Dizer que há uma crise econômica no Brasil é “um exagero”, e as crises políticas, como a que o país vive atualmente, “são como montanha russa, não se fixam se não tiver uma crise econômica junto”.
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“A democracia brasileira é chata”
21/08/2015
por
Patrícia Fachin

“No Brasil, ao invés de nos aproximarmos do modelo social-democrata europeu, nossa aproximação é com os EUA, onde a diferença entre republicanos e democratas é banal”, diz o sociólogo Francisco de Oliveira.

Por Patrícia Fachin, IHU On-line

CHICO-DE-OLIVEIRA

Dizer que há uma crise econômica no Brasil é “um exagero”, e as crises políticas, como a que o país vive atualmente, “são como montanha russa, não se fixam se não tiver uma crise econômica junto”. As afirmações são do sociólogo Francisco de Oliveira em entrevista concedida à IHU On-Line.

Em sua avaliação, o que explica as conturbações conjunturais deste momento é o fato de que a “convergência entre o crescimento da economia e as forças políticas está muito esgarçada”, ou seja, “há uma divergência hoje entre as forças econômicas e as forças políticas” e “essa é a razão maior da crise”. Essa divergência, explica, ocorre porque o Estado deixou de ser protagonista no sentido de “desenhar os rumos da economia”, tal como foi durante o governo Vargas. “Seja com a Dilma ou qualquer outro presidente, FHC ou mesmo o Lula de novo, o Estado não tem mais a importância que tinha na era Vargas. Isso acontece porque a economia mudou, e a economia brasileira é mais poderosa hoje e importante internacionalmente, e a ação do Estado é menos decisiva. Ou seja, não se mudam as relações de força no interior da economia como se mudava antes”, constata.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Chico de Oliveira faz uma retrospectiva do desenvolvimento brasileiro e da atuação dos principais partidos políticos no Brasil. Ele lembra que durante o governo Vargas, o “país teve um projeto de desenvolvimento regional (…) que foi seguido por Juscelino Kubitschek, e foi em frente. Mas hoje esse projeto não existe mais, porque houve uma certa integração das diversas regiões brasileiras sob o comando da industrialização de São Paulo”.

As raízes desse comando a partir de São Paulo, explicita, estão também na base da formação do PT, sendo Lula, “a maior expressão disso”, à medida que ele “é produto de um ciclo de desenvolvimento econômico em que as montadoras do ABC estiveram no centro do crescimento brasileiro”. Depois de quase 35 anos da formação do partido, que conseguiu catalisar diferentes forças políticas à época da sua fundação, Chico faz sua autocrítica: “O PT conseguiu empalmar uma oposição à ditadura e transformou isso em força partidária, e o ABC era o símbolo disso. Na verdade foi uma leitura muito equivocada da nossa parte. O ABC era o produto do desenvolvimento capitalista e não o contrário. (…) A gente atribuiu um papel revolucionário ao PT e isso foi um equívoco total”.

Para ele, hoje na política brasileira não faz muita diferença fazer distinções entre PT, PSDB e PMDB, porque todos têm a mesma agenda e “nenhum deles pode  virar a mesa, porque virar a mesa é uma heresia. Eles querem que tudo se mantenha bem no sistema capitalista”, afirma. E nos próximos capítulos dessa crise, lamenta, “não haverá nenhum novo Ulysses Guimarães no sentido de ser um político moderado, que consiga conduzir a oposição brasileira”.

Depois de ter vivido e sentido as consequências da ditadura militar e ter apoiado a reabertura, de ter participado das Diretas Já, Chico de Oliveira diz que não tem motivos para ir às ruas protestar pelo impeachment da presidente. “Eu não vou sair de casa para dizer ‘fora Dilma’. Isso é muito pouco. Quando estávamos contra a ditadura, tínhamos perfis mais claros, mas hoje não. O que constatamos é que a democracia não entusiasma ninguém. Ela é um largo consenso das maiorias. (…) A democracia não mobiliza. A tristeza que constatamos é essa”, conclui.

 

 IHU On-Line – O senhor declarou recentemene numa entrevista que “se você não sabe o que é este país, para onde vai e que forças o comandam, você não vai a lugar algum. E Lula não sabe”. Como o senhor vê o Brasil, e quais são as forças que o comandam?

Francisco de Oliveira No Brasil, a convergência entre o crescimento da economia e as forças políticas está muito esgarçada. Economicamente o Brasil vai bem: nós somos a quinta maior economia mundial, e isso durante a crise. Ninguém se torna um ator importante internacionalmente com forças econômicas internas, sem crise; isso tende a atenuar-se no futuro, porque as forças se acomodam, são capazes de reconhecer a força do outro e não comprar briga, mas no momento não tem nada de mais. Dizer que a Dilma conduz o país à crise é uma ideia um pouco exagerada; ela não conduz o país à crise nenhuma. Na verdade ela não tem força política para conduzir as forças econômicas. Há uma divergência hoje entre as forças econômicas e as forças políticas: essa é a razão maior da crise.

