Jovens do Rio e do Maranhão realizaram medições da qualidade do ar em regiões impactadas pela siderurgia nos dois estados. A experiência de vigilância popular em saúde encontrou índices que superam em até três vezes o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
Por Instituto Pacs
Foram mais de seis meses de medições, anotações, cálculos e análises de dados. Em comum, a luta de duas comunidades contra os impactos de empresas siderúrgicas em seu entorno. Jovens de Piquiá de Baixo (MA), bairro de Açailândia (MA), e do bairro de Santa Cruz, no Rio, apresentam os resultados do monitoramento da qualidade do ar, fruto do projeto Vigilância Popular em Saúde, realizado em parceria com o Instituto Pacs e a rede Justiça nos Trilhos. Nas duas localidades, a concentração de poluição ficou acima das médias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2005) para qualidade do ar.
As medições foram feitas pelos jovens das duas comunidades, por meio de equipamentos simples e de custo barato. O Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh), da Fundação Oswaldo Cruz, capacitou os jovens a utilizar os aparelhos e a fazer as medições, além de ajudar na análise dos dados. Foram realizadas duas rodadas de medição, durantes três meses, com medições diárias.
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Resumo e análise dos dados de Santa Cruz
Os resultados encontrados na 2ª rodada do monitoramento (maio, junho e julho/2017) em Santa Cruz mostram concentrações médias anuais de poluição do ar superiores ao recomendado pela OMS, de 10 µg/m3 (micrograma por metro cúbico). As médias obtidas pelas medições foram as seguintes: 30,21 µg/m3 (maio), 30,91 µg/m3 (junho) e julho µg/m3 (34,01). As médias mensais são, portanto, mais do que o triplo do que os padrões recomendados pela OMS e seguidos pela CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Além disso, o limite diário recomendado de 25 µg/m3 é ultrapassado em vários dias de monitoramento, no decorrer dos três meses.
Outro importante dado é que os índices de poluição são geralmente maiores no horário da madrugada. Isto pode ser associado a maiores níveis de poluentes serem lançados na atmosfera no horário noturno, pois neste período a fiscalização não é frequente e a poluição não é tão evidente quanto de manhã.
Em relação à 1ª rodada de monitoramento em Santa Cruz (novembro/2016, dezembro/2016, janeiro/2017), as concentrações médias de poluição do ar ficaram um pouco acima do índice recomendado pela OMS de 10 µg/m3. Além disso, o limite diário recomendado pela OMS de 25 µg/m3, não foi ultrapassado, exceto em dois dias de dezembro, ao longo dos três meses da 1ª rodada.
Resumo e análise dos dados de Piquiá de Baixo
Os resultados levantados na comunidade de Piquiá de Baixo, bairro de Açailândia (MA), foram elevados no mês de novembro 2016 (32,22 µg/m3), diminuíram no tempo das chuvas (18,38 µg/m3 em dezembro; 16,26 µg/m3 em janeiro 2017; 15,96 µg/m3 em março; 18,17 µg/m3 em abril) e começaram a subir novamente com o fim do inverno chuvoso (22,27 µg/m3 em maio).
Assim como em Santa Cruz, as medições de Piquiá ultrapassam o valor limite anual recomendado pela OMS de 10 µg/m3. Além disso, é preocupante que o limite diário recomendado pela OMS de 25 µg/m3 tenha sido ultrapassado em várias medições e na média mensal de novembro 2016. Ressalte-se que o Maranhão registrou em 2016 e 2017 um dos invernos mais chuvosos dos últimos 20 anos, o que torna os dados ainda mais alarmantes, já que as chuvas tendem a diminuir a concentração de poluição atmosférica.
É importante observar que, no Maranhão, os pontos de coleta distantes da fonte emissora de poluição da siderúrgica apresentaram médias baixas e próximas (5,99 e 5,73 µg/m3), demonstrando que os níveis de poluição diminuíram conforme ocorreu o afastamento da fonte emissora.
Na 2ª rodada de monitoramento (médias mensais de 15,96 µg/m3, 18,17 µg/m3 e 22,27 µg/m3, em maio, junho e julho de 2017, respectivamente), o limite diário de 25 µg/m3 é ultrapassado em vários dias de monitoramento, no decorrer dos três meses. Isso demonstra que os níveis de poluição do ar em Piquiá de Baixo continuam preocupantes. Entre março e maio, a tendência é de diminuição do índice de chuvas na região, o que pode estar relacionado ao crescimento discreto, porém evidente, no período.
O que dizem os jovens
Flávio Rocha, jovem de Santa Cruz que participou das medições, explica que houve um voto de confiança dos moradores do bairro no coletivo de jovens que esteve à frente das medições. “Quando juntou o coletivo, o grupo foi crescendo, isso animou os moradores. Depois, quando começou o processo de vigilância, eles ficaram ainda mais empolgados com a possibilidade de a gente medir a qualidade do ar. O desafio agora é fazer o grupo crescer ainda mais, conscientizar a juventude de Santa Cruz”, detalha Flávio.
Gerliane Chaves, jovem de Piquiá de Baixo que participou das medições, conta como o relatório com os dados de poluição do ar é importante mecanismo para contestar as informações lançadas pelas empresas de Açailândia. “A gente não vai só ouvir e aceitar o que eles têm a dizer. A gente também vai apresentar e perguntar o que eles têm a dizer em relação aos nossos dados”, aponta Gerliane.