Os últimos anos não foram fáceis para o Die Linke. Depois das eleições de 2021, quando mal conseguiu garantir vagas no parlamento, o partido de esquerda alemão afundou por dois anos numa crise de disputa interna entre setores, que terminou com a notória saída da figura de liderança Sahra Wagenknecht em outubro de 2023. Àquela altura, os números da agremiação nas pesquisas haviam despencado a uma baixa histórica, enquanto resultados fracos uma eleição estadual após a outra pareciam confirmar uma tendência inevitável de declínio.
No entanto, nos últimos meses viu-se uma mudança repentina, e para melhor, da sorte do partido. Antes da eleição federal de domingo, os números do Die Linke dobraram nas pesquisas e parece provável que o partido volte ao parlamento com uma bancada significativamente maior. Concentrados em algumas demandas econômicas básicas e se apresentando como o único partido contrário ao aumento das restrições sobre asilo político e migração, os socialistas democráticos da Alemanha encontraram, bem a tempo, um novo sopro de vida.
Ao lado dos dois candidatos principais, Jan Van Aken e Heidi Reichinnek, cujos discursos inflamados se tornaram um fenômeno das redes sociais nas últimas semanas, uma das figuras mais proeminentes da campanha é Gregor Gysi. O parlamentar de 77 anos que cumpriu um papel crucial na criação do Partido do Socialismo Democrático (PDS, na sigla em alemão) após a reunificação alemã tinha planos de se aposentar depois de 35 anos na política. Em vez disso, ele está entrando na arena mais uma vez como parte da chamada “Missão Cabelos Brancos”. A expressão se refere aos grisalhos de velha guarda, entre os quais Gysi, que o partido lançou candidatos no coração da região leste do país, na expectativa de garantir vagas nos parlamentos locais.
Entre as viagens de campanha, Gregor Gysi conversou com a Jacobin sobre a nova abordagem estratégica do partido, as contradições que todos os partidos de esquerda enfrentam nas democracias capitalistas e conselhos para a nova geração que está hoje se filiando ao Die Linke.
Loren Balhorn Sr. Gysi, provavelmente o senhor não se lembra, mas já nos encontramos em um painel de debate em 2013, quando era líder parlamentar do Die Linke e tinha acabado de ser proclamado líder da oposição. Doze anos depois, o senhor ainda está no parlamento, mas seu partido está lutando para sobreviver e, até algumas semanas atrás, parecia estar perdendo a batalha. O que foi que aconteceu?
Gregor Gysi Estávamos em uma crise existencial. Não só porque alguns membros saíram, mas porque realmente tudo que fazíamos era discutir, porque estávamos preocupados apenas com nós mesmos. As pessoas percebem isso.
Foi só quando veio o congresso do partido no último outono que houve uma ruptura. Algumas pessoas saíram, mas a maioria ficou, e percebeu que aquilo era uma crise existencial, e finalmente começamos a nos concentrar em algumas questões centrais. Paramos de olhar para o nosso umbigo e deixamos a disputa interna para outros partidos.
“Perdemos terreno para a Alternativa para a Alemanha, e agora estamos no processo de corrigir isso.”
Na verdade, eu queria me aposentar, mas fui convencido a não fazer isso. Então nós, três velhos – Bodo Ramelow, Dietmar Bartsch e eu – dissemos um para o outro: “vamos fazer a nossa parte”. E começamos a Missão Cabelos Brancos (Mission Silberlocke). Escolhemos esse nome por três motivos: primeiramente pela “missão” histórica do proletariado. Segundo, é uma expressão cristã e pensamos que seria possível conquistar alguns eleitores católicos e protestantes. Mas o fator mais interessante é que entendemos que ia despertar o interesse da mídia, e despertou. De repente, voltamos a aparecer no noticiário.
O que nós não sabíamos era qual seria a reação das pessoas jovens. Quem sabe eles mandariam esses três velhotes caírem fora? Mas o caso foi justamente o contrário: a juventude ficou muito entusiasmada. Onde quer que a gente vá, fica lotado. Claro, tem pessoas jovens com a gente também, como Heidi Reichinnek, nossa principal candidata, Ines Schwedtner, presidente do partido, junto com seus colegas Sören Pellman e Jan van Aken.
Aprendemos com os erros do passado e agora nos concentramos em seis questões centrais: paz, justiça social e um sistema tributário justo, sustentabilidade ecológica, educação, igualdade de gênero e igualdade entre Alemanha oriental e ocidental. Descuidamos desse último item em particular e perdemos terreno para a Alternativa para a Alemanha [AfD, na sigla em alemão], agora estamos corrigindo isso.
