão em razão de questões raciais e étnicas, da mesma forma que a branquitude – no sentido de vivência dos benefícios e privilégios – é uma construção socio-histórica produzida pela ideia de uma suposta superioridade racial.
Mulheres negras, ameríndias, deficientes, imigrantes e trans refletem o quanto a cisgeneridade é tóxica, assim como a branquitude. Porém, parte do feminismo tradicional (cisgênero e branco) viola vidas ao deslegitimar identidades femininas trans, afirmando “que elas não foram socializadas como mulheres”. Quando se diz que uma mulher trans não é mulher, onde a colocamos? Quais vidas esse feminismo diz proteger e salvar? Se há privilégios que categorizam corpos, temos também a exclusão de vidas. E, num país que é campeão de mortes de pessoas trans e travestis como o Brasil, não se fala sobre saúde integral, mental, direitos sexuais e reprodutivos para essa população. O feminismo, desde suas diferentes expressões, deve responder ao desafio da transformação das distintas exclusões e, portanto, do enfrentamento da discussão sobre o racismo interseccionalizado e o cissexismo. Nos últimos anos, a visão de muitas pessoas sobre um feminismo radical tem sido influenciada por opiniões de feministas radicais trans-excludentes – as Terfs. Nem todas as feministas são radicais, e a ativista e escritora norte-americana Angela Davis nos conclama a repensar o que é ser radical no léxico da palavra. E neste caso, são Terfs as exclusoras de outras mulheres, assim como antes. Desde o seu princípio, o feminismo radical elencou a violência sexual e a doméstica como questões fundamentais para sustentar a opressão contra as mulheres. Para muitas delas, não importa o gênero com que alguém se identifica e se apresenta, só importa o sexo biológico, pois insistem em uma suposta socialização anterior ao autorreconhecimento.
Ao considerar pessoas trans agentes de opressão, muitas feministas radicais proíbem, particularmente, as mulheres trans e travestis, de seus espaços políticos e organizacionais. Há aqui uma grande contradição: enquanto lutam vigorosamente contra a violência sexual, desconsideram que as mulheres trans e travestis são as maiores vítimas de violência psicológica, física e sexual, especialmente as negras. Consideram – o que pode ser interpretado um erro teórico – apenas duas classes principais da sociedade: os homens (os opressores) e as mulheres (as oprimidas), teoria básica do patriarcado. As feministas radicais nem sempre reconhecem o capitalismo, e mesmo quando o fazem, consideram-no como uma esfera completamente separada, afastada da opressão feminina. Seu objetivo final é abolir o gênero, que elas consideram inerentemente hierárquico e opressivo em relação às mulheres.
As feministas marxistas compartilham dessa visão sobre o patriarcado, porém com uma concepção diferente da classe e das raízes da opressão das mulheres. A classe não se limita ao gênero, mas em termos econômicos ela é determinada pela relação com os meios de produção e o Estado. Para muitas mulheres, a luta contra o racismo está intrinsecamente ligada ao combate ao machismo (ambos enraizados no capitalismo). Os homens negros perpetuam o machismo exatamente da mesma forma que os homens brancos. Mas sua experiência de racismo também os vincula com as mulheres negras em suas comunidades. Sharon Smith, escritora e ativista socialista norte-americana, diz que a necessidade de lutar ao lado dos homens na luta contra o racismo ou na luta de classes fez com que as ideias individuais não parecessem atraentes para mulheres negras.
O lendário grupo de socialistas feministas negras do coletivo do Rio Combahee incorporou esse entendimento, escrevendo em sua declaração de 1979: “Precisamos articular a verdadeira situação de classe de pessoas que não são apenas trabalhadores sem raça e sem sexo, mas para quem a opressão racial e de gênero é determinante em suas vidas econômicas”.
Somando o combate ao racismo e ao machismo, Angela Davis tem-se posicionado contra o cissexismo, assim como a vereadora e ativista Marielle Franco. Para a norte-americana, o feminismo negro de Marielle Franco visava a entender e transformar o mundo. A frase foi dita durante homenagem à vereadora na universidade de Princeton, nos Estados Unidos, na data que marcou um ano de seu assassinato.
De forma categórica, Angela afirma que o combate à violência de gênero precisa focar nas mulheres trans, porque “quando [todas] as mulheres negras forem finalmente livres, isso significará que o mundo será livre”. “Quando falamos ‘vidas negras importam’, não estamos falando de um grupo específico, estamos falando de humanidade.” E o mesmo argumento se aplica à comunidade trans. Por sua vez, em seu vídeo de campanha Marielle afirmava que o debate sobre cis, trans e pessoas não binárias precisava estar presente nas favelas, nas campanhas políticas, conferindo a essas vidas uma dignidade sem precedentes.