Em que sentido há divergência entre as forças políticas e econômicas?

No sentido de que se no passado a Presidência da República era muito importante para desenhar os rumos da economia, hoje é menos, porque a economia não depende exatamente da orientação do governo e, mais restritivamente, da orientação da presidente. Então, as divergências é que geram a crise, não é a economia que vai mal.

Muitos economistas alertam para a estagnação econômica, e há críticas ao aumento dos preços dos alimentos, da gasolina, da energia, ou seja, críticas a medidas que o governo tomou e que poderia não ter tomado. Mas o que o senhor está dizendo é que o governo não tem necessariamente uma responsabilidade por conta dessas mudanças que foram feitas, ou seja, essas mudanças dependem de outras forças?

Sim, depende muito de outras forças. Se o governo mexer muito no preço do petróleo, por exemplo, provoca crise. Então, o preço do petróleo, que no passado dependia muito das decisões do governo, hoje, depende menos. A Petrobras é uma empresa internacional importante e não pode ser conduzida por decisões do governo. Você vê que ultimamente a Petrobras foi alvo das atenções, mas não porque ela anda mal, mas porque anda bem. Então, o governo perde capacidade de manobrar o preço do petróleo e, no fim das contas, de manobrar a própria Petrobras, mas isso não acontece porque a situação está ruim, ao contrário, porque está muito boa. A crise se insinua aí, quando você quer mexer em algo aparecem os casos de corrupção, mas os casos de corrupção acontecem porque a Petrobras é muito lucrativa e aí ela tornou-se alvo de corrupção.

Qual é a importância do Estado já que ele não tem mais um peso decisivo na economia, como o senhor aponta?

Ele ainda tem peso, mas não é como foi no passado. Por exemplo, por que os EUA nunca perdoaram Vargas pela posição estatal? A posição estatal do governo Vargas foi a Petrobras. Mas os EUA nunca perdoaram Vargas, porque ele tomou a decisão de que a exploração de petróleo no Brasil seria estatal, apesar de que a Petrobras não é uma empresa antiamericana. A economia do petróleo é uma coisa de disputa internacional forte e um país como o Brasil, quando não tinha petróleo, a não ser aquelas poucas reservas na Bahia, dava pouca importância ao produto, mas depois que se descobriu o pré-sal, a Petrobras virou outra coisa e está na mira de disputas internacionais.

Olhando para a história do Brasil, houve uma mudança em relação às forças que comandam a política no país?

Tem mudanças evidentemente. As mudanças são de que o Estado não deixa de existir, mas perdeu o protagonismo que tinha nos anos 1940. O governo Vargas foi muito diferente do que acontece hoje. Seja com a Dilma ou qualquer outro presidente, FHC ou mesmo o Lula de novo, o Estado não tem mais a importância que tinha na era Vargas. Isso acontece porque a economia mudou, e a economia brasileira é mais poderosa hoje e importante internacionalmente, e a ação do Estado é menos decisiva. Ou seja, não se muda as relações de força no interior da economia como se mudava antes. Veja, Vargas liderou uma industrialização que a própria burguesia brasileira não queria. Mas hoje a situação é bastante diferente.

Quais as implicações de o Estado ter perdido o dinamismo na condução da economia?

O que muda é que o Estado não tem o papel protagônico no sentido de criar situações que antes não existiam. É interessante porque nos anos decisivos, o próprio partido comunista que existia no Brasil – hoje nem existe mais -, tinha como solução, a qual foi apresentada na Constituinte, uma via privatista e não estatal. A própria UDN, que era o partido de direita brasileiro naquela época, apresentava como solução para o Brasil uma saída que não era estatal, mas a solução brasileira foi estatal, foi a Petrobras. Isso remou contra todas as tendências dominantes e criou uma nova economia, um novo país. Hoje é bastante diferente, quer dizer, a Petrobras continua sendo uma empresa importante, é a principal empresa brasileira, mas sozinha ela não dita os rumos da economia brasileira.

Essa saída estatal significou o que em relação à indústria e ao desenvolvimento do país? Gerou uma indústria nacional fortalecida ou não?

Sim, não há dúvida nenhuma. O carro que você tem é feito onde? Em São Bernardo do Campo. É tudo patente nacional? Não, mas em quase nenhum país no mundo tem patentes exclusivas.

Mas de outro lado também são feitas críticas ao fato de o Brasil não ter uma indústria desenvolvida tecnologicamente para competir com os países líderes nessa área de tecnologia e inovação, e de manter uma política que é focada num modelo agroexportador.

