Carlos Andrés Baquero Díaz explica como seu país realiza consultas sistemáticas a comunidades indígenas e afro, chegando a mais de mil num único ano, mas ainda enfrenta dificuldades em fazer com que os acordos sejam cumpridos
Início » »
Como a Colômbia pode ensinar o Brasil a ouvir os povos tradicionais
03/11/2016
por
Fernanda Sucupira

Carlos Andrés Baquero Díaz explica como seu país realiza consultas sistemáticas a comunidades indígenas e afro, chegando a mais de mil num único ano, mas ainda enfrenta dificuldades em fazer com que os acordos sejam cumpridos

 Protesto de indígenas contra exploração de petróleo na Colômbia. Foto: Reprodução/Facebook

Protesto de indígenas contra exploração de petróleo na Colômbia. Foto: Reprodução/Facebook

Por Fernanda Sucupira, Repórter Brasil

Enquanto o Brasil ainda engatinha no processo de consulta a comunidades indígenas e tradicionais a respeito de leis e projetos que interferem em suas vidas, outros países da América Latina, como a Colômbia, já estão bem mais avançados na aplicação desse mecanismo, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1989, da qual o Brasil é signatário.

A consulta consiste em escutar os povos tradicionais antes que sejam tomadas medidas que possam atingi-los diretamente, com o objetivo de chegar a um acordo entre as partes envolvidas, protegendo os direitos desses grupos. A participação deve ocorrer de forma livre, informada e a partir de procedimentos apropriados para a cultura dos povos em questão.

Nos últimos anos, a Colômbia tem feito um grande número de consultas sobre planos de desenvolvimento nacionais, leis e projetos extrativistas, hidrelétricos e de construção de estradas, principalmente com povos indígenas e comunidades quilombolas, mas também com povos ciganos. Em 2011, por exemplo, o Ministério do Interior teve mais de 600 consultas protocoladas; em 2012, já foram cerca de 1,4 mil, e, nos anos seguintes, o volume permaneceu elevado.

Há no país atualmente um efetivo reconhecimento da obrigação internacional de ouvir esses grupos étnicos. Muitos dos processos resultam em modificações nos projetos originais ou na criação de mecanismos de reparação dos danos causados a essas comunidades. Outros, no entanto, não chegam a nenhum acordo, e o Estado acaba tomando a decisão final, quase sempre desfavorável a elas.

Em entrevista, o cientista político e advogado Carlos Andrés Baquero Díaz, pesquisador sobre temas relacionados aos direitos dos povos étnicos e à justiça ambiental do Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad – Dejusticia, explica o que faz com que a experiência colombiana seja emblemática na região e no mundo todo. Fala dos avanços, desafios e das dificuldades para colocar esse mecanismo em prática em seu país.

Segundo ele, um dos fatores que ajudam a entender o lugar que a Colômbia ocupa nesse cenário é o fato de que o país foi o segundo do mundo a ratificar a Convenção 169, apenas dois anos depois de ter sido adotada pela OIT e treze anos antes do Brasil. Além disso, contribuíram as interpretações progressistas sobre esse mecanismo por parte da Corte Constitucional e, principalmente, a existência de movimentos indígenas e afro-colombianos bastante fortes e combativos, que colocaram a consulta como um elemento central de suas reivindicações e se viram ainda mais fortalecidos por ela.

Os desafios que o país enfrenta nesse campo, no entanto, ainda são enormes, de acordo com o pesquisador. Vão desde a contradição entre as interpretações progressistas da Corte Constitucional e a aplicação mais conservadora do poder executivo até a dificuldade de traduzir o enorme conhecimento das organizações indígenas e afro-colombianas nacionais para as representações locais.

 O pesquisador Carlos Andrés Baquero Díaz. Foto: Semana

O pesquisador Carlos Andrés Baquero Díaz. Foto: Semana

Passam ainda por práticas de cooptação e repressão do Estado e das empresas e pela falta de efetiva liberdade na tomada de decisão desses grupos étnicos. “Quando você faz parte de uma comunidade que não tem direitos como saúde, educação, nem infraestrutura garantidos, e alguém diz que o projeto supostamente vai suprir esses direitos, sua capacidade decisiva de aceitar ou rejeitar o projeto fica um pouco afetada”, avalia Díaz. Ele ressalta também que as comunidades rurais ainda lutam para ser consultadas, enfrentando fortes resistências de setores que não reconhecem a identidade camponesa como diferente culturalmente.