Loren Balhorn Eu gostaria de falar mais sobre essas disputas passadas. O fato de que o Die Linke fosse visto amplamente como partido preocupado com debates internos certamente não ajudava em termos de eleições, mas de onde o senhor acha que vinham essas divergências? Me parece que elas começaram realmente a esquentar quando o sucesso eleitoral inicial do partido começou a diminuir, como se fossem uma expressão de contradições estratégicas mal resolvidas ou ambiguidades dentro do próprio partido.
Gregor Gysi Bom, antes de mais nada, uma coisa é estar na oposição a Angela Merkel; outra coisa é estar na oposição ao Partido Social-Democrata [SPD, na sigla em alemão], aos Verdes e ao Partido Democrático Liberal [FDP, na sigla em alemão], mesmo que eles tenham cometido muitos erros. Mas esse é só um dos problemas.
Um segundo problema é que o partido sempre conteve de tudo, da social-democracia de esquerda à Plataforma Comunista. Alguns querem superar o capitalismo passo a passo por meio de reformas, outros querem fazer a revolução e assim por diante. Isso não é tão problemático assim, mas novas questões emergiram, como a catástrofe climática iminente. Nós não estávamos tão bem preparados para isso, diferente dos Verdes. Ou na invasão da Ucrânia pela Rússia – contrariando os desejos da esquerda –, e não estava evidente como deveríamos nos posicionar em relação a isso, então havia várias posições dentro do partido, etc. Os exemplos não acabam mais.
“Estávamos focados principalmente na questão das pessoas desempregadas, refugiadas e sem-teto, prestando pouca atenção nos interesses da população trabalhadora, mas também das pessoas que trabalham como autônomas, das pequenas e médias empresas.”
Mas havia outro erro, que eu sempre critiquei, que era focarmos principalmente na questão das pessoas desempregadas, refugiadas e sem-teto, prestando pouca atenção nos interesses da população trabalhadora, mas também das pessoas que trabalham como autônomas, das pequenas e médias empresas. Na Alemanha, a classe média paga por tudo e o governo não ousa incomodar aqueles que estão no topo. Mas se a classe média está falida, não vai sobrar nada para ajudar quem está na base. Os que estão no topo também já não poderiam existir – só que eles não sabem disso. Esse foi um grande problema, que resultou em muita discussão e insatisfação.
Foi isso que realmente mudou desde o primeiro semestre do ano passado. Agora temos claramente um foco em seis questões. Também temos um enfoque renovado na região leste. O oeste é importante também, mas a igualdade entre leste e oeste foi adiada por tempo demais. Por isso estou satisfeito com os desdobramentos no momento. Naturalmente, também precisamos de alguma renovação programática, mas não temos tempo de fazer isso durante uma campanha eleitoral.
Loren Balhorn O senhor mencionou a envergadura das ideias e das prioridades estratégicas dentro do partido. Não faz muito tempo, eu dei uma olhada no seu livro, Marx und Wir [Marx e Nós, sem tradução em português], em que o senhor escreve que algumas das previsões de [Karl] Marx, como o colapso imanente do capitalismo, não se comprovaram, e argumenta que, em vez de falar em “revolução social”, a esquerda deveria defender uma “inovação social” como parte de uma transformação gradual e sucessiva da sociedade. O senhor acredita que o Die Linke errou ao não apresentar definições mais concretas do que seria essa transformação?
Gregor Gysi Sim, de fato, foi isso que eu quis dizer com renovação programática. Às vezes, a pessoas de esquerda têm dificuldade com as realidades que contradizem sua ideologia, porque não querem mudar sua ideologia.
Precisamos analisar exatamente o que o capitalismo consegue e não consegue fazer. Ele consegue produzir uma economia eficiente. Consegue produzir ciência e pesquisa excelentes, e não é coincidência que a maioria dos laureados com o Prêmio Nobel nessa área estejam nos Estados Unidos. Consegue produzir arte e cultura excelentes — Bertolt Brecht é produto do capitalismo, não do socialismo de Estado. Isso significa que o capitalismo também produz pessoas que reconhecem e articulam contradições e, dependendo do seu grau de inventividade, tornam-se artistas e autoras fantásticas. O capitalismo pode ter uma estrutura razoavelmente progressista e democrática, mas não precisa ter. E também pode ser alguma coisa totalmente diferente.
“O oeste da Alemanha é importante também, mas a igualdade entre leste e oeste foi adiada por tempo demais.”