Essa crítica de que o Brasil tem um modelo agroexportador e que é dependente dele, desculpe, é conversa da imprensa. Não tem nada de dependência agroexportadora: o Brasil exporta aquilo em que é mais competitivo. Mas a economia brasileira não é dependente do café como foi durante um longo ciclo. A economia brasileira é industrializada, com todos os setores que existem na economia mundial. Por vezes não tem exatamente setores que lideram tecnologicamente o progresso, mas as nossas indústrias acompanham. Tudo que se produz no resto do mundo se produz no Brasil.

O senhor diz que a crise econômica não é tão impactante e séria como tem sido divulgada na imprensa, mas somente neste ano, 250 mil brasileiros perderam o emprego com carteira assinada. O que isso sinaliza?

Isso não sinaliza nada; isso é cíclico. Não quer dizer que porque há esse índice de desemprego agora, que a situação vai piorar e piorar. O emprego pode ser retomado e pode baixar de novo, ou seja, são movimentos que acontecem. Nesse sentido a economia brasileira é mais importante. Ela não conhecia ciclos econômicos, agora conhece. E os ciclos econômicos fazem parte da forma capitalista de produzir. Um ciclo pode demorar mais ou menos, mas evidentemente a orientação do governo é importante para não deixar o ciclo baixar demais, mas o governo sozinho não retira a economia do seu momento baixo.

Trata-se, então, de uma dinâmica do próprio capitalismo?

Francisco de Oliveira – É sim, mas com nossas características, porque o Brasil ainda é uma economia chamada dependente, mas não temos mais um ciclo de longa duração como houve desde a era Vargas até uma pequena baixa, quando houve uma crise forte de derrubada de Jango. Os militares, que se imaginava que iriam conduzir o Brasil para uma nova era de predomínio da agricultura, fizeram o contrário, industrializaram o país.

Sob esse aspecto a gestão dos militares foi positiva?

Foi positiva economicamente, mas politicamente não, porque isso nos custou repressão, fechamento do Congresso, dos partidos, mas o capitalismo é cínico e não é muito apegado às formas democráticas.

O que mudou no Brasil da época da ditadura até nossos dias?

Foi a política, sobretudo. Na política vemos uma mudança com mais clareza. A política voltou a ser importante nas duas últimas décadas, porque na era dos militares a política não tinha nenhuma importância. Depois da redemocratização, ninguém pode – a não ser que voltem as forças ditatoriais – retirar benefícios do INSS, porque isso ou dá golpe ou dá derrubada de governo. Mas no passado se fez isso: os militares, pensando fazer com que Brasil voltasse a ser uma potência agrícola, industrializaram o país. Quer dizer, se tem hoje uma liderança como Lula, podemos dizer que o Lula é produto do quê? Você pode me dizer?

Da ditadura?

Sim, da ditadura. Ou seja, ele não é produto da ditadura num sentido estrito, mas é produto de um ciclo de desenvolvimento econômico em que as montadoras do ABC estiveram no centro do crescimento brasileiro. Quer dizer, a história define quem não brinca com as intenções. A intenção dos militares era uma, mas gerou outra.

Qual é o impacto para o Brasil de Lula ter sido “filho” dessa época tanto da ditadura quanto daquele modelo de desenvolvimento que se teve à época? 

Foi forte, porque você suporia que uma sociedade como a brasileira, que é conservadora, que teve um longo período colonial, tivesse um operário à frente da presidência da República? Onde isso aconteceu? Nem nos EUA. Nenhum presidente norte-americano tem um caso como esse, considerando que os EUA é uma democracia capitalista.

Mas o que o fato de Lula ter sido um operário agrega em termos de se pensar um projeto para o país?

Agora não agrega mais, porque um projeto de desenvolvimento para o país é algo que o PT não tem e isso é consequência do fato de o partido ter sido produto desses longos ciclos de crescimento: o PT foi absorvido e absorveu as pressões. Nesse sentido, o PT não tem projeto de desenvolvimento e o Lula não sabe nem para onde vai a lua. Isso quer dizer que o país está sem rumo? Não, o país tem um rumo que é dado por alguns setores econômicos, ou seja, não se faz nada nesse país se não tiver em conta as forças de São Paulo.

Quem são as forças de São Paulo?