Além disso, ainda há uma grande dificuldade de fazer com que os resultados dessas consultas prévias sejam concretizados. “Temos visto que o nível de cumprimento desses acordos depende da força política das organizações e comunidades que os reivindicam”, conta.

Um dos riscos que esse processo apresenta é a burocratização dos movimentos e a concentração excessiva da mobilização nele próprio, deslocando os demais direitos e sobrecarregando essas comunidades. “Muitos líderes comentam que essa quantidade de consultas prévias neste momento exacerba suas vidas, seus cotidianos. Em que momento você pode ter uma vida comunitária como a que deseja ter, se passa grande parte do tempo fazendo processos de consulta?”, questiona Díaz.

Quanto à regulamentação legal desses processos, uma questão polêmica no Brasil, Díaz defende que não deve haver normas nacionais que definam o que é o direito à consulta, já detalhado na Convenção 169 e em outros instrumentos nacionais e internacionais, sob o risco de ocorrerem retrocessos e limitações. Sobre como devem ser feitos os processos, ele acredita que a regulamentação deve ser plural, já que é um direito baseado na diferença cultural.

Leia a seguir, a entrevista completa:

Sobre quais temas principalmente são feitas as consultas na Colômbia?

A Colômbia faz consultas sobre medidas de alcance nacional, como os planos de desenvolvimento, programas e políticas que os presidentes apresentam quando chegam ao poder para organizar seu mandato. Também foram feitas consultas de leis nacionais, como a Lei de Reparação para Povos Indígenas Vítimas do Conflito Armado. Quantitativamente, a maior parte das consultas recai sobre medidas administrativas relacionadas a projetos extrativistas em territórios de povos indígenas e afros, como projetos de mineração, carboníferos, mas também projetos hidrelétricos e de construção de estradas.

Quais são as principais dificuldades para se fazer uma consulta efetiva?

A primeira é o próprio reconhecimento da existência de comunidades indígenas ou afro nos lugares em que vai ser feita a exploração. Em muitos casos, o Estado nega a existência de uma comunidade indígena ou afro nos territórios onde vai fazer a mina ou a estrada.

Uma segunda dificuldade é que temos organizações de representação nacional fortes, combativas e garantidoras de direitos, mas quando se vai fazer um projeto petroleiro na Amazônia colombiana, por exemplo, não tem sido tão fácil traduzir toda essa quantidade de conhecimento em nível local. Há uma série de desafios no fortalecimento das organizações locais.

A terceira são as práticas de cooptação e de repressão relacionadas ao Estado e às empresas. O Estado, em algumas ocasiões, cria organizações paralelas para buscar a adesão das organizações quando encontra um “não” como resposta ao projeto. O mesmo fazem as empresas: estimulam a criação de novas organizações para obter um suposto consentimento de uma parte da comunidade.

A quarta é que muitos desses processos de consulta se desenvolvem em condições de violação de outros direitos socioeconômicos. Quando você faz parte de uma comunidade que não tem direitos como saúde, educação, nem infraestrutura garantidos, e alguém diz que o projeto supostamente vai suprir esses direitos, sua capacidade decisiva de dizer “não”, de aceitar ou rejeitar o projeto, fica um pouco afetada.

Então, essas organizações dizem duas coisas. Por um lado: não fazemos os processos de consulta até que garantam todos os nossos direitos. E, por outro: não fazemos processos de consulta prévia em que estejam nos perguntando como matar nossa mãe. Muitos desses projetos já sabem, antes de serem realizados, que não devem ser feitos. Por exemplo, desviar um rio ou destruir um sítio sagrado, tirar a água de alguma comunidade. E não é uma posição contra o desenvolvimento, mas uma definição diferenciada do tipo de desenvolvimento que essas comunidades estão buscando. O quinto elemento é, portanto, a tensão constante que existe entre as definições de desenvolvimento do Estado colombiano e das organizações indígenas e afro locais.

Poderíamos dizer que o sexto elemento é a continuidade do conflito armado dentro dos lugares onde se desenvolvem os processos de consulta. Como dizia uma líder indígena: “ninguém pode tomar uma decisão livre com um fuzil na cabeça”.