Agora o que ele não consegue fazer. Ele não consegue assegurar a paz enquanto tanto dinheiro é ganho com guerras e acesso a matérias-primas — o que estamos vendo agora no Congo tem tudo a ver com matérias-primas. A segunda coisa que ele não consegue fazer é criar justiça social. Ele sempre vai concentrar a riqueza em poucas mãos e gerar pobreza. A terceira coisa é que há muita dificuldade com sua sustentabilidade ecológica, e eu vou dizer o porquê: encerrar um processo de produção lucrativo é anticapitalista. É por isso que o parlamento tem tanta dificuldade com isso. E, em último caso, ele não consegue promover a emancipação, ou seja, a autorrealização individual.
Se você encara o capitalismo como eu, então você tem que pensar sobre duas coisas. Primeiramente, como preservar o que o capitalismo consegue fazer? Em segundo lugar, como superar o que ele não consegue fazer? Ainda temos que resolver isso de forma programática.
Há muitas diferenças entre nós, os Verdes e o FDP, mas há uma que eu gostaria de destacar aqui: já vi os Verdes sendo expulsos do parlamento, depois sendo aclamados pela mídia e eleitos novamente. A mesma coisa aconteceu com o FDP. Se nós formos expulsos do parlamento, ninguém vai pressionar para nos colocar de volta, e isso seria terrível para nossa sociedade, porque apresentamos argumentos de esquerda que ninguém mais apresenta. Sem nossa presença, o debate fica apenas entre o centro e a extrema direita.
Loren Balhorn Supondo que o Die Linke vá bem no dia 23 de fevereiro, o partido estará de volta ao parlamento, mas também continuará sendo um parceiro menor em alguns governos estaduais. Observando coalizões anteriores, como as de Brandeburgo e Berlim, não há uma correlação entre estar no governo e enfrentar uma diminuição no retorno eleitoral? Como o senhor acha que o partido pode lidar melhor com essa contradição no futuro?
Gregor Gysi Bem, quando Bodo Ramelow se tornou ministro-presidente da Turíngia, nós obtivemos ganhos na eleição seguinte. Na eleição depois dessa, no entanto, tivemos uma derrota dramática. Não por causa dele, mas pela atitude do nosso partido. Havia sempre a dificuldade de ter os Verdes e o SPD como parceiros, e eles sempre precisavam ser convencidos, do contrário ele não chegaria a lugar nenhum. Além disso, era um governo minoritário. O que também foi difícil.
Mas o que Bodo conquistou? O que me agrada é que a Turíngia é o primeiro estado federado onde professores de escolas fundamentais recebem o mesmo que professores de escolas de ensino médio. Não é assim em nenhum outro lugar na Alemanha. Parece uma coisa pequena, mas na realidade é uma questão de igualdade de gênero, porque a maioria dos professores de escola fundamental são mulheres. Essa é só uma pequena medida, mas posso citar muitas outras medidas que eles tomaram e que o novo ministro-presidente não pode abolir. Isso significa que, quando fazemos parte do governo, podemos estabelecer certos padrões que não serão quebrados.
Tivemos também um bom senador cultural em Berlim, Klaus Lederer. De todas as críticas que se pode fazer a ele, o que está acontecendo agora, por exemplo, é bem diferente em relação à nossa época. A cidade agora está fazendo cortes em arte e cultura, cortes em escolas, cortes na saúde. É possível economizar em muitas áreas, mas nunca em educação, arte e cultura, saúde e fornecimento de água, energia, alimentos básicos, etc.
A segunda coisa é que nosso pessoal, incluindo aqueles que estão no governo, entende que, quando as receitas fiscais caem, é preciso investir mais, e não menos, como quase todo mundo faz. Se você investe mais, mais dinheiro vem. É a lógica simples que tentamos explicar ao governo federal desde 1990, mas tem sido em vão. Eles continuam cometendo os mesmos erros porque não entendem que o governo não é a casa de uma família. Se eu pessoalmente tenho menos dinheiro, eu preciso pensar em quais custos posso cortar para conseguir chegar ao fim do mês. Mas não é assim com o governo federal e com os estados federados. Se tenho menos renda, eu tenho que investir, mesmo adquirir dívidas se necessário, para impulsionar a economia e a renda das pessoas.
Então, o que temos que fazer? Temos sempre que tomar certas medidas nos governos. O que não podemos fazer é dar um passo na direção certa e um passo na direção errada em outra área. Isso não é possível. Todos os passos devem ir na direção certa. Eles podem ser menores do que imaginávamos, mas devem ir na direção certa.
Loren Balhorn Certo, mas todos esses exemplos que o senhor acabou de dar também não poderiam ser alcançados com o SPD?
Gregor Gysi É impossível conquistar essas coisas com o SPD. O SPD está no governo há muitos anos e governa a maioria dos estados. Neles, os alunos do ensino fundamental são separados [de acordo com suas habilidades acadêmicas] depois da quarta série. Em Berlim e Brandeburgo, depois da sexta série. Essas pequenas diferenças já querem dizer que a porcentagem de crianças da classe trabalhadora que terminam o ensino médio é maior em Berlim e em Brandeburgo comparado a outros estados federados.
