Futebol é só negócio? Ou um instrumento para acensão política? Juca Kfouri e Martin Ling ignoram que futebol e política não se discute e falam sobre FIFA, CBF, Congresso Nacional, migração na Europa, Copas do Mundo, St. Pauli e Corinthians
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Futebol e política, uma discussão necessária
17/12/2015
por
Fundação Rosa Luxemburgo

Por Fundação Rosa Luxemburgo

Futebol é só negócio? Ou um instrumento para ascensão política? Jornalistas Juca Kfouri e Martin Ling ignoram que futebol e política não se discute e, em roda de conversa aberta, falam sobre FIFA, CBF, Congresso Nacional, migração na Europa, Copas do Mundo, St. Pauli e Corinthians

Os jornalistas Juca Kfouri, colunista do jornal Folha de S. Paulo e autor do Blog do Juca, e Martin Ling, editor do diário alemão neues deutschland, discutiram a relação entre futebol e política em debate realizado no auditório da Fundação Rosa Luxemburgo, em São Paulo. O encontro marcou o lançamento da publicação Futebol. Poder. Crise. O futebol do sul da Europa, uma análise feita por Ling sobre a situação dos clubes no contexto da crise política e econômica nos países do sul da Europa. A conversa foi mediada pelo também jornalista Daniel Santini, coordenador da Fundação Rosa Luxemburgo, e contou com tradução de Claudia Dornbusch.

Baixe Futebol. Poder. Crise. O futebol do sul da Europa

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Martin Ling é alemão e escreve normalmente sobre economia e política da África e América Latina. É um apaixonado por futebol e tem como ídolo o ex-jogador alemão Bernd Schuster, que brilhou nos anos 80 defendendo o Barcelona. Ling viaja até hoje pelos menos duas vezes por ano para a Catalunha só para ver os jogos do time. Ele fala espanhol, mas ao apresentar seu trabalho e descrever meandros dos bastidores de clubes da Europa e da Fifa, contou com a ajuda da tradução.

Martin Ling fala sobre bastidores da FIFA. Foto: Verena Glass

De maneira resumida, apresentou os últimos desdobramentos das investigações de corrupção na FIFA, inclusive o escândalo que colocou sob suspeita a escolha da Alemanha como sede da Copa do Mundo de 2006, e envolveu o ex-jogador Franz Beckenbauer (leia as explicações de Beckenbauer sobre o caso em alemão na revista Spiegel, o texto de Andreas Rüttenauer sobre o “conto de fadas de verão” – a Copa de 2006, na Alemanha, no nosso livro sobre a Copa de 2014 -, e para entender melhor os bastidores da FIFA, a dica é buscar os livros “Jogo Sujo” e “Um Jogo Cada Vez Mais Sujo”, de Andrew Jennings.

Ling mencionou ainda problemas estruturais na maneira como o futebol está organizado hoje, inclusive a questão dos subsídios públicos aos clubes, tema também abordado na publicação. Ao tratar da crise na Espanha, ele destacou, por exemplo, o contraste entre os gastos vultuosos dos principais clubes e a realidade econômica do país, citando estudos que alertam para a distopia entre contratações milionários e endividamento crescente de algumas equipes.

 

jucaCBF, política e Justiça

Os subsídios foram a deixa para que Juca Kfouri lembrasse da quantidade de recursos públicos gastos com a construção de estádios no Brasil, questionando as prioridades adotadas pelo Governo Federal. Compartilhou bastidores de encontros com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, destancando que dos três apenas Lula conhece futebol.

Sobre a Copa do Mundo de 2014, ainda citou casos específicos, como o desequilíbrio dos gastos com o estádio em Manaus, em meio à carência em áreas como saúde, educação e moradia (sobre a construção da Arena Amazônia, vale ler a detalhada reportagem literária do BRIO).

Juca comentou os escândalos envolvendo a CBF, incluindo a prisão do ex-presidente da organização, José Maria Marin. Em um depoimento pessoal, o jornalista contou que soube da notícia quando estava no hospital se recuperando de uma trombose na perna. “Eu quase morri e não ia nem ficar sabendo da prisão, olha que ironia”, afirmou, em referência às seguidas denúncias que publicou ao longo dos últimos anos sobre desvios envolvendo o órgão máximo do futebol no Brasil, uma miríade de denúncias envolvendo o ex-presidente Ricardo Teixeira e outros cartolas (sobre Ricardo Teixeira, vale conferir o perfil detalhado publicado pela revista Piauí).

Também mencionou os problemas envolvendo o atual presidente da CBF, Marco Polo del Nero, investigado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e o vice-presidente  Antonio Carlos Nunes de Lima, o Coronel Nunes, considerado seu sucessor direto na disputa pelo poder na entidade (veja a capa histórica do jornal LANCE! sobre a política na CBF). Além de contar sobre os bastidores políticos da organização, Juca comentou também como o futebol serve de plataforma para políticos, lembrando da Bancada da Bola, frente parlamentar que faz lobby dentro do Congresso Nacional.


Categorias de base e horizontes

A conversa entre os dois jornalistas foi bastante informal; não faltaram provocações do alemão em relação à vitória de 7 a 1 contra o Brasil na final da Copa do Mundo, por exemplo. Além das denúncias e escândalos de corrupção e dos problemas relacionados à maneira como o esporte é utilizado por políticos, ambos também falaram de soluções possíveis e encaminhamentos.

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Ling, por exemplo, mencionou o trabalho feito pela Alemanha nos últimos anos para fortalecer as categorias de base, com a preocupação de garantir o acesso ao esporte a toda uma geração de jovens, tudo feito de maneira a fortalecer o sistema escolar também. Ele relaciona o sucesso do país na última Copa aos investimentos feitos com crianças e jovens, e destaca que a preocupação em relação à educação beneficiou toda uma geração de maneira integral, não ficando o avanço restrito a um grupo de estrelas que se destacou.

Em 2012, após a morte do adolescente Wendel Junior Venâncio da Silva, de 14 anos, durante teste de futebol no Vasco, a Organização Internacional do Trabalho chegou a defender uma reformulação das categorias de base no Brasil e o Ministério do Trabalho e Emprego prometeu ampliar fiscalização sobre as condições de adolescentes vinculados a clubes. Questionado a respeito, Juca Kfouri defendeu que é preciso repensar a estrutura das categorias de base também no Brasil.

martin-jucaxAo final, os dois também falaram das mobilizações democráticas de seus clubes favoritos. Ling, torcedor do St. Pauli, de Hamburgo, contou um pouco do histórico do clube, cujo estádio nos anos 80 foi ocupado por punks e, desde então, passou a ser considerado o time mais antifacista da Alemanha. Atualmente, a torcida tem organizado distribuição de alimentos e auxílio a imigrantes nos entornos do estádio. Torcedor do Corinthians, Juca, por sua vez, lembrou das mobilizações da Democracia Corinthiana em plena Ditadura e do ex-jogador Sócrates.

 

Os depoimentos de Martin Ling e Juca Kfouri foram registrados em vídeo e serão editados e publicados em 2016. Cadastre-se na coluna ao lado na newsletter da Fundação Rosa Luxemburgo para receber atualizações sobre este e outros assuntos.

Fotos: Gerhard Dilger e Verena Glass