RESUMO
Embora as propostas de algumas vertentes do feminismo tenham conquistado reconhecimento e consolidado uma trajetória em várias esferas sociais, acadêmicas e políticas, ainda é imprescindível questionar qual é o lugar das mulheres negras nas organizações de base urbanas e rurais e na produção de pensamento a partir delas. Para tanto, é preciso criar aproximações e diálogos com as mulheres negras, indagando o que elas pensam e sentem em relação a seus lugares de enunciação. Este artigo busca descrever e aprofundar algumas percepções de mulheres negras organizadas a respeito das premissas de diversas vertentes do feminismo, e, em particular, analisar mais detidamente as reflexões que elas estão desenvolvendo sobre o que se conhece hoje por feminismo negro/afro-latino-americano.
Palavras-chave: lugares de enunciação, feminismos negros latino-americanos, mulheres negras jovens
O INÍCIO DA ORGANIZAÇÃO AUTÔNOMA DE MULHERES AFRO-EQUATORIANAS
Diversos trabalhos acadêmicos[2] que documentam a história do movimento social afro-equatoriano e o surgimento de organizações de mulheres afro-equatorianas mencionam que a primeira organização de mulheres de descendência africana no país, a CONAMUNE[3], foi criada em 1999. Apesar disso, considero importante comentar que, desde o final da década de 1970 e início da década de 1980, sucederam importantes precedentes de posicionamento político para as mulheres, que permitiram a materialização e a consolidação do que hoje se conhece como movimento social e político das mulheres negras no Equador.
Em 1977, foi realizado na cidade de Cali, na Colômbia, o Primeiro Congresso de Cultura Negra das Américas, que contou com a presença de pessoas africanas e afrodescendentes de vários lugares do mundo. Embora a participação das mulheres nesse evento tenha sido pequena e lateral, esse espaço permitiu que elas dessem lugar às diversas demandas que estavam formulando.
Foram necessários mais cinco anos após esse primeiro Congresso em Cali, de 1977, para que as questões das mulheres fossem colocadas em um lugar de relevância como sempre mereceram. Nas conclusões do terceiro Congresso de Cultura Negra das Américas, ficou estabelecido que seria realizada, em 1984, no Equador, a Conferência da Mulher Negra das Américas. O evento recebeu o nome de “O papel da mulher negra nas Américas” e foi organizado pelo Centro de Estudos Afro-Equatorianos e pelo Escritório Nacional da Mulher, vinculado ao Ministério do Bem-Estar Social.
Três anos depois, em agosto de 1987, foi realizado um evento nomeado como 2º Encontro Feminista; um dos pontos centrais das discussões nesse espaço foi a abordagem das diferentes formas que o racismo afetava as mulheres de descendência africana que viviam no Equador. Algumas das participantes de destaque desse evento foram Carmen Klinger e Cecilia Escobedo, que, naquela época, eram as principais figuras públicas do Movimento Afro-Equatoriano Consciência – MAEC (Antón, 2009).
Esses espaços políticos coletivos demonstram que, desde meados da década de 1980, as mulheres afro-equatorianas já estavam colocando suas demandas em um novo lugar, a partir de espaços organizados autônomos e com perspectiva de gênero. Algumas das mulheres afro-equatorianas que conquistaram reconhecimento e visibilidade política durante esse período foram Alodia Borja Nazareno e Mari Quiñónez, da Confederação Nacional Afro-equatoriana (CNA); Sonia Viveros Padilla, da Fundação Afro-equatoriana Azúcar; Isabel Padilla, da Pastoral Afro-Equatoriana da Província de Esmeraldas; Vanti Chalá Obando, da Unidade do Povo Afro-Equatoriano do município de Quito; Orfa Reinoso Anangonó, da Federação de Grupos Negros (Fognep) de Pichincha; Barbarita Lara Calderón, do Movimento de Mulheres Negras de Carchi; Irma Bautista Nazareno, da Fognep de Quito; Catherine Chalá, da Pastoral Social Afro-Equatoriana; Amada Cortez, do Movimento de Mulheres Negras de Esmeraldas; Inés Morales, da Confederação Afro-Equatoriana do norte de Esmeraldas; Josefina Orobio, das organizações de Guayas; Erika Angulo, do processo Afro-América XXI em Guayaquil; Esperanza Ruiz e Cléver Chalá, da Federação de Organizações de Sucumbíos (Foaes) (Antón, 2009).
Todo o protagonismo que essas e muitas outras mulheres afro-equatorianas alcançaram se deu como consequência das dificuldades que enfrentaram nas organizações mistas das quais participaram por muito tempo; suas demandas não estavam sendo priorizadas nesses espaços e não havia espaço para que elas ocupassem funções de destaque dentro deles. Após todos esses acontecimentos anteriores, na década de 1990 teve início um período decisivo na formação de organizações e na visibilidade política das mulheres afro-equatorianas na esfera pública; podemos mencionar vários exemplos que ilustram a forma que essas mulheres articularam suas pautas e reivindicações nos processos políticos nacionais e internacionais.
