O fechamento da Câmara deixou indignados as pessoas que chegaram até a porta da Câmara e foram informadas às 18h30, horário da audiência pública.
Eduardo Amorim, Terra
A política e o futebol estão intimamente ligados, como ficou evidenciado com a repercussão dos protestos durante a Copa das Confederações em todo o Brasil. Na última sexta-feira, isso ficou mais uma vez claro, quando a Câmara de Vereadores do Recife cancelou audiência pública que teria a presença de representantes de comunidades de Fortaleza, Salvador, Natal e de Pernambuco e da relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik.
Após visitar as comunidades do Coque e de São Lourenço, a relatora chegou ao portão da Câmara e soube que a audiência pública que marcaria o início do Seminário Legados e Relegados da Copa do Mundo: quando o direito á moradia é violado havia sido cancelada. “Em seis anos de mandato como relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada, eu nunca – nunca – tinha vivido uma situação em que uma Câmara Municipal tenha impedido a realização de um evento e de uma audiência pública sobre o direito à moradia. Eu já fiz isso várias vezes em várias câmaras e congressos e parlamentos, de várias cidades do mundo e sinceramente foi a primeira vez que eu chego para fazer um debate sobre o direito à moradia e encontro um portão de uma câmara municipal, que é a Casa do Povo, fechado”, contou Rolnik.
O presidente da Câmara, Vicente André Gomes, confirmou que havia acertado a realização da audiência pública com o vereador Almir Fernando, mas disse que ontem “o Coronel Roberto (chefe de segurança do poder legislativo) me chama e diz que no Derby estava havendo um encontro e que haviam lhe informado que poderia haver uma invasão”. O fechamento da Câmara deixou indignados as pessoas que chegaram até a porta da Câmara e foram informadas às 18h30, horário da audiência pública: “o nosso estranhamento é a surpresa de uma decisão ter sido tomada à revelia da gente, porque nós tínhamos conseguido aquele espaço”, diz o integrante do Comitê Popular de Pernambuco, Evanildo Barbosa.
Para Raquel Rolnik: “Ao que parece as pessoas que estavam em volta estavam dizendo que não há nenhuma manifestação. Então trata-se pura e simplesmente do cerceamento da liberdade de debate e expressão e é um pouco estranho porque em tese a Câmara Municipal deveria ser o local do debate. Então realmente eu nunca tinha visto isso não”.
Durante o dia, a relatora especial para o Direito à Moradia Adequada da Onu visitou áreas em que famílias estão sendo removidas por conta de obras da Copa do Mundo e garantiu que após visitar as comunidades do Coque e do Loteamento São Francisco acredita que o direito humano à moradia não está sendo respeitado em Pernambuco. No Coque, a relatora da ONU conversou com pessoas como Valdimarta Lima, para quem foi oferecida uma indenização de R$5600 para deixar sua casa. A artesã participou da audiência pública e afirmou que sobrevive vendendo artesanato que faz e vende na localidade e que não tem conseguido diálogo com o poder público.
Raquel Rolnik teve reuniões com o Governo do Estado e a Prefeitura do Recife, antes das visitas, mas questiona o modelo que vem sendo adotado e lembra que o Brasil assinou todos os tratados internacionais que dizem respeito ao direito à moradia. “Perguntei como estavam sendo feitas as remoções e a posição é de que estavam sendo realizadas de acordo com a legislação. Mas me parece que a legislação que está sendo seguida não é legal, já que o direito à moradia não está sendo respeitado”, afirmou a relatora.
O grupo Direitos Urbanos (https://www.facebook.com/groups/direitosurbanos/?fref=ts) e o Comitê Popular da Copa de Pernambuco divulgaram nota de repúdio ao vereador Vicente André Gomes. “A Casa de José Mariano (Câmara do Recife) manchou sua história ao fechar as portas para a Relatora das Nações Unidas que veio, em visita de trabalho, conhecer de perto as denúncias de violação ao direito à moradia na cidade do Recife e no Estado de Pernambuco. Denúncias essas que cabia ao Vereador Vicente André Gomes e aos demais investigar. Mas além de não fazer o próprio trabalho que lhe incumbe, o Vereador Vicente André Gomes impede que as Nações Unidas façam o seu trabalho de relatoria das graves condições de moradia dos cidadãos recifenses” diz trecho do texto, que também é assinado pelo movimentos Coque (R)Existe, Coque Vive, Ponto de Cultura Espaço Livre do Coque, Aspan – Associação Pernambucana de Defesa da Natureza e Partido Pirata do Brasil.
* Fotos: Gerhard Dilger/ Fundação Rosa Luxemburgo e Terra