Em apresentação de autobiografia, alemão Lutz Taufer relembra de seu passado na Fração do Exército Vermelho (RAF), do sequestro na Embaixada Alemã de Estocolmo e dos 20 anos que ficou preso
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Memórias de luta e encarceramento
09/08/2018
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Por Fundação Rosa Luxemburgo

Em apresentação de autobiografia, alemão Lutz Taufer relembra de seu passado na Fração do Exército Vermelho (RAF), do sequestro na Embaixada Alemã de Estocolmo e dos 20 anos que ficou preso. “Ainda existe muito ódio, e precisamos superar isso”.

Por Fundação Rosa Luxemburgo

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Lutz Taufer e Flávio Tavares na apresentação do livro em São Paulo

“Na luta por uma sociedade melhor, não é possível matar presos para libertar outros presos. Precisei de tempo para pensar assim e na prisão eu tive tempo”. É assim que o alemão Lutz Taufer relembra o momento mais dramático do sequestro de reféns na Embaixada Alemã de Estocolmo, em 1975, e fala dos vinte anos seguintes em que ficou encarcerado. Como integrante da Fração do Exército Alemão (RAF), o grupo Baader-Meinhof, ele participou diretamente da ação desastrada que resultou na morte de quatro pessoas, sendo dois reféns executados. Acabou preso na ação e ficou duas décadas detido, cumprindo parte da pena em isolamento.

Taufer fala sem rodeios do episódio, demonstrando arrependimento e ponderação, sempre com o cuidado de contextualizar a complexa situação política que levou a uma ação tão extrema. O tom é o mesmo com o qual ele relembra outros episódios marcantes na sua autobiografia Atravessando Fronteiras (trad. Kristina Michahelles), publicada pela editora Autonomia Literária com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. A obra foi apresentada em um debate na noite de terça-feira, 7 de agosto, em São Paulo. O evento contou com participação também do jornalista e escritor brasileiro Flávio Tavares, autor da apresentação do livro e do ensaio As três mortes de Che Guevara (L&PM, 2017)  e teve mediação de Gerhard Dilger e Christiane Gomes, respectivamente diretor e coordenadora de comunicação da FRL.

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O autor durante o lançamento

A vida de Taufer é tão complexa quanto o período que viveu. Nascido na Alemanha logo após a Segunda Guerra Mundial, cresceu em uma sociedade ainda marcada pelo amargo do nazismo. Envolveu-se na política nos apaixonantes anos de 1960 e 1970, entrou na luta armada e acabou preso, em condições brutais. Depois, libertado, se reinventou, migrou para o Brasil e passou a se dedicar ao trabalho social em favelas no Rio de Janeiro.

Hoje é integrante da diretoria da ONG alemã Serviço pela Paz Mundial (Weltfriedensdienst). Sua autobiografia é o resgate de um período histórico marcante, narrado de maneira extremamente pessoal. As páginas retratam não só a época, mas os conflitos internos e os momentos de angústia do próprio autor.

 

Isolamento e tempo de reflexão
Durante parte da pena que teve que cumprir, Taufer ficou em isolamento total, o que compara à tortura. “Você está sozinho e tem que aprender a lidar com isso. O organismo humano precisa de estímulos. Se é demais, gera estresse. Se é pouco, a mesma coisa”, descreve. Ele associa a dificuldades de audição que sofre hoje aos períodos prolongados de silêncio na solitária. “Para alguém que nunca viveu essa experiência entender, é como ficar bêbado e no dia seguinte ter a cabeça totalmente inchada, todos os dias. É preciso aguentar isso, criar técnicas, metodologias para superar. Eu fazia cálculos de cabeça. Ou decorava poemas de amor de Bertolt Brecht. Eu escrevi cartas compridas. Escrever na prisão para mim foi a salvação”, diz o autor.

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Ao lado de Christiane Gomes, Gerhard Dilger e Lutz Taufer, Flávio Tavares comenta livro

Para Flávio Tavares, foi o tempo preso que fez com que Taufer aprimorasse as reflexões que apresenta no livro. “O que explica a visão filosófica que ele nos dá é esse isolamento. É impressionante a capacidade dele e dos demais companheiros de resistirem a algo mais brutal que o choque elétrico. Estar em isolamento é como estar desligado do restante do mundo. É como se nos colocassem em Marte ou na Lua sozinhos, sem saber se há regresso”, defende o jornalista, que participou da luta armada no Brasil e, assim como Taufer, também acabou detido e torturado, como ele relata na sua reportagem clássica Memórias dos esquecimento (L&PM, reedição ampliada 2012).

Além de lembrar do internacionalismo  e os contextos dos movimentos estudantis na Alemanha e no Brasil, nos anos 60, ambos apresentaram também uma análise sobre o contexto político atual, manifestando preocupação com a ascensão da extrema direita tanto no Brasil quanto na Alemanha.

Para Tavares, os cortes de políticas sociais e violências cometidas pelo atual governo são ainda piores do que muitas das práticas da Ditadura e é preciso unir forças para resistir. A sociedade de consumo e crise ambiental são parte do agravamento de uma crise sem precedentes, defende. Em tom melancólico, Taufer afirma que muitas das causas contra o qual lutou não foram superadas e lembra que há um resurgimento da extrema-direita em seu país. “Ainda existe muito ódio, e precisamos superar isso”.

Antes de participar do lançamento em São Paulo, Lutz Taufer apresentou sua autobiografia durante a Flip em Paraty, en no Rio de Janeiro. Leia entrevistas concedidas pelo autor:

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Fotos: Verena Glass