Povos de 28 aldeias indígenas do sertão cearense estão reivindicando o direito à consulta prévia, livre e informada diante da ameaça de implementação de projeto de mineração de urânio e fosfato no município de Santa Quitéria. A consulta está prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
CONVENÇÃO 169 DA OIT
Em 2004, o Brasil assinou uma Convenção Internacional que passou a ser considerada, nos últimos anos, um importante instrumento de resistência de povos indígenas, quilombolas e tradicionais quando grandes obras, empreendimentos, leis ou quaisquer outras interferências ameacem seus territórios e modos de vida.
A chamada Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) dá a estes povos o direito à uma consulta livre, prévia e informada anteriormente à implantação do vetor de ameaça. Este é o direito que 28 aldeias dos povos Potiguara, Tabajara, Gavião e Tubiba-tapuia do sertão cearense estão reivindicando diante de um projeto de mineração de urânio e fosfato no município de Santa Quitéria.
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IMPACTOS DA MINERAÇÃO
Proposto pelas Indústrias Nucleares do Brasil – S.A (INB, estatal não dependente da União que incorporou as empresas que faziam parte da Nuclebrás, criada para cumprir o Acordo Nuclear Brasil – Alemanha) em parceria com a empresa de fertilizantes Grupo Galvani, o projeto de mineração da chamada Jazida de Itataia quer extrair cerca de 80 mil toneladas de urânio.
A mina, que prevê, em pleno sertão cearense, o uso de cerca de 855 m3/h de água só na umidificação e utilização nos processos químicos (ou seja, 855 mil litros de água por hora, ou 38 piscinas por hora) tem negado a possibilidade de impactos sobre comunidades quilombolas e indígenas, apesar do enorme stress hídrico que causará à região e do altíssimo potencial de contaminação radioativa do Urânio. Por outro lado, em função das graves falhas estruturais do projeto, o Ibama tem negado reiteradamente a licença ambiental da mineradora.
PROTOCOLO DE CONSULTA PRÉVIA
As 28 aldeias indígenas que estão reivindicando o direito à Consulta Livre, Previa, Informada e Consentida – o que inclui o direito de rejeitar o projeto – estão organizadas no Movimento Potygatapuia e se espalham pelos municípios de Monsenhor Tabosa, Tamboril, Boa Viagem, Santa Quitéria e Catunda, na Serra das Matas. Como suas áreas ainda não foram demarcadas pela Funai, o empreendimento tem argumentado que a exploração de urânio não teria impactos sobre indígenas, o que é contestado pelas lideranças do Movimento.
“O que interessa pra nós é o território. Mesmo se a casa fica mais distante da mina, o território onde a gente circula, caça, faz nossas rezas, é do lado. Independente de demarcação, o povo está aqui! As práticas culturais estão aqui, a memória está aqui, os sítios arqueológicos estão aqui. Tem a natureza, tem a encantaria, e se fosse pra fazer uma lista a gente passava o dia todo falando. Não precisa de demarcação no papel”, explica Elvis Aroerê Tabajara, cacique do Movimento Potygatapuia. “O material radioativo da mina, que o vento leva, vai nos atingir a todos. A água que eles vão tirar do nosso território vai faltar pra todos nós”.
LUTA E RESISTÊNCIA NO SERTÃO
Em parceria com a Articulação Antinuclear do Ceará e o Núcleo Tramas, ligado à Universidade Federal do Ceará, o Movimento deu início, no segundo semestre de 2023, a um processo de formação sobre a Consulta Prévia da Convenção 169 da OIT, com o objetivo de construir um Protocolo de Consulta (documento que indica a forma, os critérios, o público e outras particularidades de como a Consulta deve ser feita) para as 28 aldeias. O processo prevê o envolvimento especial da juventude tanto na formação legal quanto no fortalecimento da organização, explica Diego Potiguara, jovem liderança da aldeia Mundo Novo, em Monsenhor Tabosa.
“Os protocolos de consulta podem ajudar na luta e nas resistências numa perspectiva legal, jurídica, mesmo que o direito dos indígenas de serem consultados já foi violado pelo Estado, que faz questão de invisibilizar esses povos”, afirma Iara Fraga, da Articulação Antinuclear. “Isso por si só já seria um bom motivo para judicialização do empreendimento. Mas a construção do Protocolo visa também o fortalecimento organizativo político dos territórios. A gente vem avaliando que, apesar de algumas contradições no que se refere ao direito da Consulta, o processo de construção do protocolo pode ser muito enriquecedor”.
A construção do Protocolo de Consulta do Movimento Potiygatapuia é uma primeira experiência, com potencial de fomentar a construção também junto a outros territórios tradicionais ameaçadas pelo empreendimento, explica a pesquisadora Lívia Alves, do Núcleo Tramas. São comunidades quilombolas e pescadores/as do Açude Edson Queiroz, cotado para abastecer a mineração, além de povos de terreiro.
* Verena Glass é coordenadora de projetos no escritório de São Paulo da Fundação Rosa Luxemburgo
A Fundação Rosa Luxemburgo apoia o projeto de formação do Protocolo de Consulta do Movimento Potygatapuia