Governo brasileiro se comprometeu a instituir consulta sobre leis há mais de dez anos, mas até hoje eles continuam sem voz no Congresso e em assembleias
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Indígenas e comunidades tradicionais deviam ser ouvidos no legislativo
15/10/2016
por
Piero Locatelli

Governo brasileiro se comprometeu a instituir consulta sobre leis há mais de dez anos, mas até hoje eles continuam sem voz no Congresso e em assembleias

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Mulheres munduruku em manifestação em Brasília cobram consulta prévia em 2013.  Foto: Ruy Sposati

Por Piero Locatelli, Repórter Brasil

Em um auditório na Assembleia Legislativa de São Paulo no final de junho, mais de uma centena de indígenas, quilombolas e caiçaras discutiam o Projeto de Lei que privatiza os parques estaduais naquele estado. Como alguns parques estão sobrepostos às terras de populações tradicionais, a sua administração afeta diretamente o modo de vida dessas comunidades.

Indígenas guaranis chegam à assembleia em São Paulo. Foto: Ascom/Alesp
Indígenas guaranis chegam à assembleia em São Paulo. Foto: Ascom/Alesp

Com a presença de somente um deputado estadual, aquela discussão durante uma tarde foi todo o espaço que eles tiveram na elaboração do projeto, que virou lei no mês seguinte. Os indígenas e outras comunidades tradicionais que terão suas vidas alteradas pelo projeto deveriam ter sido consultados ainda antes de esse processo iniciar, de acordo com a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, assinada pelo Brasil há mais de dez anos. A consulta às comunidades tradicionais, prevista na convenção, deve acontecer toda vez que o legislativo ou o executivo tomarem medidas que afetem essas comunidades.

Saiba mais sobre a consulta prévia lendo a reportagem
Eles esperam há dez anos para serem ouvidos pelo governo. Agora, cansaram


O Brasil tem dado passos tímidos para que a consulta seja realizada nos casos de obras que possam impactar a vida dessas comunidades, mas a discussão da sua aplicação no legislativo está ainda mais atrasada, segundo a subprocuradora geral da República, Deborah Duprat. “O executivo ainda trabalha mais perto das demandas, ele sabe que tem que fazer [a consulta], ainda que faça mal feito. Mas o legislativo entende que ele é o representante de todos e todas, então não tem que consultar ninguém,” diz a procuradora.

Indígenas em comissão na Câmara dos Deputaods. Foto: Agência Cãmara
Indígenas munduruku em comissão na Câmara dos Deputados. Foto: Agência Cãmara

Sem cadeiras no Congresso Nacional, os indígenas participam somente de reuniões protocolares, mesmo quando se trata de assuntos que vão alterar completamente a sua vida. Para Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), seria necessário ao menos um processo que “obrigasse os parlamentares a responder questões objetivas e justificar minimamente suas ações.”

Enquanto isso, o Congresso Nacional se prepara para votar propostas que afetam diretamente os direitos de populações tradicionais. Uma delas é a PEC 215, proposta de emenda à Constituição que tira do executivo e passa ao legislativo a atribuição de demarcar terras indígenas. Na prática, a proposta dificulta a delimitação de novas terras.

Outras propostas diminuem ainda mais participação dos indígenas e demais populações nas decisões do governo. Entre elas estão a PEC 65 e o projeto de lei do senado 654, que, na prática, acabam com o processo de licenciamento ambiental. Elaborados sem a consulta aos indígenas, esses dois projetos deixam a aplicação da convenção 169 ainda mais distante.