CONSOLIDAÇÃO DE LUGARES POLÍTICOS DAS MULHERES AFRO-EQUATORIANAS
O primeiro exemplo da década de 1990 se deu quando as mulheres da região conseguiram que a Direção Nacional da Mulher (Dinamu), vinculada ao Ministério do Bem-Estar Social do Equador, promovesse um evento internacional para mulheres negras. Esse evento foi realizado nos dias 23 e 24 de março de 1990 e recebeu o nome de Seminário Winnie Mandela sobre a Situação das Mulheres Negras no Equador. As palestras realizadas tiveram como foco a apresentação de dados para diagnosticar a situação socioeconômica das mulheres negras que viviam no Equador e em todo o mundo. Além disso, as e os palestrantes apresentaram várias propostas e recomendações envolvendo tanto ações da sociedade civil, quanto de vários órgãos governamentais. Elas declararam:
Nós, mulheres negras, particularmente, somos o melhor exemplo de superação pessoal, força de caráter e integridade moral, apesar de vivermos em sociedades completamente hostis, que nos exploram como força de trabalho, como sexo e como raça. Portanto, é hora de nossos méritos serem reconhecidos, pois a tendência para as minorias no poder, em sociedades dominadas, é a de continuar sendo ignoradas ou negligenciadas.
É hora de reconhecer o papel fundamental que temos na transmissão de valores, na cultura de nossos ancestrais, na nossa participação decisiva no acúmulo de riqueza em nossas sociedades.
Estamos convencidas de que a luta da mulher negra africana, caribenha e latino-americana faz parte da luta por uma nova ordem social e pela destruição de todas as formas de privilégios econômicos que têm origem racial, sexual, intelectual e de classe. (CONAMU, 2000, p. 6-7)
Também em 1990, em Guayaquil, as mulheres afro-equatorianas que integravam Comissão de Mulheres Negras da cidade realizaram um evento chamado “Empieza a despertar de su conciencia” [O despertar da nossa consciência, em tradução livre]. Nesse espaço, foram abordadas questões cruciais para as mulheres negras, especialmente aquelas que diziam respeito à defesa de seus direitos e a satisfação de suas necessidades (Antón, 2009). Com o passar dos anos, continuaram surgindo os espaços de discussão e articulação das mulheres afro-equatorianas e, graças a isso, foram se consolidando mais significativamente as formas e o teor das reivindicações que elas apresentavam aos governos do país e à sociedade em geral.
Entre 1995 e 1998, aconteceram vários eventos, ações e mobilizações que levaram à criação do Movimento de Mulheres Negras do Equador (Momune). O primeiro evento foi realizado em 16 de fevereiro de 1995, na cidade de Esmeraldas. Esse evento foi chamado de Primeiro Encontro Nacional da Mulher Negra, Identidade e Direitos Humanos nas Comunidades Afro-Equatorianas. A iniciativa foi patrocinada pela The Global Found Women’s e pela Direção Nacional da Mulher (Dinamu), e contou com a participação de aproximadamente 60 mulheres, que representavam várias províncias do Equador (Moreno-Zapata, 2014). O documento que reúne a memória do evento menciona:
Nós, mulheres, somos os nervos, o pulmão, o sangue que alimenta essa iniciativa, porém nós mesmas, criadas em um sistema profundamente machista, não tínhamos percebido que estávamos sendo invisibilizadas, já que somos nós que trabalhamos enquanto nossos irmãos homens colhem os louros. (Fundación para la Cultura Negra Ecuatoriana FCNE, citada em Moreno-Zapata, 2014, p. 58)
O segundo evento inaugural da Momune aconteceu em 6 e 7 de junho de 1998, no Primeiro Encontro de Mulheres Negras de Quito. Como já foi mencionado, um ano depois foi criada a Conamune, uma organização com uma longa trajetória e reconhecimento nacional e internacional. Essa organização possui núcleos em Esmeraldas, Pichincha, Imbabura, Carchi, Sucumbíos, El Oro, Orellana e Guayas.
Na década de 2000, a presença de organizações de mulheres afro-equatorianas cresceu exponencialmente. Por isso, convém levar em conta a estrutura e a regulamentação que essas organizações conquistaram por meio de mudanças constitucionais que levaram a um reconhecimento indenitário tanto para as pessoas negras quanto para as mulheres. As Constituições equatorianas de 1998 e 2008 incluíram as pessoas negras como sujeitos políticos e colocaram as mulheres em um lugar de maior relevância.
MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS E VISIBILIDADE DAS MULHERES AFRO-EQUATORIANAS ORGANIZADAS
No início da década de 2000, em 2003, especificamente, as mulheres afro-equatorianas pertencentes à Conamune formaram uma aliança com a Rede de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Caribenhas[4] que se concretizou na realização do 3º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Caribenhas.[5] Com isso, houve um processo de globalização das discussões, articulações e preocupações comuns às mulheres da região andina, especialmente do Equador, e às mulheres negras em outras partes do mundo.
Entre 2007 e 2009, várias entidades, incluindo o Centro de Educación y Promoción Popular (CEPP), o National Endowment for Democracy (NED), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD-Equador), a Secretaria de Povos, Movimentos Sociais e Participação Cidadã, criaram o Conselho de Coordenação Política Afro-Equatoriana (Cocopae).[6] A análise dos arquivos desse órgão é essencial para dar dimensão ao nível de progresso alcançado pelo discurso das mulheres afro-equatorianas entre os anos 1990 e a primeira década do século XXI. Em várias províncias do Equador, se deram diversas expressões políticas de mulheres negras. Os documentos consultados mencionam apenas as províncias com maior porcentagem de população afro-equatoriana, mas cabe recordar que existiam e continuam existindo formas de organização de mulheres afrodescendentes em todo o território nacional.