Por exemplo, durante um período – e eu vivi isso -, o país teve um projeto de desenvolvimento regional, quer dizer, as tensões regionais e as diferenças regionais eram insuportáveis para a democracia. Getúlio Vargas teve um projeto de desenvolvimento regional, que foi seguido por Juscelino Kubitschek, e foi em frente. Mas hoje esse projeto não existe mais, porque houve uma certa integração das diversas regiões brasileiras sob o comando da industrialização de São Paulo e não se tem mais o que se dizia antigamente, ou seja, que há um problema regional. Não há políticas, por exemplo, decididas a fazer integração do Nordeste com a economia brasileira; isso já foi feito. Mas isso não quer dizer que o Nordeste seja igual a São Paulo, mas a dinâmica da economia é a mesma. Ou seja, odesenvolvimento hegemônico de São Paulo comanda o desenvolvimento brasileiro e o conjunto da economia brasileira segue dinâmicas que foram ditadas pela situação do capitalismo em São Paulo. Mas isso é hegemônico no Brasil todo.

Isso significa que nenhum presidente, independente da sua posição política e ideológica, consegue mudar essa situação que já está dada?

Não consegue, porque se tentar, faz besteira.

Como o quê?

Arriscar um golpe. Não foi porque Jango era corrupto que ele caiu; isso é história da direita. O caso é que o tipo de orientação imprimida por Vargas conflitava com o tipo de desenvolvimento que os EUA esperariam fazer, e nunca perdoaram a Petrobras, ou seja, a solução estatal, porque o petróleo é “filé mignon” em qualquer lugar do mundo, e quando se opta pela solução estatal, tira a empresa do jogo internacional.

O que sobra ao PT, considerando que ele e nenhum outro partido, como o senhor disse, têm condições de agir na direção contrária a essas forças que comandam o país?

Não sobra nada, porque o PT integrou-se à própria estrutura do capitalismo brasileiro, não tem projeto diferente disso e, se tiver, arrisca a tomar uma tabocada forte. Nem os tucanos têm projeto, mas eles não têm de reclamar de nada, porque o projeto que está aí é mais tucano do que outra coisa.

Que leitura o senhor faz da Carta ao Povo Brasileiro, passada mais de uma década? Ela foi uma estratégia do PT à época para garantir a eleição ou ela já sinalizava qual seria a postura e a agenda do partido à frente da Presidência?

A Carta ao Povo Brasileiro foi lida pelos petistas – e eu era petista à época – e aquilo foi um tapa na cara e já indicava que o PT, em suas forças mais expressivas, havia entendido que deixava de ser oposição ao sistema e ao regime, ou seja, seria a oposição política dentro do jogo do poder, mas não ao sistema. O PT, de fato, nunca teve um discurso antirregime. Mas, dadas as circunstâncias da ditadura, teve de assumir essa posição, mas de fato ele nunca teve – salvo uma minoria de esquerda – nenhum projeto antissistema nem antirregime. O Lula é a maior expressão disso.

A que o senhor atribui então o fato de o PT ter conseguido congregar e capitalizar tantas forças diversas à época em que surgiu?

Porque o grande fator mobilizador de todas essas forças foi a ditadura. Quer dizer, o PT conseguiu empalmar uma oposição à ditadura e transformou isso em força partidária, e o ABC era o símbolo disso. Na verdade foi uma leitura muito equivocada da nossa parte. O ABC era o produto do desenvolvimento capitalista, e não o contrário.

Essa é uma autocrítica?

Acho que em geral a oposição entendeu mal as coisas. A gente atribuiu um papel revolucionário ao PT e isso foi um equívoco total. O PT era uma tendência forte que sedimentou-se no ABC no conflito de classe típico de um desenvolvimento capitalista muito intenso, quer dizer, a economia brasileira e a economia de São Paulo no ABC cresciam a 10% ao ano – isso não existe em nenhuma parte do mundo. Essa tensão promovida pelo desenvolvimento capitalista e não pela sua negação, transformou-se em força política. Mas, corrigindo o longo equívoco, o PT transformou-se num partido da ordem e não um partido antiordem. O PT levou o Lula à presidência da República duas vezes, depois conseguiu fazer um sucessor – coisa que FHC não conseguiu -, por quê? Por que é contra o sistema? Não, porque é a favor do sistema.

Como entende a força que o PT tem em relação aos trabalhadores de modo geral, sendo que ele surgiu no ABC, onde havia um perfil de trabalhadores muito específico?

Isso aconteceu porque na política lidera quem pode e não quem deveria liderar. Em certo momento as duas coisas coincidiram, porque o PT tinha uma forte base operária, deslocou as forças operárias tradicionais, como o Partido Comunista, que desapareceu. No Brasil, Roberto Freire, que foi uma das últimas lideranças do Partido Comunista, tinha isso muito claro: ele detestava o PT porque o PT tinha ocupado o lugar que foi do Partido Comunista, liderou no Brasil durante quatro décadas, e de uma maneira completamente reformista.

