"Daqui a trinta anos, quando enfrentaremos o fim das profissões e mais empregos serão 'uberizados', podemos muito bem acordar e imaginar por que não protestamos contra essas mudanças. Podemos sentir remorso por não termos buscado alternativas, mas não podemos mudar o que não entendemos. Portanto, estou perguntando o que significa a 'economia do compartilhamento'?"
Apresentação à edição brasileira
Plataformas de solidariedade
Por Ana Rüsche e Daniel Santini
A ideia de uma nova economia, mais inteligente e dinâmica, em que liberdade e facilidade valem mais do que posse absoluta e exclusiva de objetos, ganha força. Por que ter um carro se eu posso conseguir um com motorista em dois cliques no celular, a um preço razoável? Ou, invertendo a lógica, por que manter aquele quarto vazio nos fundos da casa quando alguém poderia aproveitar esse espaço? Para que deixar a bicicleta encostada ou um livro mofando? Por que não aproveitar melhor as coisas?
O mesmo raciocínio também aparece no campo das relações de trabalho. Por que não usar meu carro no final de semana para ganhar um extra dirigindo, já que a vida está tão cara? Não arranjo emprego, vou atrás de uns freelas em alguma plataforma virtual de oportunidades. Muitas vezes, a ideia é complementada pela justificativa de que assim é melhor, porque não tenho um chefe controlando meus horários.
Seja pela noção ecológica de dar vida útil maior às coisas, seja pela sedução que as novas tecnologias nos imprimem em um cotidiano tão veloz, seja pela necessidade de complementação de renda ou pelo desemprego, o atual pacto do ubercapitalismo está acessível a poucos toques: em um aparelhinho na palma da tua mão. Cantando as maravilhas que sempre desejamos – horários flexíveis, valorização do acervo e das habilidades pessoais –, nos fisga com um desejo antigo: a ilusão de não se subordinar e de finalmente tomar as próprias decisões.
“Daqui a trinta anos, quando enfrentaremos o fim das profissões e mais empregos serão ‘uberizados’, podemos muito bem acordar e imaginar por que não protestamos contra essas mudanças. Podemos sentir remorso por não termos buscado alternativas, mas não podemos mudar o que não entendemos. Portanto, estou perguntando o que significa a ‘economia do compartilhamento’?” [Trebor Scholz*]
Turbinadas pela velocidade da Internet, as relações de trabalho e as estruturas comerciais, em especial no setor de serviços, mudam com velocidade, em um vórtice que confunde quem legisla, quem trabalha e quem consome. O desprendimento em relação a possuir bens nem sempre é simples; por vezes, vem junto com o compartilhar por necessidade, por falta de opção em relação a fontes de renda. A simplicidade no acesso, que em um primeiro olhar pode ser entendida como democratização do consumo, se fundamenta, em muitos casos, em precarização absoluta de condições de trabalho e desregulamentação total, o que inclui elisão de impostos e falta de mecanismos mínimos de segurança social. Em um momento em que a economia se reestrutura, com protagonismo crescente de empresas transnacionais que vendem facilidades mais do que bens físicos ou serviços diretos, é preciso parar e refletir, olhar referências, analisar dados concretos, buscar alternativas.
O fenômeno está diretamente relacionado à fase atual do capitalismo e se repete, em diferentes intensidades, em todo o planeta. Em um momento em que, no Brasil, taxistas em um mercado de trabalho precarizado, marcado pela venda ilegal de licenças e concessões, por corrupção e desrespeito às normas vigentes, tentam se organizar minimamente para resistir à invasão do Uber, serviço estruturado na ausência total de garantias trabalhistas e sociais, apresentamos um texto que, além de problematizar a questão, procura apresentar horizontes de esperança, delineando soluções e alternativas possíveis.
Trata-se da análise Cooperativismo de plataforma, na qual o escritor, artista e professor de cultura e mídia digital Trebor Scholz questiona o modelo de propriedade para a Internet. Em vez da economia de compartilhamento vendida como um pacote de “ideias geniais” (cuidadosamente fomentadas por departamentos de marketing de empresas), o que o autor propõe são plataformas de cooperativismo “de propriedade coletiva, possuídas pelas pessoas que geram a maioria do valor nessas plataformas, [e que] podem revigorar essa mentalidade pública inicial. O cooperativismo de plataforma pode mudar o modo como pessoas comuns pensam sobre suas relações na Internet.”
* Trebor Scholz é professor associado da The New School, em Nova York, nos Estados Unidos, onde ministra cursos sobre internet e sociedade. Junto a diversxs colaboradorxs, tem se dedicado à crítica do sistema de valores que alimenta a chamada “economia do compartilhamento”. O livro Cooperativismo de plataforma é resultado de conferência em que mais de mil participantes discutiram ideias para a criação de um novo tipo de economia online.
Cooperativismo de Plataforma contestando a economia do compartilhamento corporativa Título original: Plataform Cooperativism: Challenging the Corporate Sharing Economy
Trebor Scholz
Tradução e comentários: Rafael Zanatta
#ROSALUX01
Fundação Rosa Luxemburgo; Editora Elefante; Autonomia Literária
São Paulo, 96 páginas, 2017
ISBN 978-85-683-0209-5 Download gratuito
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