Existe a possibilidade concreta de se vetar um projeto?

Já houve sentenças da Corte Constitucional em que se reconhece que as comunidades têm direito ao consentimento, nos mesmos casos reconhecidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. São os casos de deslocamento, de utilização de resíduos tóxicos sobre o território, de medidas que transformam cultural e fisicamente a vida das pessoas de tal forma que os povos são empurrados ao extermínio.

Existe o reconhecimento judicial do direito ao consentimento, mas na prática obviamente existem negações por parte das normas expedidas pelo governo nacional e das práticas políticas dos poderes locais e das empresas.

Tem um caso muito bonito na Colômbia, em termos políticos, mais ou menos similar ao dos povos Munduruku, o do povo indígena U’wa, no oriente colombiano, que rejeitou o direito à consulta. Disseram: não iremos nunca a um processo de consulta porque sabemos que entramos perdendo um pouco. É o único caso na Colômbia que manteve fora de seu território a exploração petrolífera, com uma mobilização política global que dura ao menos vinte anos, o que é impressionante. Sempre se opuseram porque consideram que seria como extrair o sangue de sua mãe.

 Processo de Consulta Prévia com comunidades afro em Cabo Manglares. Foto: Departamento de Parques Nacionais/Colômbia

Processo de Consulta Prévia com comunidades afro em Cabo Manglares. Foto: Departamento de Parques Nacionais/Colômbia

Em geral, a que tipo de acordo se chega?

Tem um leque grande de opções. Há casos, por exemplo, em que se aceita a construção de um projeto qualquer, como uma estrada, e se geram acordos sobre os mecanismos de reparação.

Em outros casos, as atas da consulta prévia são analisadas e descobrem que foi impossível chegar a um acordo entre o Estado e as comunidades. Portanto – esta é uma interpretação antiga de uma norma que existe na Colômbia – o Estado toma a decisão final, equitativa a partir da ponderação dos direitos. Mas quase sempre, em 99% dos casos, termina dizendo que tem que fazer o projeto, por esse equilíbrio que se faz entre o interesse geral da nação, supostamente representado pelo projeto, e o interesse particular, representado pelas comunidades.

Uma terceira forma, um terceiro protótipo, porque na realidade há combinações entre eles, são acordos em que se conclui que é preciso modificar o projeto. Com essas modificações, aceita-se a proposta, e depois são feitos mecanismos de reparação para as violações de outros direitos.

E esses acordos são cumpridos?

Não, em geral, não se cumprem. Na Colômbia, estamos sempre nessa contradição entre avanços normativos muito sofisticados, de políticas muito poderosas, mas com dificuldades na implementação.

Temos visto que o nível de cumprimento desses acordos depende da força política das organizações e comunidades que os reivindicam. Nos casos em que há uma comunidade indígena ou afro que é forte politicamente, juridicamente, que tem laços nacionais e internacionais fortes, há maior capacidade de incidência para gerar o cumprimento dos acordos de consulta do que quando se desenvolvem em outros tipos de condições, com outros tipos de comunidade, que podem estar mais à parte, com menos conhecimentos, com menos capitais, com menos recursos.

Além dos povos indígenas e das comunidades afro-colombianas, já foram consultados outros grupos étnicos na Colômbia? No Brasil, há uma resistência de alguns grupos políticos em aplicar a Convenção 169 a comunidades tradicionais, como ribeirinhos, povos da floresta, quebradeiras de coco babaçu, etc.

Aqui existem três grandes grupos: os povos indígenas, as comunidades afro e os camponeses. As comunidades afro, que são como os quilombolas no Brasil, foram reconhecidas pela Corte Constitucional como tendo direito à consulta, ainda que a Convenção 169 nunca tenha falado de comunidades negras, mas sim de comunidades tribais.

As comunidades camponesas cada vez mais exigem uma forma de consulta prévia, porque as medidas tomadas acabam afetando-as também. Entretanto, existe um muro nessa discussão, construído por tijolos de diferentes pessoas, em parte pelo movimento social, sobretudo pelo Estado, pelas empresas, que dizem que eles não têm direito. A consulta tem uma raiz forte nos direitos à diferença identitária, nos direitos ao pluralismo, e eles não reconhecem a identidade camponesa como uma identidade diferente culturalmente.