Que diferenças vê entre PT e PSDB? Alguns dizem que eles são partidos antagônicos, outros dizem que eles são uma social-democracia, que têm os mesmos projetos.

Francisco de Oliveira – Não, dizer que eles são social-democracia é um exagero. Eles são muito idênticos, mas se opõem no campo partidário, mas não no campo político. No campo político eles são a mesma forte tendência brasileira hegemônica hoje.

O que significa ser partidariamente oposto?

Significa que na disputa pelo poder, quando está um, não está o outro.

Mas eles têm a mesma agenda?

Sim, têm a mesma agenda. Nenhum deles pode hoje virar a mesa, porque virar a mesa é uma heresia. Eles querem que tudo se mantenha bem no sistema capitalista.

Mas como o senhor analisa, de outro lado, o discurso defensivo do PT de que há uma oposição ao seu governo, e o discurso do PSDB contra o PT?

O PSDB não é antissistema, ele tenta minar as forças da Dilma para ocupar o lugar dela, mas não para suprimir o lugar dela. E o PSDB se tornou um partido pouco popular e tem dificuldade de conduzir esse discurso.

O que acontece com os principais partidos brasileiros, como PT, PSDB, PMDB? Todos estão em crise? Que análise o senhor faz desses partidos, considerando que acompanhou a trajetória deles desde a ditadura até os dias de hoje?

O PMDB não tem projeto. Ele é o próprio centro da política brasileira. Ele é produto de uma longa evolução. Ele foi o partido que conseguiu fazer oposição durante a ditadura, porque era o partido que fazia, efetivamente, oposição na ditadura. É só pegar os jornais da época e ver que quem fazia oposição à ditadura era o MDB, conduzido por pessoas não revolucionárias, como Ulysses Guimarães, que é um grande político brasileiro esquecido, e com lideranças que depois fundaram o PSDB, como Mário Covas. Era uma oposição de fato à ditadura e não era uma oposição ‘para inglês ver’. Com a redemocratização, o MDB tornou-se o que hoje é o PMDB, um partido de centro, que não tem proposta, mas teve um projeto democrático que é o mesmo do PSDB e do PT, esse projeto democrático que conhecemos hoje.

Ninguém discute nada além desse projeto, hoje. Vocês da imprensa, dão ouvidos a alguém que chega e diz: “Isso tudo que está aí não presta, vamos derrubar”. Vocês dão ouvidos?

Não.

Não, porque você não quer perder leitores (risos).

Mas é necessário passar por um processo revolucionário, de radicalização e mudança completa para mudar? Em que sentido isso deveria ser feito, se fosse o caso?

Eu teria vontade de fazer isso, porque sou maluco (risos). Mas essa proposta não tem viabilidade nenhuma. Mas nem por isso eu vou me integrar à corrente principal; vou continuar maluco.

Mas voltando a sua análise sobre os partidos, o que mudou em relação ao PT e ao PSDB desde que eles foram fundados?

Mudou para pior no sentido de que não tem mais projeto num sentido forte. Esses não são propriamente mais partidos. Você não trata o PSDB como um partido, você trata como o lugar de fortes personalidades políticas, como o FHC. Ulysses Guimarães não está mais vivo, mas se ele estivesse, talvez seria uma figura central. De outro lado, o Lula não é tratado como o membro do Partido dos Trabalhadores. Ou é?

A imagem do Lula é sempre blindada.

É blindada porque ele ainda está gastando o capital adquirido durante os anos da ditadura, da força operária, que foi importante, porque o centro econômico mais importante era uma força de oposição. Mas esse capital está sendo gasto e daqui a pouco ele não vai significar mais nada. Basta você ver a dificuldade que o Lula tem de dizer qualquer coisa. Ele tem enorme dificuldade porque ele não tem nada a dizer. O José Serra ainda se diferencia um pouco mais, porque como ele é economista, e conhece a economia brasileira, consegue adicionar alguma pitada de pimenta, mas essencialmente todos eles estão na mesma linha.

O senhor já disse algumas vezes que José Serra talvez poderia ter algum projeto para o Brasil. O que seria o projeto dele e em que aspectos se diferiria dos demais? O que agrega o fato de ele ser um “cepalino modernizado”, como o senhor costuma dizer?

Agregaria muito pouco, porque na verdade a teoria original da Cepal era muito nacionalista e ele é um cepalino moderado, mas como ele aprendeu essas coisas, ele acha que sabe o que é o Brasil. Os outros não sabem e nem estão preocupados. Você já viu o Lula dar alguma identificação do Brasil com alguma coisa? Não, porque ele não faz nenhum esforço. O Serra fará, porque ele tem uma formação cepalina na sua raiz, mas no fundo dará tudo no mesmo.

Qual é a influência de Celso Furtado no pensamento do Serra?

