Existe algo como um feminismo global? Quais são os temas relevantes para as mulheres em diferentes regiões do mundo? E como é a relação entre as ativistas de distintas gerações? Silvia Federici, que chega ao Brasil nesta semana, fala sobre estes temas
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Mobilização impressionante
12/07/2017
por
Entrevista: Jessica Zeller

Existe algo como um feminismo global? Quais são os temas relevantes para as mulheres em diferentes regiões do mundo? E como é a relação entre as ativistas de distintas gerações? Sobre isso fala a filósofa ítalo-americana Silvia Federici em entrevista

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Entrevista: Jessica Zeller, Goethe-Institut

Em 2017, você comemorou seu aniversário de 75 anos. É difícil estabelecer um diálogo com feministas mais jovens?
Muito pelo contrário! A maioria das pessoas que conheço hoje em dia é de ativistas jovens. Acho que isso acontece porque há um novo movimento feminista e isso ocorre no mundo todo. É para mim um prazer enorme ter essas mulheres no entorno, pois o mundo está nas mãos delas.

Esse novo feminismo é simplesmente mais jovem ou também diferente daqueles movimentos de mulheres dos anos 1970 e 1980, dos quais você já participou ativamente?
As ativistas naturalmente aprenderam com o tempo. Só para citar um exemplo: naquela época, reivindicávamos um “salário para trabalho doméstico”. Hoje, ninguém mais tem ilusões a respeito da libertação das mulheres através do trabalho remunerado. Pois a maioria das mulheres, embora trabalhem, têm empregos precários, precisando assumir dois ou três deles para sobreviver. Além disso, as feministas jovens apostam menos nas instituições estatais como motores de mudanças sociais.

Aborto: tema controverso

Em janeiro de 2017, centenas de milhares de mulheres foram às ruas nos EUA na Marcha das Mulheres em Washington. Como você vivenciou isso?
Não foram apenas feministas, mas outros atores sociais também estiveram nas ruas nesse dia, tanto mulheres quanto homens. A ordem de grandeza desse evento tem certamente a ver com o fato de que as pessoas queriam dar vazão à ira contra Donald Trump e seu sexismo. E queriam expressar sua preocupação com o perigo de que o novo governo pudesse reintroduzir uma proibição do aborto.

Ou seja, o que importava nesse dia era defender conquistas e direitos adquiridos?
Além do direito de definir elas próprias o planejamento familiar, as mulheres nos EUA não têm tantas conquistas assim a serem defendidas. Números recentes mostram até mesmo que a expectativa de vida de mulheres da classe trabalhadora diminuiu. Do ponto de vista estatístico, elas vão morrer cinco anos mais cedo que suas mães. Também com relação a isso existe um mal-estar enorme na sociedade, que foi articulado na Marcha das Mulheres.

“Brutalidade crescente contra as mulheres”

Em outras regiões do mundo há também, no momento, protestos feministas constantes, como por exemplo na América Latina, com o lema “nenhuma a menos”. O protesto volta-se contra o feminicídio e contra a cultura machista.
Uma mobilização realmente impressionante. Em 2017, a campanha “nenhuma a menos” foi tema do Dia Internacional da Mulher, convocado pelas mulheres na Argentina. Lá, nesse dia, houve uma greve geral feminina. Há pouco tempo encontrei em Nova York três ativistas argentinas, que me mostraram um vídeo do seu protesto em Buenos Aires. Isso quase me levou às lágrimas de emoção.

O feminicídio e o combate a ele são, então, um assunto meramente latino-americano?
Com certeza não. A brutalidade e a frequência desses casos aumenta no mundo todo. Na Índia e em alguns países africanos, percebemos uma verdadeira “caça às bruxas” contra as mulheres. Em regiões do interior do Canadá, há assassinatos em série. E a Itália aprovou há alguns anos uma lei contra o feminicídio. Isso é muito sintomático. Na minha infância, na Itália, falava-se sobre um caso desses durante meses, tão extraordinário ele era. Hoje, há no país assassinatos de mulheres quase que diariamente.

Quais são, na sua opinião, as razões para esse aumento da violência?
O feminicídio está sempre relacionado com o desenvolvimento geral de uma sociedade. A ideia que se esconde por trás dele é intimidar e aterrorizar as mulheres. As razões específicas variam. Na América Latina, por exemplo, ele atinge frequentemente mulheres que vivem em regiões onde há megaprojetos acontecendo ou sendo planejados – projetos que servem à exploração desrespeitosa de matéria-prima. Nos protestos das populações locais, as mulheres estão muitas vezes na linha de frente. Ao matá-las, demonstra-se à comunidade que resistir é inútil. Sou membro da rede de feministas de diversos países. Juntas, compilamos as evoluções em todo o mundo neste contexto e pesquisamos a respeito das razões da violência contra as mulheres.

 

Silvia Federici, nascida em 1942 em Parma, é pesquisadora e ativista. Professora emérita de Filosofia Política e Women Studies, ela vive em Nova York e é autora de publicações sobretudo a respeito de teoria marxista e feminista, bem como do conceito de “commons” (bens comuns).

Jessica Zeller realizou a entrevista. Jornalista freelancer, publica regularmente textos impressos e contribuições para emissoras de rádio sobre teoria e prática feministas. Vive em Berlim.