No diretório da Cocopae, estão registradas 75 organizações de mulheres afro-equatorianas, distribuídas da seguinte forma: quatro organizações no Conselho Político das Províncias de Imbabura e Carchi, dez no Conselho Político das Províncias de Pichincha e Santo Domingo de los Tsáchilas, trinta e cinco no Conselho Político da Província de Esmeraldas, 16 no Conselho Político da Província de Guayas, nove no Conselho Político da Província de El Oro e uma organização no Conselho Político da Província de Sucumbíos (1). Como se pode observar, o maior número de organizações está na província de Esmeraldas, seguida pela província de Guayas; o terceiro lugar com maior número de organizações de mulheres afro-equatorianas é a região formada pelas províncias de Pichincha e Santo Domingo de los Tsáchilas, seguida pela região formada por Imbabura e Carchi e, finalmente, pela província de Sucumbíos.
ALIANÇAS E DESENCONTROS COM OS FEMINISMOS
Neste ponto, é importante mencionar duas questões que, por muito tempo, diferenciaram a organização política das mulheres negras no Equador. A primeira delas é que, durante o período analisado até agora, não era comum as mulheres afro-equatorianas que estavam na liderança dos movimentos se autoidentificarem como feministas, nem mesmo dentro das correntes de feminismos negros que estavam se desenvolvendo na América Latina e no mundo até aquele momento.[7] A segunda questão é a relação política estabelecida com as organizações feministas do Equador, que rendeu frutos importantes para a visibilidade de algumas lideranças femininas afro-equatorianas, como Alexandra Ocles.[8] Em uma entrevista conduzida por mim, ela fez as seguintes reflexões sobre a relação entre as organizações feministas do Equador e as organizações de mulheres afro-equatorianas:
Acho que havia muita proximidade porque esse era um espaço novo, porque o movimento de mulheres [negras] não era pensado a partir do feminismo, essa leitura do feminismo não estava presente para nós, começou a aparecer à medida que começamos a participar de processos de formação e capacitação, mas inicialmente existia essa possibilidade de nos reunirmos, de falarmos sobre os aspectos específicos da questão das mulheres, de procurar alternativas próprias para nossa consolidação como movimento ou como organização, de procurar formas de apoiar outras mulheres que sofriam casos de exploração trabalhista, que tinham sido demitidas de seus empregos ou que eram empregadas domésticas e estavam sendo superexploradas, ou que tinham sido demitidas depois de três meses sem pagamento, coisas assim. Ou seja, existia um espaço de encontro, de conversa entre nós, de construção para encontrar alternativas de forma conjunta, e nós tínhamos muita conexão com o resto do movimento de mulheres, com a Coordenação Política [de Mulheres Equatorianas], com o Fórum Permanente da Mulher, essas foram as duas organizações mais próximas, particularmente. Eu participei da Coordenação Política de Mulheres, fui candidata à deputada em 1998 pela lista de mulheres, tivemos experiências de conexão muito interessantes e que levaram a uma visibilidade maior nossa por realizar ações de forma conjunta. (Ocles, declaração pessoal, 19 de fevereiro de 2013)
Apesar das alianças e dos encontros políticos realizados com as organizações feministas, esses laços não duraram muito. Infelizmente, devido a um conjunto de dissabores, as mulheres afro-equatorianas perceberam que, mais uma vez, suas agendas, necessidades e demandas estavam sendo colocadas à margem. Nesse aspecto, ela expressou:
Naquele momento rompemos com as mulheres dos setores populares um pouco por causa dessa visão mais focada em classe que elas tinham, sem considerar nossas questões étnicas, questões específicas, porque não é bem assim, só ser mulher, você é mulher negra, mulher indígena e tem outras conotações. Além disso, acho que aconteceu algo interessante ali, que foi colocar para eles a discussão de que o feminismo não é uma coisa só, e que a questão das mulheres não é uma só, e que existem outras nuances e outras entradas que exigem outras leituras sobre a realidade dessas mesmas mulheres. Então, essa foi uma grande contribuição nossa, no sentido de questionar o próprio movimento de mulheres. Pensar que, por ser mulher, é a mesma coisa para todas, algumas são, outras não, e tivemos que fazer disso uma questão delas também, para que pudessem fazer uma leitura da própria posição que ocupavam dentro do feminismo, como mulheres de classe média, mulheres acadêmicas, mulheres ligadas a ONGs e coisas assim. (Ocles, declaração pessoal, 19 de fevereiro de 2013)
O desapontamento manifestado por Alexandra Ocles em relação às organizações feministas equatorianas não representa uma experiência isolada e individual, pois existem outros relatos de mulheres afro-equatorianas que, com as próprias palavras, mencionam exatamente a mesma coisa. Um outro exemplo disso é o da advogada e acadêmica negra Olivia Cortés, de Guayaquil. Essa liderança, que desde a década de 1970 participou de organizações feministas equatorianas, disse as seguintes palavras no evento “Existe um feminismo afro-equatoriano?”, organizado pela Flacso em 2013:
Falando de ações concretas aqui no Equador, temos, por exemplo, o que aconteceu na fundação da Ação pelo Movimento de Mulheres em Guayaquil, uma experiência em que, com a visão parcial que eu tinha naquela época, ainda menina, acabei me incorporando, e algumas questões da agenda internacional das mulheres eram abordadas, a questão da crise estava incluída, naquela época também se falava do imperialismo, da invasão do Panamá, do problema da Nicarágua, mas em nenhum lugar o problema das mulheres negras aqui no Equador era mencionado, e eu era uma das jovens negras, uma das poucas que participava, éramos muito poucas, e a Ação pelo Movimento de Mulheres estava formada por quem? Por mulheres de classe média, mestiças[9], especialistas, algumas delas representantes de instituições governamentais. Portanto, a questão das mulheres negras ficava ofuscada nesse grupo que estava formando o Movimento de Mulheres do Equador, que começou como Ação pelo Movimento de Mulheres. (Mesa-redonda “Existe um feminismo afro-equatoriano?”, FLACSO, 2013 citado em Moreno-Zapata, 2014, p. 53)
As declarações dessas duas mulheres afro-equatorianas revelam as principais tensões entre as organizações feministas do Equador e as organizações de mulheres afro-equatorianas. Embora as relações entre esses dois tipos de organizações parecessem promissoras no início, com o passar do tempo, os interesses e, acima de tudo, as prioridades que cada uma delas considerava urgente em suas agendas se tornaram mais evidentes. As demandas das mulheres negras estavam secundarizadas, como já tinha ocorrido em outros tipos de organizações, incluindo as organizações mistas da população afro-equatoriana.