Celso Furtado é o mestre de todos nós; isso já está desaparecendo suavemente ao longo do tempo, mas o pensamento dele e as posições nacionalistas e desenvolvimentistas – porque ele não era contra o desenvolvimento – ainda têm ressonância, mas pouco.

O senhor disse em entrevista  que o Celso Furtado era um liberal. Diz isso por causa da visão desenvolvimentista que ele tinha?

Ele nunca foi um liberal. Se eu disse isso, disse besteira. Ele era a grande diferença daqueles anos, que se dava entre a UDN, que era um partido de direita, o PSD, que era um agregado de forças regionais e que somadas eram muito fortes, e a orientação varguista. O Celso navegava entre a orientação varguista e o PSD, mas ele nunca foi um liberal. Ele era nacionalista e desenvolvimentista.

E por que o senhor considera o Ulysses Guimarães o maior político brasileiro dos últimos 30 anos?

Porque ele conseguiu conduzir uma oposição sem esperanças de poder durante a ditadura. Isso não é qualquer um que faz. E ele fez isso sem pregar a revolução, sem radicalizar, mas sem acomodar-se. Ele e Tancredo Neves foram as grandes lideranças da oposição– eles não estavam brincando e faziam oposição à ditadura num momento em que era extremamente difícil fazê-la, sem cair no radicalismo. Ulysses é um grande político esquecido. Se a nossa memória política tivesse juízo, estaria resgatando Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, dois grandes políticos que, sem radicalizar e pregar a revolução de brincadeirinha, conseguiram conduzir a oposição brasileira sem se submeter à ditadura. Essa é uma façanha que os cientistas políticos brasileiros ainda não resgataram.

Tem alguém na política brasileira que poderia sinalizar uma posição parecida com a de Ulysses e Tancredo?

Não. Os tempos são diversos, não há obstáculo legal ou ilegal de mudanças de forças no poder. Quem quiser inventar uma maluquice dessas vai falar em vão, porque ninguém vai ouvir. Ninguém é maluco de propor uma coisa dessas.

Como avalia o discurso do ex-presidente Michel Temer, de que é preciso alguém que consiga unir as forças do Brasil e, na semana seguinte, a proposta de Agenda Brasil do Renan Calheiros? Percebe disputas políticas no jogo político brasileiro?

Não há disputas. Dá vontade de rir (risos). Não tem nenhuma proposta nova no pedaço, não tem força política alguma tentando modificar as coisas. O PT não faz mais oposição, porque ele está no poder.

E não há oposição de outros lados?

Não, não há. O Temer não tem nenhuma importância, porque ele só está aí exatamente porque a vice-presidência não é de nada. Tudo que ele disser é o mais óbvio das platitudes; ele só diz obviedade. Ele representa esse centro convergente.

E a aproximação da Dilma com Renan e o lançamento da Agenda Brasil significam o quê?

Isso é uma consequência, sem novidades. É que a política tem de se reinventar a cada conjuntura. Você acha que este país, como dizia o Lula, depende do Renan Calheiros? Pelo amor de Deus.

Mas se a Dilma não tivesse se aliado a ele, a conjuntura poderia ser diferente?

Não. Renan não tem força para mover nada. A Dilma está aliada com ele porque ela faz parte da mesma tendência geral brasileira. Veja que ela está justificando o tempo todo do seu passado, porque ela foi guerrilheira, tinha posições políticas mais radicais.

Fazendo uma retrospectiva, o que aconteceu com o projeto desenvolvimentista iniciado no governo Lula e continuado no governo Dilma?

Não aconteceu nada, porque não tem projeto. Nós tendemos a achar que houve um projeto, procuramos um projeto, mas não tem projeto. Você já entrevistou o Lula?

Não.

Então, pergunte a ele qual é o projeto.

Mas por mais que não exista um projeto no sentido de ter sido elaborado, muitos avaliam que houve uma preocupação do PT em distribuir renda, facilitar o acesso ao consumo, fazer programas de inclusão social. Isso não faz parte de um projeto? Ou o que aconteceu em termos de distribuição de renda foi coincidência?

Em parte foi coincidência. Há uma diferença evidentemente do que foi o governo Lula e do que é o governo Dilma. Ela é mais fraca e percebe-se, claramente, que o governo dela é mais fraco. Mas no governo Lula teve uma tentativa chamada de inclusão social, mas que se deu pelo consumo, e por isso não resiste muito, porque é fraca, de modo que não resistiu. O consumo não é a forma pela qual se integra as pessoas ao desenvolvimento capitalista. O consumo é passageiro, e as estruturas econômicas dominantes não mudaram e, portanto, era evidente que aquela explosão de consumo iria perder força, como perdeu.

Como os principais partidos podem sair dessa crise política?

