Fundadora do Grupo Latinoamericano de Estudio, Formación y Acción Feminista (GLEFAS) e integrante do Grupo Interdisciplinario de Estudios de Género (GIEG) da Universidad Nacional de Colombia (UNAL). Ativista do movimento lésbico-feminista latino-americano e caribenho e pioneira do movimento antirracista de mulheres afro na região e coordenadora e professora de pós-graduação da Escuela de Estudios de Género da Universidad Nacional de Colombia.
O que é feminismo decolonial e de quais resistências e práticas políticas ele se nutre? O feminismo decolonial é uma proposta, talvez uma das últimas correntes políticas que estão emergindo, há mais de uma década. O conceito foi proposto pela argentina María Lugones, oriunda dos feminismos negros nos Estados Unidos, onde trabalhou na educação popular, e também fez parte do projeto “modernidade colonialidade”. Uma das coisas fundamentais que o feminismo decolonial faz é criticar o feminismo branco hegemônico. E isso tem a ver com nossas próprias críticas, ou seja, nós também surgimos de pensar a violência contra a mulher, de pensar as categorias como divisão do trabalho, como a própria heterossexualidade.
Nossas fontes são as nossas próprias práticas políticas. No movimento das mulheres negras, há muito tempo estamos propondo uma luta em termos da Matriz da opressão, muitas pessoas chamam de interseccionalidade, eu tenho muitas críticas a isso. Mas digamos, há muito tempo colocamos a Matriz de opressão de raça, sexo, classe, sexualidade nos debates e também na nossa prática política.
Outra contribuição fundamental vem das propostas de mulheres e feministas de origem indígena, pois há quem não queira se chamar de feminista, com razão. Como um questionamento do eurocentrismo e do etnocentrismo. Temos nos nutrido muito com companheiras de origem maia, mapuche, para pensar em outras cosmovisões que não deixam as montanhas, o rio, os animais fora de nossas relações humanas, como faz a lógica eurocêntrica e individualista.
O comunitário é fundamental para a vida. Em outras palavras, não é simplesmente uma comunidade geográfica, mas sim um pensar sobre nós mesmas na relação. Essa relação, fundamentalmente, insisto, que não é entre humanos, entre homens e mulheres, etc., mas entre tudo o que existe para poder sobreviver.
Existem outras fontes teóricas importantes, como as contribuições pós-coloniais, embora tenhamos genealogias diferentes, elas foram muito importantes para nós. Spivak e Mohanty também questionam essa lógica eurocêntrica dos feminismos do norte, de pensar as mulheres deste lado do mundo como vítimas, assim como a reprodução eurocêntrica desde 1492.
Nesse percurso, se expressaram relações de poder em termos teóricos, em termos conceituais, nas práticas políticas e a partir daí se desdobra todo o resto. No feminismo decolonial há questionamentos como: Para que serve o dinheiro?, a relação com o Estado, a relação com as políticas públicas, ou seja, nós dizemos que o Estado é uma questão colonial.
Então, sobretudo, nossa proposta também é autônoma e autogestionária, já que grande parte dos movimentos feministas e não feministas de Abya Yala está totalmente institucionalizada, pois atendem fundamentalmente às prioridades das agências, dos Estados e dos partidos políticos. E o posicionamento decolonial rejeita tudo isso.
O giro decolonial configura um conceito-chave que não é apenas teórico, mas de compreensão de uma realidade, sobre o que significa a colonialidade e suas formas de poder, do ser, do gênero, da natureza, da religião, etc. Foram os conceitos que amarraram essa proposta, esse conceito que buscamos há muito tempo e que para nós tem sido fundamental.
Para o feminismo decolonial, a prática oral é uma prática política fundamental, pois nós somos oriundas de comunidades orais do Caribe, mas nunca demos a ela a devida importância.
A arte, para nós que somos do Caribe onde a arte é cotidiana, não é só uma questão de artistas experientes, mas as pessoas estão “na arte” o tempo todo. Para nós, isso é fundamental e as metodologias que desenvolvemos nas escolas têm muito da arte porque faz parte da historicidade das pessoas.
O feminismo decolonial questiona o separatismo. Esse separatismo que o feminismo branco nos ensinou que em um ponto nós consideramos muito importante. Uma das coisas que entendemos é que não é possível pensar em um feminismo decolonial e almejar a construção de uma comunidade.