Foi reconhecida ainda a existência do povo cigano, que também tem direito à consulta.

 Comunidades afro também tem direito à consulta prévia na Colômbia. Foto: Departamento de Parques Nacionais/Colômbia

Comunidades afro também tem direito à consulta prévia na Colômbia. Foto: Departamento de Parques Nacionais/Colômbia

Existe alguma regulamentação legal específica sobre os procedimentos de realização das consultas na Colômbia? Há uma polêmica no Brasil sobre se devemos ou não regulamentar a consulta prévia.

Na Colômbia, existem duas ou três normas que foram expedidas para regular a consulta prévia, mas os movimentos indígena e afro sempre se opuseram a regulamentá-las. Primeiro, pelo poder dentro do Congresso do lobby das empresas e das pessoas que são contra a consulta. O segundo argumento é de que existe tanto desenvolvimento na jurisprudência, nas declarações e nos instrumentos internacionais que não é necessário ter uma norma extra.

Na minha opinião, definitivamente não pode existir uma norma que defina o que é o direito à consulta. Esse foi o erro cometido no Peru e no Chile, que não foram definir como se fazem os processos, mas sim o que é o direito, e as normas nacionais acabam sendo muito regressivas.

Sobre como devem ser feitos os processos, como é um direito que se baseia na diferença cultural, é muito difícil gerar um mecanismo nacional que unifique todas as formas de tomada de decisão nas diferentes comunidades. Nossa posição tem sido: geremos desenvolvimentos de protocolos explícitos de como cada um dos povos quer ser consultado, para, assim, diminuir um pouco a tensão. Como é um direito que se materializa na conversa, essas formas de conversar deveriam ser plurais, e, portanto, a regulamentação também deveria ser plural. Definitivamente, não devem ser normas expedidas pelo Congresso.

Que outros países da América Latina se destacam em relação à aplicação da consulta?

No Peru, estão começando a fazer muitos processos de consulta, sobretudo sobre projetos de exploração de hidrocarbonetos e de mineração. As organizações de direitos indígenas com que trabalhamos têm sérias críticas sobre certos processos que não se desenvolvem de maneira adequada ou não garantem de maneira adequada o direito à consulta. No Equador, existem também sérias críticas sobre os processos de consulta em matéria de hidrocarbonetos, sobretudo na Amazônia equatoriana.

No Chile, existe um grande apoio do país todo nesse processo de consulta nacional para a norma de consulta, mas esse processo terminou de uma forma meio negativa, porque as organizações indígenas se opuseram no final à decisão que o governo tomou, e de fato denunciaram o Chile ante o comitê de especialistas da OIT por violação à Convenção 169.

O boom extrativista na América Latina no começo dos anos 2000 gerou um boom da inclusão do direito à consulta nos debates nacionais: na região andina, no Paraguai, no norte da Argentina, no Brasil. Existe uma relação muito forte entre a expansão da fronteira da exploração na América Latina e a expansão da judicialização e da mobilização indígena e afro em relação ao direito à consulta.

 Indígenas da Etnia Emberá, que conseguiram a consulta prévia em caso de usina hidrelétrica. Foto: Ayaita/Wikimedia

Indígenas da Etnia Emberá, que conseguiram a consulta prévia em caso de usina hidrelétrica. Foto: Ayaita/Wikimedia

Quais têm sido as principais consequências e repercussões positivas da implementação da consulta prévia na Colômbia?

As primeiras consequências são reformas institucionais que o Estado tem feito para garantir o direito à consulta. O Ministério do Interior, por exemplo, criou um escritório encarregado de sua implementação.

O segundo elemento é a apropriação, por parte dos tribunais constitucionais e dos juízes, do direito à consulta prévia. É cada vez mais comum que juízes ordenem a realização de processos de consulta prévia ou de mecanismos de reparação relacionados à violação desse direito.

Um terceiro elemento positivo é a transformação e o fortalecimento da mobilização dos movimentos indígenas e afro, por meio da reivindicação do direito à consulta. Essas reivindicações de consulta acabam incluindo outros direitos, como educação, habitação, saúde, o que faz com que se fortaleça muito o sujeito coletivo.