“Conheço políticos locais que votaram pela revolução no congresso do partido e voltaram para casa para lidar com os bancos das praças.”
Mas isso não é suficiente para nós. Nós defendemos que [a separação por habilidade acadêmica nas escolas] não aconteça antes da oitava série, para haver mais igualdade nas oportunidades. Isso não deve ser negligenciado nem subestimado: se temos mais oportunidades igualitárias na educação, se mais crianças da classe trabalhadora alcançarem determinadas posições sociais, nossas ideias sobre como superar o capitalismo terão mais chances na sociedade.
Por isso que eu sempre digo que é complexo. Também conheço políticos locais que votam pela revolução no congresso do partido e aí vão para casa lidar com os bancos das praças, mas alguém do SPD me disse uma vez que eles têm essa tendência também. Isso acontece porque o que eles fazem em casa não é suficiente. Eles precisam ter uma experiência diferente no congresso do partido, para depois poderem voltar a se preocupar com as coisas que estão acontecendo na comunidade.
É tudo bastante complicado, mas acho que, dando alguns passos no nível local e nacional, é possível alcançar mudanças graduais na mentalidade das pessoas, nos sentimentos e na cultura. Só fica difícil mesmo se nos pedem para entrar no governo federal, mas não há nenhum risco de isso acontecer nessa eleição.
Loren Balhorn O senhor mencionou as guerras no Congo e na Ucrânia, mas há uma guerra em particular — a guerra em Gaza — que provocou debates intensos tanto na Alemanha quanto no Die Linke. No papel, o partido se opôs ao fornecimento de armas a Israel e apoia uma solução de dois Estados, mas não é algo sobre o qual os parlamentares falam com muita frequência, por exemplo. Isso é um erro?
Gregor Gysi Em primeiro lugar, nós nos opomos a todas as vendas de armas. A Alemanha é a quinta maior exportadora de armamento do mundo. Nossas armas estão sempre envolvidas em todas as guerras e, normalmente, dos dois lados, o que é completamente inaceitável.
“Eu diria à juventude que estou encantando que vocês estão se somando ao Die Linke, porque ter uma grande juventude no nosso partido significa que temos um futuro.”
O objetivo do Hamas e do Hezbollah é a destruição de Israel. Isso está fora de questão para nós. Mas o que Benjamin Netanyahu está fazendo e o fato de a maioria do parlamento israelense ter decidido se opor a uma solução de dois Estados também está fora de questão. Porque se digo que a população judaica tem direito a um lar, então a população palestina também tem esse direito. Para isso, um Estado palestino precisa ser estabelecido, e Israel deveria permanecer dentro das fronteiras definidas em 1967. Ou eles poderiam firmar um acordo para uma troca conjunta de territórios.
Loren Balhorn Começamos nossa discussão falando sobre a Missão Cabelos Brancos. Desde que ela começou, dezenas de milhares de novos membros extremamente jovens se filiaram ao partido. Estando na política há décadas, que conselho o senhor daria para a nova geração?
Gregor Gysi Bem, eu aconselharia a liderança do meu partido a pensar em como organizar os novos membros para que eles não nos abandonem por tédio ou decepção. A segunda coisa que eu diria para a juventude é que se filiar a um partido não é só diversão. Quero dizer, você também precisa perceber que, às vezes, você será a minoria, às vezes, você não sairá ganhando, embora às vezes vença.
Você também nunca deve se esquecer da cultura e da sua família. Ambos são muito importantes. E nunca se esqueça de aproveitar a vida onde puder. Você pode discutir em reuniões do partido, mas, se sair para tomar uma cerveja com o pessoal depois, dá para criar uma atmosfera diferente. Você sempre tem que pensar na cultura e na vida do partido.
Por último, eu diria à juventude que estou encantado que vocês estão se somando, porque ter uma grande juventude no nosso partido significa que temos um futuro.
Contribuição
*Gregor Gysi é membro do parlamento pelo Die Linke e foi líder da bancada do partido entre 2005 e 2015. Foi presidente do Partido do Socialismo Democrático entre 1989 e 1993 e presidente do Partido da Esquerda Europeia entre 2016 e 2019.
Loren Balhorn é editor-chefe da edição alemã da Jacobin.
Tradução: Julia Ruiz e Bianca Pessoa
Revisão: Aline Scátola
Foto: Gregor Gysi fala durante a conferência do partido Die Linke em 2025 em Berlim. (Crédito: Sandro Halank via Wikimedia Commons)