É importante fazer esses esclarecimentos porque eles me permitem avançar no tempo e chegar aos discursos e tipos de vínculo elaborados pelas organizações de mulheres jovens afro-equatorianas atualmente. Embora tenham se passado muitos anos desde as décadas de 1970, 1980 e 1990, as mulheres jovens das organizações afro-equatorianas têm percepções muito semelhantes àquelas manifestadas pelas mulheres que as precederam na luta política e na defesa dos direitos das filhas da diáspora africana.
AS REFLEXÕES POLÍTICAS ATUAIS DAS MULHERES AFRO-EQUATORIANAS
A extensão deste artigo não permite um maior aprofundamento dessa questão, mas acredito que é essencial mostrar às leitoras e leitores as mudanças que ocorreram ao longo do tempo com os lugares de enunciação das mulheres negras que vivem e têm uma participação política ativa no Equador.
A dinâmica dos atuais sistemas de comunicação e as oportunidades de diálogo em diferentes idiomas permitiram que as mulheres afro-equatorianas consolidassem o lugar de protagonismo que suas antecessoras alcançaram na região latino-americana e no mundo. Em uma primeira aproximação a esse assunto, pude conhecer alguns nomes de organizações de jovens mulheres afro-equatorianas que se destacam atualmente: Mujeres de Asfalto (uma organização mista liderada por mulheres), Corape (uma organização que faz parte do Momune), Mujeres Ashe, La Movida Antirracista (uma organização que há pouco tempo se chamava Movida Feminista), Fundação Nia Kali, Red de Mujeres Afrodiversas e El Cambio.
A partir das informações encontradas em meios de comunicação e nas redes sociais sobre essas organizações e suas lideranças, é possível saber que a maioria delas se posiciona como feminista. Entre os temas de interesse de algumas delas estão aqueles relacionados a territórios coletivos, racismo, defesa dos direitos de pessoas trans e da diversidade sexual, aborto, desmantelamento do patriarcado e resgate da identidade cultural afro-equatoriana e afro-diaspórica. Elas também se dedicam à ampliação da participação política das mulheres, dos direitos trabalhistas, da autonomia sobre seus corpos e do reposicionamento da estética afrodescendente, entre outros. A participação delas no ativismo e na militância costuma transcender as fronteiras nacionais, e elas participam de redes e cenários políticos mobilizados em espaços internacionais presenciais e virtuais. Não existem muitos espaços de articulação permanente entre as organizações de mulheres jovens e as que já estão no cenário político há muitos anos, mas esses tipos de encontros acontecem eventualmente.
Também tive a oportunidade de entrevistar duas lideranças de duas das organizações mencionadas: Juana Carol Francis Bone, que dirige o coletivo Mujeres de Asfalto,[10] e Génesis Anangonó, que milita ativamente na organização La Movida Antirracista.[11] As conversas com essas duas jovens lideranças afro-equatorianas me permitiram elucidar quais questões mudaram e quais permanecem inalteradas nas lutas das mulheres negras que vivem no país.
As respostas dessas duas mulheres trouxeram vários elementos fundamentais para as reflexões propostas neste artigo. Quando perguntei à Juana Carol Francis Bone qual é o lugar do pensamento feminista na organização e qual a relação delas com as organizações feministas do Equador, ela disse:
A primeira coisa é que no ano passado fizemos uma pesquisa sobre feminismo negro no Equador e ouvimos muitas vezes as companheiras dizerem que não se identificavam com o feminismo. Ouvimos isso de companheiras negras organizadas e daquelas que não estão nas organizações. E elas não se reconhecem no feminismo porque sempre conviveram de perto com o feminismo branco, com os efeitos do feminismo branco para os corpos das pessoas negras. E nós dissemos a elas a quê nos referirmos ao falar de feminismo negro, reconhecendo tanto a espiritualidade do processo coletivo quanto a memória dele. Ou seja, nós não podemos desvincular a parte espiritual do processo de organização, muito menos do impacto que ela tem nas nossas lutas, na sustentação da memória coletiva dentro do feminismo negro ou do feminismo popular, isso é fundamental para nós. Esses valores de luta, de reivindicação e de resistência estão presentes, sem perder de vista que a qualquer momento o feminismo branco pode dizer que você tem que ceder por sororidade, enquanto o feminismo negro não faz esse tipo de abordagem, ele reconhece que há uma dimensão da existência que é coletiva e outra que é individual, e que ambas devem ser construídas de forma equilibrada dos dois lados. Uma coisa que eu acabei identificando depois, com essa pesquisa, é que se esse reconhecimento não está dado, ou que se o feminismo não é um lugar de autodeterminação para algumas companheiras, isso se deve justamente à violência sofrida pelas mulheres negras no processo político de reivindicação do próprio espaço no espaço público. Se você ouvir as entrevistas, vai ficar (…) pensando: caramba, como o feminismo branco tem sido cruel com as mulheres negras no Equador.[12] A outra coisa é que acredito que estamos em um processo de reconhecimento do feminismo negro, que nós, ativistas no Equador, estamos vivendo um processo mobilizado pelas mulheres mais jovens e não pelas mulheres mais velhas. Porque as mulheres mais velhas que viveram toda essa violência, e não quero com isso justificar, apenas dizer que é compreensível, elas têm uma resistência à palavra feminismo, mas é por causa de todo esse grau de violência que continuamos vivendo até hoje. (Francis, declaração pessoal, 26 de junho de 2023)