O Lula continuará sendo uma personalidade forte no sentido de obrigar, mais do que conscientizar, o PT a seguir sua trajetória. O PSDB está com grandes dificuldades, porque o FHC, que é uma forte liderança tucana, não é popular e não se arriscaria em uma nova eleição. O Serra, que é mais consistente, não é popular. O Aécio não tem nada a dizer ao povão. Não haverá nenhum novo Ulysses Guimarães no sentido de ser um político moderado, que consiga conduzir a oposição brasileira. Tancredo também deve ser citado, porque eles não eram farsantes, eles sabiam que não podiam derrubar a ditadura, mas sabiam que poderiam fazer oposição a ela, e isso eles fizeram muito bem.

Mas seria possível salvar o PT com as frentes de Esquerda, como alguns membros do partido sugerem?

Não há saída pelo PT, porque o partido já se modificou, é um partido da ordem, não é contra ninguém e daí as dificuldades de definição. Do Congresso do PT não saiu nada. O Tarso, por exemplo, é um político correto, mas ele não conduz o PT. Ele é muito gaúcho no sentido de que sempre tem coisas diferentes a dizer do resto do país, sobretudo em relação a São Paulo, ou seja, ele não tem hegemonia no PT.

Que desfecho vislumbra para a crise política?

As crises políticas são como montanha russa, não se fixam se não tiver uma crise econômica junto. Como a Dilma é fraca politicamente, tem dificuldade de administrar, ela não tem enraizamento tal como o Lula tem. Ela não é fundadora do PT, ela tem uma trajetória política bastante enigmática: foi guerrilheira, passou pelo PDT do Rio Grande do Sul, ou seja, ela é uma projeção dos projetos do Lula e, por isso, ela não tem muito controle das forças políticas.

Nessa conjuntura política, qual é a participação do PSOL hoje? O que o partido tem a dizer?

Muito fraca. Eu sou do PSOL, ajudei a fundá-lo, mas não temos nenhuma perspectiva pela frente. Somos a crítica do sistema.

E o que vislumbra para o partido no cenário político?

Nada muito relevante. Vai fazer deputados, mas está fora do alcance de fazer algo, porque nós fomos comidos pela própria degradação do PT. Ninguém vai ouvir nosso discurso radical, mas é nosso papel continuar fazendo a crítica do sistema. Mas o PSOL não pode se enganar em relação à perspectiva de poder, porque não temos essa perspectiva e no momento é melhor não tê-la, para manter uma crítica aguda, tão radical quanto possa ser, do próprio sistema.

Ulysses poderia ter representado um modelo político que encontraria uma estratégia de mudança sem radicalização e sem conformismo?

Ulysses não mudaria nada. Ele foi um grande político porque ele conduziu a oposição na ditadura, quando a oposição resvalava num radicalismo sem bases. Ele é digno por isso, mas ele não entra na história do Brasil como um caminho que não pôde ser seguido. É difícil ter um político como Ulysses, porque ninguém está contra o sistema. Quem está contra o sistema são só o PSOL e o PSTU, que já desapareceu do noticiário.

Que avaliação faz das manifestações do último domingo?

Tudo programado. Vi gente que mora aqui no meu prédio há mais de 20 anos e que foi para a Av. Paulista. Eu quase caí de costas quando soube. São pessoas boas, mas que não mobilizam nada. Esse tipo de pessoa faz alguma diferença? Não faz. É ótimo que tenha havido a manifestação, mas de alguma maneira as presenças na manifestações me mostram que elas não têm força. Qual era a palavra de ordem das manifestações? O “fora Dilma” mobiliza?

Embora o senhor avalie que não há crise econômica, as pessoas estão insatisfeitas com o aumento do custo de vida no Brasil e com a perspectiva de a crise econômica aumentar.

Mas isso não derruba governo.

A Operação Lava Jato pode ter um impacto maior no governo?

Francisco de Oliveira – Não, a Operação Lava Jato é roupa suja sendo lavada em casa. Tem impacto muito restrito. Eu não sairia de casa para apoiar a operação Lava Jato. É dívida de branco, como se dizia antigamente.

Mas à época das Diretas Já o senhor saiu às ruas. O que mudou de lá para cá, ou seja, o que fez o senhor ir às ruas à época e o que não o faz ir às ruas hoje?

Ah, na época das Diretas Já eu saí (risos). Eu não saio hoje porque se democratizou. A democracia é muito banal e não dá tensão em ninguém (risos). Você não sai de casa se o objetivo não é derrubar alguém. O “fora Dilma” é fraco, porque a presidente não usurpou lugar nenhum, não está fazendo nenhuma besteira.

As manifestações perderam peso na democracia?

