Ecossocialismo, decrescimento e Buen Vivir
Apresentado pela filósofa Isabel Loureiro como “um marxista insubordinado”, o sociólogo Michael Löwy conversou sobre os temas decrescimento, capitalismo verde e bem viver no auditório da Fundação Rosa Luxemburgono início de novembro.
Em setembro deste ano, ocorreu a Degrowth – Quarta Conferência Internacional sobre Decrescimento para a Sustentabilidade Ecológica e Equidade Social, reunindo mais de 3 mil pessoas na cidade de Leipzig, Alemanha. A Fundação Rosa Luxemburgo, inclusive, participou levando uma delegação latino-americana. Michael Löwy comentou a movida pelo decrescimento, colocando suas muitas qualidades e alguns problemas.
Uma qualidade positiva do movimento seria desmistificar a crença que se estabeleceu sobre a necessidade do crescimento. “Muitos governos europeus ficam rezando para um deus enviar o crescimento”, ironiza Löwy, comentando sobre a crença fanática que impõe o dogma da expansão a qualquer custo, “o crescimento não é só uma ideologia, mas é uma necessidade intrínseca do sistema capitalista”. O termo em francês (décroissance), inclusive, alude a essas dimensões: crescimento (croissance) e credo (croyance).
Dentro da militância pelo decrescimento, há uma constelação de movimentos. Longe de serem homogêneos, há desde setores minoritários que ainda acreditam em uma agenda de decrescimento dentro do capitalismo, o que Löwy diz ser uma ilusão total. Também há correntes que identificam o adversário como “o ocidente, a filosofia das luzes, a ciência”, sem ter uma noção clara sobre contra quem estão lutando. Por fim, uma parcela dos militantes entende que o capitalismo em si é o que deve ser questionado e estariam mais próximos à noção de ecossocialismo.
O sociólogo questiona também o uso da palavra “decrescimento”. A alternativa não é meramente quantitativa, “crescer menos”, e sim qualitativa. Não precisaríamos produzir submarinos atômicos e tantos automóveis, exemplifica. A estratégia seria desenvolver outras matrizes energéticas, a agricultura orgânica e a educação.
A conversa ainda caminhou para discutir o paradoxo da expressão capitalismo verde. Não é possível existir um capitalismo verde – há uma mistificação a respeito do tema economia sustentável, que nada mais faz do que criar novas demandas de consumo a partir da emergência de problemas sérios.
Michael Löwy ressalta a importância de recusar as alternativas falsas. “O capitalismo nos oferece duas alternativas, uma pior do que a outra: ou ele deixa de crescer, daí é crise, desemprego, catástrofe social; ou ele cresce e até pode melhorar um pouco o emprego ou nem isso, mas segue na destruição e nos aproxima mais rapidamente da catástrofe ambiental. Não queremos escolher entre essas duas alternativas”. O que se propõe é um rumo diferente.
Crise da água e agronegócio
Isabel Loureiro ponderou que as considerações ecologistas seriam ainda marginais dentro da esquerda e que diz não entender razão para otimismo diante de um governo a favor do agronegócio. A filósofa ressalta o problema da percepção sobre o tema ambiental. Disse que somente pela via da “pedagogia da catástrofe” as pessoas se dariam conta da dimensão do problema – por exemplo, seria preciso então que secasse toda a água do Estado de São Paulo para que se dessem conta desta urgência?
Loureiro chamou a atenção para o consenso das commodities brasileiro – um crescimento nacional acelerado apoiado no agronegócio, sem levar em conta seus efeitos colaterais extremamente danosos. Lembra ainda que é o agronegócio o principal consumidor de água, antes mesmo da pecuária, da indústria ou dos habitantes da cidade: “exporta-se água junto com a soja”.
Löwy e Loureiro contestam a ideologia que afirma que a revolução verde teria provido alimentação para a humanidade. No caso do Brasil, a alimentação popular ainda está associada à agricultura familiar, muito mais harmônica com o meio ambiente. Michael Löwy recorda outras consequências do desequilíbrio ambiental causado pelo agronegócio, como a seca que se instaurou no Estado de São Paulo que teria relação com o desmatamento da mata na Amazônia.
O bate-papo terminou mencionando a importância de se pensar o que seja o “Buen Vivir”, uma aposta em estratégias além do capitalismo, assim como na urgência de se organizar coletivamente, debater os temas e apresentar demandas. É um tema central do trabalho da Fundação Rosa Luxemburgo na América Latina.
Para saber mais sobre o tema
O que é Ecossocialismo? Livro de Michael Löwy, editora Cortez, 2ª edição de 2014.
This Changes Everything: Capitalism versus The Climate. Livro de Naomi Klein (em inglês), Simon & Schuster, 2014.
O veneno está na mesa 2. Filme sobre agroecologia, atualiza e avança na abordagem do modelo agrícola nacional atual e de suas consequências para a saúde pública. Faz parte da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. Dir. de Sílvio Tendler.
America Latina Piensa – el gigante y sus fronteras. A série possui 11 vídeos com o propósito de debater consumismo, transações, política e diversidade, colocando em um novo eixo o debate sobre meio ambiente (em espanhol). Este que indicamos é o capítulo nº 4, que trata de Brasil e Paraguai.
Texto de Ana Rüsche. Fotos de Elis Soldatelli e Gerhard Dilger.