Deixar de chamar de “tensões” e passar a nomear como violência os desencontros enfrentados pelas mulheres negras em relação às formas hegemônicas de feminismo no Equador é uma das abordagens mais radicais adotadas ao longo dos anos. Durante muito tempo, as mulheres afro-equatorianas tiveram uma postura de evitar nomear concretamente o conjunto de dores e decepções que tinham acumulado de forma individual e coletiva nas organizações de mulheres. Genesis Anangonó também reconheceu os diferentes tipos de violência vividos nas organizações feministas atualmente. O caso de Anangonó tem nuances particulares porque, após trabalhar no meio de comunicação digital WambraEc[13], ela decidiu denunciar publicamente as injustiças e os maus-tratos sofridos por ela e por outras mulheres nesse espaço. Sobre esse assunto, ela declarou:
Eu e a Mishell trabalhamos na Wambra em épocas diferentes, então este ano nós decidimos fazer uma denúncia pública[14] de toda a violência racista e a exploração trabalhista que vivenciamos nesse espaço. Não fomos as únicas a denunciar, foram se somando outras companheiras que trabalharam nesse espaço em outros momentos e que passaram exatamente pelas mesmas coisas (…). Depois, fomos acusadas de punitivismo, de ter rachado o movimento feminista, disseram que era falta de sororidade, e, claro, todos esses questionamentos vieram principalmente das feministas históricas (…). Todas essas coletivas começaram a nos questionar, foi algo bem generalizado da parte delas, então foi como um basta, quer dizer, é isso, não dá mais.
Antes disso, já tínhamos tido essa conversa sobre se realmente queríamos continuar a nos identificar como feministas, se de fato era isso que poderia dar um plus à nossa luta, (…) e foi aí que demos essa guinada para ser uma coletiva totalmente antirracista, pensada partir de uma lógica antipatriarcal, com enfoque de gênero, obviamente, eu não deixei de militar no feminismo. Sei que é uma questão até de masoquismo,[15] mas também penso que abrir mão ou abandonar esses espaços, embora eu realmente não queira mais estar neles, nem compartilhar espaços com essas pessoas, eu acredito que o feminismo é uma prática diária, cotidiana e coletiva, que também pode estar presente naquilo que fazemos. É por isso que eu não abandonei o feminismo, mas nosso espaço já não está mais concebido a partir de uma lógica feminista. (…) [porque] essa já não é mais a forma de articulação que funciona para nós, embora no começo pensássemos que sim, percebemos que definitivamente não é, porque não é um espaço seguro. (Anangonó, declaração pessoal, 27 de junho de 2023)
Nos relatos das duas mulheres, fica evidente como a sororidade deixou de ser um conceito de irmandade, união e criação de laços sólidos e se tornou uma fonte de pressão e chantagem para impor determinados comportamentos e modos de pensar às mulheres afro-equatorianas. Considerando o que Anangonó e Francis afirmam, também é essencial refletir sobre a falta de debate a respeito da sensação de insegurança que as mulheres negras afirmam sentir nas organizações feministas, espaços que afirmam ter como filosofia ser um local de proteção e confiança para todas as mulheres.
O que as mulheres jovens demonstram, diferentemente das mulheres com uma trajetória histórica mais longa, é que elas já não identificam as formas de atuação das organizações feministas do Equador com o feminismo em geral. As organizações atuais conseguiram encontrar e criar vertentes do feminismo que atendam suas agendas, demandas, direitos e convicções. Ao recuperar produções acadêmicas e intelectuais de mulheres negras e resgatar a espiritualidade e a memória comunitária, elas podem validar suas próprias interpretações sobre o significado dos feminismos afro-diaspóricos, decoloniais, negros, comunitários e populares. Sobre esse assunto, Génesis Anangonó menciona a importância da formação acadêmica formal e da formação autônoma, tanto para ela como para as demais integrantes da organização da qual faz parte. Ela comenta:
Desde o início, sempre pensamos nos feminismos negros que estão amplamente difundidos, aos quais tivemos mais acesso, porque é mais fácil encontrar teoria de mulheres negras do norte global, como é o caso clássico da Angela Davis, e foi isso que nos aproximou das teorizações que vinham dos feminismos negros. Aí em determinado momento eu comecei a consumir outros tipos de conteúdo, principalmente nas redes sociais, que falavam de feminismos decoloniais. Então, por pura curiosidade, comecei a pesquisar no Google o que isso tinha a ver com a gente, quais eram as apostas teóricas desse giro decolonial, e então percebi que tinha muita relação, e também entendi que o feminismo decolonial é a corrente que surge na América Latina, que está sendo trabalhada principalmente pelas mulheres caribenhas e que leva em conta várias questões.
Porque, embora os feminismos negros condensem grande parte da experiência vivida pelas mulheres negras, a maior parte disso está concentrada no norte global. Falando em América Latina, temos outras realidades, temos outros contextos, e talvez os feminismos decoloniais tenham mais proximidade e uma consideração mais abrangente dessas realidades e da questão de que, como diz Ochy Curiel, não sonhamos só em salvar as mulheres, sonhamos em salvar o mundo, e nesse mundo há mulheres e também homens, toda a diversidade sexual e de gênero, meninos e meninas, e pensamos no coletivo.