Perdem força quando convém. A democracia é isso: é um sistema muito banal, ela não entusiasma ninguém. Por isso que esse tipo de manifestação perde força. Ela é ótima porque não dá direito a vigaristas chegarem ao poder, mas é péssima porque é tudo muito consentido. A democracia não mobiliza. A tristeza que constatamos é essa.

O que poderia deixar a democracia menos banal? É preciso manter a sociedade ativa, com manifestações, ou o que se tem hoje é um saudosismo em relação ao que foi o período da reabertura, com as manifestações da época?

Estamos com um certo saudosismo, porque estamos decepcionados com a democracia, exatamente porque ela não mobiliza, ao contrário, torna as coisas muito consensuais. Mas eu não vou sair de casa para dizer “fora Dilma”. Isso é muito pouco. Quando estávamos contra a ditadura, tínhamos perfis mais claros, mas hoje não. O que constatamos é que a democracia não entusiasma ninguém, é um largo consenso das maiorias.

Dizer que o Clinton é melhor que o Bush, é certo, mas não há muitas diferenças entre eles. É como alguém já disse: “Não há nada mais parecido com um republicano do que um democrata”. Aqui no Brasil estamos tendendo para isso: ao invés de nos aproximarmos do modelo social democrata europeu, nossa aproximação é com os EUA, onde a diferença entre republicanos e democratas é banal. Aqui a diferença entre tucanos e petistas não tem muita importância. Se você tirar o Lula da frente do PT, não sobra nada. Essa é a dificuldade dos tucanos, porque eles não têm como fazer oposição, porque o PT não está fazendo nada demais.

Então o que seria uma agenda para o Brasil na atual conjuntura?

Não me pergunte, porque eu não sei. A democracia funciona porque você não tem ninguém na sua casa revistando suas coisas, porque você pode manter seu emprego e ele não está ameaçado pela censura, mas fica por aí.

Mas o que sempre se quis e o que se busca ainda hoje é a democracia e o aprimoramento da democracia.

Sim (risos). É isso mesmo. A democracia ocorre, e é chata.

O que devemos querer, então, se a democracia é chata?

Qual é a outra coisa que você acha importante?

Um país mais desenvolvido, em que a população possa ter acesso aos bens universais, como saúde, educação, com salários melhores, que reduzisse as desigualdades, que o dinheiro público fosse bem administrado, etc.

Pedir que o dinheiro público seja bem administrado é querer demais. Mas todo mundo queria consumir e hoje tem consumo. Todo mundo queria que a polícia não visitasse a sua casa, e hoje ela não visita. Todo mundo queria votar nos políticos que se apresentavam, e hoje nós podemos.

Eu não pensaria, nos meus grandes tempos de socialista, em falar em distribuição de renda. Isso é uma coisa burguesa. O que eu falaria, então – e já não falo mais para não parecer um velho ridículo -, é que é preciso fazer desapropriação da propriedade. Era isso que eu dizia quando era socialista na juventude. Hoje não posso dizer isso, porque vão falar que o velho está maluco.

Mas o senhor não fala por que não acredita mais nisso ou por que tem medo de parecer maluco?

É porque não tem mais sentido do ponto de vista de um democrata. Você só faz isso pela força e estou recusando o uso da força, porque a força eu experimentei nos 20 anos da ditadura, quando fui preso e apanhei. A democracia é o oposto disso: você pode chegar em casa e não tem nenhum policial te esperando, como entraram na minha casa e pegaram um livro intitulado Vermelho, e pensaram que aquilo era coisa de comunista (risos). Hoje eu posso rir disso. Mas a democracia é isso, ela pode ser melhor, sem dúvidas, o gasto público pode ser mais criterioso, pode se dirigir aos setores da sociedade mais necessitados, mas se é para acontecer democraticamente, acontece de uma forma muito banal e é chato.

Mas como podemos revitalizar e renovar a democracia? Através de uma política mais representativa, como alguns sugerem?

Pode melhorar sempre, mas tudo isso consome esforço infinito e não tem nada radical a sua frente. E se radicalizar, o faz fora do esquadro democrático, ao ter de impor aos outros a sua política. Mas se é para fazer tudo consensualmente, tudo vai devagar, o que, numa sociedade tão desigual como a brasileira, é difícil de aceitar para quem tem outras posições. É muito difícil aceitar que as coisas são assim mesmo e que vamos modificando aos poucos, à medida que o pessoal vota. Pode-se dizer que na democracia o pessoal vota melhor? Parece que não. Quando o MDB chegou ao ápice em São Paulo, a figura central era Orestes Quércia (risos). Mas se Quércia for tido como um símbolo de um limiar democrático, eu estou fora.

 

* Francisco de Oliveira formou-se em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. É professor aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo – USP.