O que o feminismo propõe quando pensa nas correntes e ondas feministas é uma história linear. Isso é a Modernidade, é partir da história da Europa porque lá as mulheres escravizadas que lutavam muito antes não fazem parte da genealogia que faz o feminismo branco. Então, quando estamos falando de Modernidade, o que é colonialidade? Nas palavras de Aníbal Quijano, a colonialidade é um padrão de poder que não se fez apenas em um lugar, mas que configura relações do projeto moderno que se iniciou com o colonialismo e gera uma série de hierarquias raciais, sociais, sexuais e geopolíticas. A colonialidade é muito mais complexa do que o colonialismo porque o colonialismo foi um evento histórico particular com toda uma violência perpetrada obviamente, mas o problema da colonialidade é que ela se estendeu de 1492 até os dias atuais em que temos hierarquias raciais, sociais, etc.
E o giro decolonial é reinterpretar a história que nos contaram de que Colombo descobriu a América, de que a Europa é o máximo, de que temos que pensar e sentir como europeus e depois como norte-americanos quando se tornam impérios.
A interseccionalidade foi proposta por Kimberlé Crenshaw no momento em que ela, no campo da política liberal, dizia que a lei não pode se referir à violência contra as mulheres apenas por serem mulheres e, por outro lado, não pode se referir à violência contra as pessoas negras apenas por serem negras (porque aí se referem apenas aos homens negros). As mulheres negras seriam então deixadas de fora em relação à sua situação particular.
O problema da interseccionalidade é que ela não tem nenhum projeto de libertação em si, ou seja, descreve uma situação. E é por isso que serviu à política liberal, certo? Para as universidades, as ONGs, as feministas liberais, a lei, o Estado, a interseccionalidade é adequada.
Hoje, está na moda muitas pessoas se considerarem feministas decoloniais. Estou falando das do GLEFAS, que somos as ativistas. Porque muitas pessoas se dizem feministas decoloniais na academia, o que é contraproducente; embora eu esteja dando aulas na academia, eu não faço feminismo decolonial lá.
Por que eu gosto da Matriz de Opressão? Em primeiro lugar, porque não separa essas opressões, ao mesmo tempo, Patricia Hill Collins também diz que essa matriz de opressão se manifesta em questões subjetivas, se manifesta em questões jurídicas, se manifesta no controle que o Estado faz, se manifesta em questões epistemológicas… ou seja, é a complexidade de pensar que não há fragmentação possível. É uma das coisas que o feminismo decolonial assume como elemento central.
A primeira coisa que precisamos mudar é a narrativa sobre a “emergência” do feminismo. Faz tempo que essas chamadas mulheres estão na luta nas comunidades. Agora dizem que as mulheres são mais visíveis…
O que o feminismo tem feito? Fundamentalmente o que já sabemos: as ONGs que vão às comunidades trabalhar com as mulheres e depois fazem relatórios, indicadores, etc. então aí sim elas são visíveis. Esta é a primeira coisa que gostaria de questionar. Elas estiveram sempre lá, sempre! Como parte dos povos indígenas, depois com a escravidão e até hoje, etc. Sempre pensando em comunidade. Não podemos permitir que continuem fragmentando as mulheres da comunidade, porque elas lutam por sua comunidade, não lutam por elas, essa é a diferença com o feminismo. Como disse uma companheira: “Eu não me salvo sozinha”.
Por outro lado, as redes, eu tenho pavor dessa palavra ‘redes’ porque foi inventada pela cooperação internacional. E as redes têm a ver com a lógica do financiamento, ou seja, ao invés de eu financiar um determinado grupo, o que eu crio são redes. Embora nessas redes as pessoas nem mesmo, digamos, tenham um projeto político. E isso aconteceu com a maioria das redes em toda a América Latina, principalmente porque vêm do Norte. Eu gosto muito de falar sobre coalizões políticas. E quando falo de coalizões políticas, é que aí não se trata apenas da política de identidade em si, mas estamos falando de um projeto político em que concordamos, talvez não em tudo, mas em elementos-chave que podem impulsionar solidariedades inclusive transnacionais.