Portanto, essa era uma visão mais global de Ubuntu e começamos a refletir a partir disso. (… ) Foi assim que passamos a entender a questão dos feminismos decoloniais, que para nós agora é a Yuderkis, a Ochy, e também temos lido autoras racializadas, mulheres negras, mulheres indígenas que ainda não circulam tanto, por exemplo, mas que são feministas que abandonaram o feminismo por motivos semelhantes aos nossos, e que falam da importância da luta antipatriarcal, ou que pelo menos esses feminismos nos quais nós militamos, ou que queremos apoiar, têm que ser diversos, e não necessariamente pautados por essa agenda hegemônica do feminismo em geral. (Anangonó, declaração pessoal, 27 de junho de 2023)
Isso que Anangonó explica demonstra que as preocupações e questionamentos das mulheres afro-equatorianas passam por diferentes lugares atualmente. Por um lado, elas estão abertas a aprender sobre o desenvolvimento de teorias e análises produzidas por mulheres de descendência africana. Por outro lado, embora tenham consciência dos pontos de conexão e de vínculo com as mulheres da diáspora africana em diferentes países, elas também reconhecem as distâncias e tensões que podem surgir em razão da localização geoespacial e de noções imperialistas que afloram nos países considerados desenvolvidos. Embora a produção de conhecimentos dos feminismos negros do Caribe com perspectiva decolonial esteja mais próxima, por compartilhar realidades latino-americanas, a entrevistada deixa claro que está pensando em uma relação local-global complexa e dinâmica, tentando situar o que as mulheres negras da região andina, especificamente do Equador, sentem e denunciam.
Juana Francis, por sua vez, menciona que a forma como vê os feminismos está atravessada e permeada profundamente pelas noções de comunidade-comunalidade, em que a relação com os saberes e as tradições espirituais cumpre um papel fundador e fundamental. Em sua narrativa, ela traz como referência política e intelectual as pessoas afro-equatorianas que lutaram e exigiram da sociedade e do Estado equatoriano o reconhecimento legal das comunas[16] no norte da província de Esmeraldas. Ela dá destaque particular às mulheres e aproveita o espaço da entrevista para enfatizar algo que considera muito importante: reivindicar a necessidade de valorizar e enaltecer os nomes e sobrenomes das mulheres negras que fizeram história no Equador.
Além disso, para Juana Francis, o valor da espiritualidade para as pessoas jovens e adultas afro-equatorianas é uma das questões que distanciam e separam as organizações feministas formadas por mulheres brancas das organizações formadas por mulheres negras. Ela explica com muita clareza que:
o que acontece é que agora estamos em uma época em que o acesso à informação é totalmente diferente, e algo que reconhecemos agora é que o feminismo negro é internacionalista, nos posicionando a partir dele como diáspora, reconhecendo-o como diáspora, algo que não acontece com o feminismo branco ou com o feminismo mestiço. Elas se posicionam com uma memória territorial mais limitada, enquanto o feminismo negro envolve mais coisas e está mais associado politicamente a outras questões, como espiritualidade, resistência, território e corpo. O feminismo branco não tem um vínculo com a espiritualidade, porque nem sequer a vê como uma reivindicação da memória coletiva, mas sim como “ah, essa gente mística e seus rituais”; é assim que somos vistas. Então, tem algo ali que acaba apagando a mestiçagem e é por isso que, essencialmente, ele é fraco e falho. O feminismo negro (…) reconhece questões sensíveis como a espiritualidade, enquanto o feminismo branco diz: “Não dá para ser feminista e católica, não dá para ser feminista e ser macumbeira, isso é feitiçaria”. Essa disputa acaba criando um conflito muito delicado em torno da espiritualidade e o que ela representa como alimento no terreno pessoal também, e que é extremamente político e extremamente reivindicativo. Então, como já acontecia com as feministas negras, nós somos constantemente rejeitadas, questionadas e lembradas do nosso não-lugar político e é justamente por esse tipo de ação que reivindicamos o feminismo negro, porque no feminismo negro há um reconhecimento particular, há uma ampliação da visão que temos de nós mesmas, de nos reconhecermos a partir dessa diversidade, porque há também uma diversidade espiritual que se conecta com a reivindicação política.
Com base nessas duas entrevistas, é possível observar como suas próprias vozes alcançaram maior peso nas noções da teoria e da prática dos feminismos negros no Equador. As experiências das mulheres que iniciaram as lutas políticas na década de 1970 constituíram as bases fundamentais para que tanto as mulheres adultas quanto as jovens se sentissem livres e confiantes para dar vida, pouco a pouco, a um feminismo negro andino que reivindica e transmite os elementos culturais, sociais e acadêmicos que as distinguem. Essas formas de reinterpretar os feminismos em geral e os feminismos negros em particular permitem que elas continuem delineando espaços autônomos seguros e traçando rotas para que a priorização de suas agendas e demandas deixe de ser uma questão pendente e passe a estar no centro das lutas.
CONCLUSÕES
Cabe recordar às leitoras e leitores que aqui não se pretende marcar a década de 1970 como o momento de surgimento das lutas das mulheres afro-equatorianas, pois as mulheres africanas e suas descendentes vêm lutando por suas liberdades, direitos e pela própria dignidade desde antes de deixarem o continente africano como escravizadas e desde que pisaram pela primeira vez no continente americano. Portanto, a trajetória política das mulheres afro-equatorianas tem uma longa e importante história no país.