A filósofa Sueli Carneiro, em sua participação na roda de conversa “Mulheres negras trans e cis: quais encruzilhadas nos aproximam?”, que aconteceu em julho de 2019 em São Paulo em comemoração ao Julho das Pretas, também nos concedeu sua colaboração, da qual transcrevo parte:
Entendo quase nada sobre o que é ser uma mulher negra trans. Mas entendo sobre violência racial e de gênero. E essa me parece a encruzilhada que nos aproxima, desenhada pela dororidade que racismo e sexismo instituem para todas nós, como aprendemos com Vilma Piedade, “[…] É a dor que irmana as mulheres”. A dor da cor produzida pelo racismo que nos expõe as formas extremas de iniquidades sociais como as mortes preveníveis e evitáveis e o feminicídio, os genocídios da juventude negra motivados pela transfobia que afetam de maneira especial as mulheres negras trans no Brasil.
É Sueli quem nos chama a atenção para a invisibilidade como outra encruzilhada que nos aproxima desde nossas lutas no século passado e a emergência do black feminism nos ecos do século XIX, nas palavras de Sojourner Truth: “E eu não sou uma mulher?” A denúncia afirmava a existência de um feminino distanciado da estética e dos salamaleques que informavam a etiqueta de gênero entre os “racialmente” hegemônicos. “E eu não sou uma mulher” ecoou dramaticamente a invisibilidade das mulheres negras, e esse mesmo brado continua ecoando nas queixas atuais das mulheres negras cis, travestis e trans. Em 2020, Sara York, avó, deficiente visual e travesti, diante de mulheres ultraconservadoras que a condenavam por ser trans, perguntou: “Sou apenas orifícios? Meu neto vale menos? Por que me expõem assim?”. Sueli ainda diz:
Por outro lado, a visibilidade perversa derivada dos estigmas e estereótipos associados às mulheres negras cis e trans, como a exotização, a folclorização e a objetificação, instrumentos indispensáveis para o exercício da violência simbólica sobre negras cis e trans pelo racismo e o machismo. Então, se conheço essas dores, e se elas têm sido sempre fonte de sofrimento, um princípio inegociável se estabelece, que é o da intransigência radical para com toda e qualquer forma de discriminação, exclusão e inferiorização dirigida a qualquer grupo de seres humanos porque sabemos que, se aceitamos e/ou legitimamos a discriminação sobre determinado grupo humano, estaremos autorizando a violência e a discriminação sobre qualquer outro.
Talvez seja essa a grande potencialidade que o feminismo negro tem apresentado e promovido quando, para além do discurso da inclusão, adotou a prática vinda de muito longe, das caminhadas, das denominadas cudinas do século XVI, em que mulheres negras cis e trans, travestis, não binárias, e das mais diversas possibilidades de amar e viver, vêm elaborando a construção de um mundo mais seguro e justo, norteado pela cumplicidade, onde não cabem radicalismos que condenam vidas à morte. Angela tem dito que o feminismo negro nos convoca a reimaginar nossas conexões, nossas relações e como elas podem ser expressas nas estruturas obsoletas do Estado-nação capitalista. No Eflac, a conclusão final da assembleia foi a de que o movimento feminista deve declarar-se antirracista, deve descolonizar-se, enegrecer-se e transgenerizar-se. Talvez devamos apenas seguir mariellando-nos no “eu sou porque nós somos” que ela usava sempre. Somos mulheres diversas, não mais apenas genitálias ou mimeses de um falo original ou simulacro. Somos combos de excluídas, minimizadas e hierarquizadas, com dores e lutas muitas vezes similares, além de futuros possíveis, onde o desejo de liberdade soma-se ao “mexeu com uma, mexeu com todas”. Um feminismo que caminha para frente, atentando-se à última que se sentiu parte dessa ampla e complexa união quando ainda se sentia longe de nós!
Neon Cunha é mulher, negra, ameríndia e transgênera questionadora da branquitude e cisgêneridade tóxicas. Uma das mais reconhecidas vozes da despatologização das identidades trans no Brasil e primeira mulher trans a denunciar presencialmente violências na OEA (Organização dos Estados Americanos). Integra diversas iniciativas e espaços como ativista independente, dentre elas a Marcha das Mulheres Negras de São Paulo e como patrona da Casa Neon Cunha, espaço de acolhimento LGBTQI+ do ABC Paulista.
Sara Wagner York impedida de ser mulher nos registros jurídicos meses antes da ADI que permite retificação documental assina como Travesti da/na Educação, denunciando o Estado letalizante que sempre viveu e também reforçando a urgência do nome social. É Instrutora de Teatro e foi coreógrafa de musicais. É Pesquisadora, Pai, Mestre em Educação, Licenciada em Letras – Inglês e respectivas literaturas (UNESA), Licenciada em Pedagogia (UERJ), Licenciada em Letras – Vernáculas e respectivas literaturas de língua portuguesa (UNESA), Especialista em Orientação, Supervisão e Inspeção Escolar (SSVP) e Gênero e Sexualidade (CLAM/IMS) e orgulhosamente avó.