Em relação ao intercâmbio de conhecimentos, a Colômbia se tornou um modelo para outros países, como Peru, Brasil, Chile, Equador, sobre a implementação do direito à consulta, o que estimula o conhecimento jurídico e político de uma maneira que não se havia feito antes. A maioria das transformações e conhecimentos que foram implementados na América Latina costumam vir por influências anglo-saxãs ou europeias.

Quais são as dificuldades concretas na aplicação da consulta na Colômbia?

Encontramos quatro elementos negativos. O primeiro é que, ao mesmo tempo que as instituições se transformaram, elas também se burocratizaram na forma de implementar o direito à consulta. Isso faz com que se torne mais um trâmite burocrático que as instituições fazem no momento de dar um licenciamento ambiental, por exemplo, do que uma proteção mais séria e consciente do direito à consulta.

O segundo é que, ao mesmo tempo que é um direito que fortalece a mobilização, também concentra muito da mobilização em si mesmo. E as organizações étnicas, que poderiam estar se mobilizando por pontos mais fortes, como direitos territoriais ou direito à educação, gastam muito de seu tempo solicitando a proteção do direito à consulta.

Existe uma forte concentração dos movimentos em reivindicações ao redor da consulta, que tem esse efeito de deslocar os demais direitos, mas também tem o efeito de deslocar as outras mobilizações. Faz com que o direito à consulta seja a mobilização central, e as mobilizações de outras formas políticas e outros tipos de autonomia sejam deixadas de lado. Muitos líderes comentam que essa quantidade de consultas prévias neste momento exacerba suas vidas, seus cotidianos. Em que momento você pode ter uma vida comunitária como a que deseja ter, se passa grande parte do tempo fazendo processos de consulta?

O terceiro elemento é que as interpretações da Corte Constitucional não são adotadas totalmente pelo poder executivo. Existe uma contradição entre as interpretações progressistas que as cortes dão e as interpretações mais regressivas que o executivo dá. Ao fim e ao cabo, ao ser o executivo que implementa as decisões judiciais, e também quem está encarregado da realização dos processos de consulta, acaba sendo uma contradição difícil de superar.

Outro ponto, que esperamos que mude, com a assinatura dos acordos de paz na Colômbia, é a persistência do conflito armado em meio a todos esses processos de consulta. Muitos deles não cumprem o requisito de serem livres, já que as decisões das pessoas e comunidades se dão em espaços de coerção.

Para além do fato de ter sido o segundo país a assinar a Convenção 169 da OIT e do papel fundamental da Corte Constitucional, quais aspectos favorecem a implementação da consulta prévia na Colômbia?

Esse tema não teria se tornado tão importante, e o direito não seria protegido da forma que é agora, se não contasse com um movimento indígena e afro muito forte detrás disso, que já vinha reivindicando seu direito durante vinte ou vinte e cinco anos. Ainda que, no Peru, no Brasil, no Equador, existam organizações indígenas em nível nacional muito fortes, na Colômbia, a estabilidade e a força do movimento indígena e afro têm sido centrais para garantir o direito à consulta.

Neste momento, a maioria dessas organizações tem grupos encarregados da mobilização política, das mobilizações nas ruas. Mas elas têm também grupos jurídicos, muitos desses líderes estudaram Direito, além de conhecerem o direito cultural que têm dentro de suas comunidades. Assim, conseguem fazer essas pontes entre seus desejos comunitários e as interpretações estatais do direito à consulta, que fortalecem a mobilização.

Creio que há ainda outro elemento: à diferença de Peru, Equador, Brasil, onde houve ondas muito fortes, sobretudo nos últimos quinze anos, de expansão da fronteira mineiro-energética, na Colômbia, ainda que obviamente tenha existido um incremento, não foi um boom tão forte. No momento em que se deu a explosão internacional dos preços das commodities, as organizações colombianas já tinham experiência e conhecimento sobre como deveriam ser feitos esses processos de consulta.

Além da consulta, há outros aspectos da Convenção que estão sendo aplicados na Colômbia?

Não. A consulta é o que une toda a Convenção 169, mas definitivamente não era uma convenção sobre isso, era sobre território, educação, autonomia. A concentração temática, a mobilização, a concentração judicial na Colômbia sobre o direito à consulta tem sido tão forte que despedaçou a discussão sobre os demais direitos.