Os direitos conquistados pelo povo afro-equatoriano ao longo da história foram alcançados graças à determinação e ao trabalho incansável de muitas mulheres que dedicaram suas vidas, sua sabedoria e força para contribuir com a construção de um país e um mundo melhor para todas e todos. Os legados que hoje podem ser usufruídos pelas mulheres jovens são uma prova do importante papel que muitas mulheres afro-equatorianas organizadas desempenharam na história política, social, cultural e econômica do país. Inicialmente, elas fizeram parte de organizações mistas de pessoas negras, e, com o passar do tempo, compreenderam que era necessário ter como foco, particularizar e especificar tanto as demandas quanto os espaços políticos por meio dos quais poderiam conquistar e exercer seus direitos de forma plena.
Embora as informações apresentadas neste artigo evidenciem que muitas organizações de mulheres afro-equatorianas existiram no país, também é necessário mencionar que várias delas enfrentaram dificuldades que impediram um maior alcance de suas trajetórias históricas. Esse é um dos motivos pelos quais seria pertinente realizar um novo exercício de reflexão para conhecer a história interna dessas organizações e como essas realidades conturbadas impactaram sua permanência social e política.
Muitas das mulheres que se engajaram nas décadas de 1970, 1980 e 1990 traçaram um importante caminho para os processos de ação e de reivindicação e exercício de direitos que têm ocorrido até hoje. Apesar das tensões com o movimento feminista, com as organizações mistas do movimento afro-equatoriano e até mesmo entre organizações de mulheres de diferentes faixas etárias, é possível perceber o grau de maturidade e individualidade que as mulheres afro-equatorianas alcançaram em todos esses anos de visibilidade política.
REFERÊNCIAS
Antón Sánchez, J. El proceso organizativo afroecuatoriano: 1979-2009. Dissertação de mestrado. FLACSO Sede Ecuador, 2009.
CONAMU. Agenda política de mujeres NEGRAS del Ecuador: las mujeres NEGRAS también somos país luchemos por nuestra identidad. Quito, 2009.
Consejo Nacional de Mujeres Negras del Ecuador (Conamune). Mujeres Afroecuatorianas hacia el III Encuentro de Mujeres Afrolatinoamericanas y Afrocaribeñas, 2003.
Centro de Educación y Promoción Popular (CEPP), The National Endowment for Democracy (NED), Programa de Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD-Ecuador), Secretaría de Pueblos, Movimientos Sociales y Participación Ciudadana. Arquivo da Cocopae, 2007.
León, E. Pensamiento político desde las mujeres afroecuatorianas. En Historia de las mujeres e historia de género en el Ecuador, 119-147. INAP / Ministerio de Cultura del Ecuador / CONAMU, 2006.
Moreno-Zapata, Francia. J. Mujer afroecuatoriana como sujeto político: Estrategias, resistencias o re-existencias. Quito: Editorial Abya Yala, 2014.
______________________. ¿Todas deberíamos ser feministas?: Mujeres afroecuatorianas frente al feminismo negro. Investigaciones Feministas, Universidad Complutense 9(2), 2018.
[1] Francia Jenny Moreno Zapata, advogada pela Universidade Santiago de Cali, Colômbia, com especialização em Gestão de Desenvolvimento pela Universidade Andina Simón Bolívar, Equador; mestrado em Ciências Sociais na linha de pesquisa de Gênero e Desenvolvimento pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), Equador; e doutorado em Ciências Sociais pelo programa de Relações de Poder e Cultura Política da Universidade Autônoma Metropolitana UAM, Xochimilco, México.
[2] Alguns exemplos podem ser encontrados no trabalho dos intelectuais negros John Antón (2009) e Edizon León (2006).
[3] Coordenação Nacional de Mulheres Negras.
[4] “Em 1992, como resultado do Primeiro Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, foi formada a Rede de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Caribenhas, com a participação de mulheres negras e organizações de trinta e três países da região. O Primeiro Encontro propiciou a discussão, o intercâmbio e a avaliação da situação de discriminação, violação dos direitos humanos, pobreza e subordinação cultural vivida pelas mulheres negras na América Latina e no Caribe; conclui-se que a situação de exclusão sistemática das Mulheres Afro-latino-americanas e Caribenhas é generalizada, razão pela qual a articulação regional constitui um instrumento estratégico na busca de soluções” (Conamune, 2003, p. 5).
[5] Os temas abordados no 3º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Caribenhas foram: educação e educação étnico-racial; cultura e identidade; saúde e violência; participação política e gênero; desenvolvimento produtivo, microempreendedorismo; direitos das mulheres; infância e adolescência; fortalecimento (Conamune, 2003).
[6] Fica estabelecido que essa instância é uma “contribuição ao processo de unificação e desenvolvimento etnopolítico do povo afro-equatoriano” (Documento de arquivo da Cocopae, 2007, p. 1).
Arquivos de 2007-2009: registro dos processos de organização de base, sindicatos, federações provinciais, confederações afro-equatorianas regionais e nacionais nas províncias de Carchi, El Oro, Esmeraldas, Guayas, Imbabura, Los Ríos, Orellana, Santo Domingo de los Tsáchilas e Sucumbíos (Documento do diretório da Cocopae, 2007-2009, p. 2).
[7] Para informações mais detalhadas sobre esse tema, consultar meu artigo, Moreno Zapata, F. J. (2018). ¿Todas deberíamos ser feministas?: Mujeres afroecuatorianas frente al feminismo negro. Investigaciones Feministas, Universidad Complutense 9(2).