A disputa prática da linguagem
Benevides e Lee (2019) falam sobre os modos de fazer e saber do mundo trans imerso neste cotidiano violento que produz uma epistemologia marcada por outra forma de (r)existir, uma transepistemologia. Nesse sentido, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) produz anualmente um relatório onde estão catalogados dados descritivos de fontes primárias sobre políticas transfeminicidas e, portanto, transepistemicidas, que seguem denunciando a ausência do Estado na assistência a alguns corpos. Quando o movimento social organizado tece a produção dos dados desde a catalogação dos números iniciais, feita de modo artesanal, a partir de uma vasta rede de produção, organização e catalogação, a pesquisa apresenta sua qualidade e validação diante da inexistência numérica no que tange à comunidade trans.
Para se ter noção da complexidade narrativa em disputa, trouxemos um exemplo muito simples e recorrente: o uso do “@”, “x” ou “_” em palavras como, “alun_”, ou “alun@” ou ainda “alunx” em textos ou em avaliações, usado por algumas/alguns professoras/es desde o final do século passado.
A disputa de narrativas tornou-se tão cruel que o inimigo deixou de ser aquele que passa a ser ouvido, exatamente quando ganha esta condição: ser ouvido. Ainda no início deste século, alguns sujeitos faziam o uso da letra “x” como aplicação ou possibilidade de troca pelo gênero, ou ainda pela inexistência de uma desinência de gênero. O uso da letra “x” não é um uso excludente. O uso do “x” não significa esquecer, nublar ou ignorar todo o resto. Do mesmo modo que é preciso compreender que, para designar todas as pessoas, se coloca o “todos”.
Outro ponto é o uso eficaz e o uso conveniente. Conhecemos gente que utiliza, por exemplo, o “e”, como marcador de desinência de gênero para falar “todes”, quando está em diálogo com LGBTQI+. Alguns sujeitos trazem o “nós todes” para público cativo, acionando neste momento o “e”, mas fora isso, diante do grande público, esse mesmo sujeito segue trazendo o pensamento hegemônico contido na língua, o fruto da colonização.
Esta colonização se faz refratária em nossos privilégios ou no não acesso a muito daquilo que é direito no Estado democrático. Queremos que as pessoas dialoguem minimamente com recortes reais, representações de si. Ao reivindicarmos a utilização de termos que atendam às ditas “minorias”, lembremo-nos: a maioria da população do Brasil é feminina.
Dito isso, o “X” torna-se mais um marcador de não desinência de gênero. O que seria isso? A utilização do “a” e do “o” como estruturas da língua. Por isso falamos que a língua portuguesa é uma língua masculinista, machista e sexista: porque tudo o que é pejorativo nessa língua vai ganhar um caráter feminino e tudo o que é poderoso, fortificador e enobrece o sujeito vai ganhar um caráter masculino.
E assim, podemos pensar que estas estéticas binárias são culturais muitas vezes. Mas o mais interessante é que existem alguns aspectos que não excluem. Tem gente que, por exemplo, utiliza “todxs” para falar de “homens e mulheres binárias”. Então, em uma conversa entre duas mulheres (cis ou trans), nenhuma mulher binária, até onde sabemos, pretende ser chamada de “todxs”. Nós não somos “todxs”. Somos Sara e Neon. Somos mulheres e gostamos de estar na trans-agência daquilo que é binário, porque esse binário pode agir em favor ou desfavor, mas algumas pessoas têm o direito de usar ou não e nós somos pessoas que gostamos de usar o termo binário e feminino nas nossas produções. Muito provavelmente, iremos utilizar algumas formas femininas em nossa escrita. Porém, o “x” vem com um agravante de que alguns corpos têm retirada de si a potência de gênero compreensiva, ou seja, crianças intersexo que têm suas genitálias extirpadas ou modificadas enquanto recém-nascidas. Elas podem ser uma compreensão desse “x” como, por exemplo, alguns intersexos fazem e pedem.
Há questionamentos sobre o “x” porque leitores para deficientes visuais não o leem. Assim, a problematização refere-se à máquina e à tecnologia, porque é a tecnologia que é deficiente e não a história e a luta de um grupo, historicamente menosprezado, diminuído, chicoteado, esculhambado, arregimentado e recortado pela produção de um grupo hegemônico.
A questão a “problematizar” é o hegemônico que, no caso, é quem provê a tecnologia de leitura, seja ela para qual grupo for. Então, são eles que têm de ter essa resposta, não um grupo que é composto, por exemplo, de bebês. Bebês intersexos recém-nascidos que têm suas genitálias modificadas cotidianamente de modo compulsório. Questões da língua que violenta e fere crianças e adultas/es/os.
Referências
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