[8] Alexandra Ocles é uma das mulheres afro-equatorianas que, além de se destacar como liderança de organizações sociais, ocupou vários cargos importantes nos no Poder Executivo e Legislativo. Entre as organizações da sociedade civil das quais participou estão a Frente Afro-equatoriana PAIS, sendo uma de suas fundadoras, a Coordenação Nacional de Mulheres Negras do Equador, o Movimento de Mulheres Negras de Quito, o Movimento Afro-equatoriano Conciencia, a Aliança Estratégica de Afrodescendentes na América Latina, o movimento Ruptura 25 e algumas organizações de juventude. Entre seus cargos políticos estão: deputada da Assembleia Nacional 2013-2017, presidenta da Comissão de Transição do Conselho das Mulheres e da Igualdade de Gênero 2012-2013, ministra-secretária de Povos, Movimentos Sociais e Participação Cidadã 2009-2011, deputada pela província de Pichincha na Assembleia Constituinte 2008-2009.
[9] N. T.: A população mestiça (mestiza no original), formada por descendentes de espanhóis e indígenas, é o principal grupo étnico do Equador em termos de autoidentificação, sendo considerado como “verdadeiramente equatoriano” devido ao embranquecimento e exclusão da população negra e indígena no processo de construção da identidade nacional. No último censo do país, realizado em 2010, 71,9% da população se identificou como mestiza. Não confundir com o termo “mestiço” no contexto racial brasileiro.
[10] É assim que Francis descreve a organização que preside: “Primeiro começamos como Coletivo Mujeres de Asfalto, há 15 anos, este ano vamos fazer 15 anos, há 4 ou 5 anos somos uma fundação, como entidade jurídica, mas nosso trabalho continua. A organização não é composta exclusivamente por mulheres negras, mas é uma das organizações mistas lideradas por mulheres negras. No momento, estamos presentes em 11 cidades do país, trabalhando em coordenação com outras organizações; nacionalmente, temos um grupo de 76 voluntárias e, no nosso escritório físico, nosso órgão central, às vezes somos 6 e às vezes 8, dependendo do tipo de projeto que estamos realizando”. (Francis, declaração pessoal, 26 de junho de 2023)
[11] Em relação à organização Movida Antirracista, Génesis Anangonó diz que “a Movida Antirracista, antes de se definir assim, era a Movida Feminista, esse espaço nasceu na pandemia, durante o confinamento (…) atualmente, temos uma companheira da província de Esmeraldas, da cidade San Lorenzo, mais especificamente, que se chama Alexia, também temos a companheira Mishell Mantuano, que é de Santo Domingo, e outra companheira está prestes a se juntar a nós, o nome dela é Eli Mosquera, ela também é de Esmeraldas, e uma companheira chamada Samy Congo, daqui de Quito (…)”. (Anangonó, declaração pessoal, 27 de junho de 2023)
[12] Grifo meu.
[13] O site desse meio de comunicação descreve a organização da seguinte forma: “Durante seis anos nós organizamos um horário especial alternativo para a juventude em uma rádio de Quito. Em 2009, essa rádio deixou de oferecer uma programação alternativa, então decidimos criar nosso próprio meio de comunicação. Foi assim que nasceu a Rádio Wambra em 2010. Ao longo dos anos, nos especializamos em cobrir mobilizações sociais e abrir espaço no rádio para diversos coletivos, ou o que chamamos de ‘comunidades de sentido’, do campo e da cidade: feministas, comunidade LGBTI, ambientalistas, organizações de direitos humanos, jovens, indígenas, pessoas negras. Em 2017, a Rádio Wambra passou a ser Wambra. Ec, um meio digital multimídia. Embora a maioria das pessoas ainda nos identifique como Rádio Wambra, hoje a Wambra é rádio, vídeo, texto, jornalismo investigativo, de dados, inovação, fotografia e ilustração.
Wambra significa jovem em Kichwa, mas para nós, hoje, significa fazer um meio de comunicação: um meio que se renova, que cria, que não envelhece, que não se acomoda e que está aberto a aprender e a transformar.
Nosso meio de comunicação promove uma abordagem de gênero e de direitos em todo o seu conteúdo, bem como uma visão intercultural e intergeracional, que tem como base a interseccionalidade.
A Wambra trabalha em parceria com a Fundación El Churo, uma organização sem fins lucrativos voltada para a reivindicação da Liberdade de Expressão e do Direito à Comunicação para grupos historicamente excluídos dos meios de comunicação no Equador”. Em: <https://wambra.ec/somos/>, última consulta realizada em 2 de julho de 2023.
[14] “Em um artigo publicado pelo blog ‘La Movida Feminista’, que não está mais disponível na internet, várias ex-integrantes do meio de comunicação digital Wambra denunciaram os diretores por maus-tratos, descumprimento do contrato de trabalho e sobrecarga. Na denúncia, foram mencionadas diversas falhas relacionadas à gestão desse meio de comunicação, destacando a falta de coerência com os princípios defendidos pelo portal. As responsáveis pela denúncia relataram também assédio no trabalho, apresentando o caso inusitado de terem sido obrigadas a reescrever um mesmo conteúdo em 18 ocasiões, bem como a dinâmica dos casais no local de trabalho que, segundo elas, afetava o ambiente de trabalho” Em <https://www.planv.com.ec/confidenciales/confidencial-sociedad/el-conflicto-el-medio-digital-wambra-abre-el-debate-sobre-la>. Última consulta realizada em 2 de julho de 2023).
[15] Grifo meu.
[16] N. T.: As comunas são territórios de comunidades tradicionais afrodescendentes com séculos de existência, como são os territórios quilombolas no Brasil.