Multinacional é acusada de coautora em prisões, tortura e espionagem contra seus funcionários durante ditadura cívico-militar
Por Verena Glass, texto e fotos
Uma representação de cerca de 70 páginas, com provas e argumentos jurídicos acerca da participação da multinacional alemã Volkswagen em atos de repressão do regime militar no Brasil entre os anos de 1964 a 1988, foi entregue nesta terça, 22, ao Ministério Público Federal em São Paulo. Assinada por dez centrais sindicais, as Comissões da Verdade Nacional, do Estado de São Paulo e de São Bernardo, e representantes das vítimas de atos de tortura cometidos, de acordo com os documentos apresentados, com anuência ou participação da empresa, a representação, elaborada pelo Fórum de Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação, conta com um anexo de mais de 500 páginas contendo toda a documentação pertinente, e visa subsidiar a Procuradoria na elaboração de uma Ação Civil Pública contra a multinacional.
De acordo com as denúncias e documentações colhidas, a participação e colaboração da Volkswagen com o aparelho repressivo da ditadura se deu tanto a nível de apreensão e tortura de operários nas dependências da empresa quanto através de espionagem (elaboração de listas de trabalhadores suspeitos) e doações de carros e recursos aos militares.
Durante o ato de entrega da representação, o ex-deputado federal e relator da Lei da Anistia, Modesto da Silveira, fez uma fala emocionada sobre os inúmeros presos políticos que defendeu como advogado durante a ditadura militar. Reforçando a importância da documentação elaborada para a representação, afirmou que ja é passada a hora de imputar as empresas multinacionais que financiaram as ditaduras latino-americanas.
Já o ex-ferramenteiro Lucio Bellentani, em curto depoimento aos procuradores Pedro Machado e Marlon Weichert, relatou sua prisão no interior da empresa. “Trabalhei na Volkswagen entre 1964 e 1972. Naquele ano, uma noite estava fazendo meu trabalho de manutenção dos equipamentos na sala de prensas, eram aproximadamente 23 horas, quando senti alguém encostar uma metralhadora nas minhas costas”.
“Vi o chefe da segurança da empresa, o coronel Adhemar Rudge, parado lá, com uma arma na mão. Aí me levaram para o departamento pessoal, e já começaram a me bater. Depois me levaram para o Dops, onde fui torturado durante 47 dias. Enquanto isso, minha esposa ia todos os dias para a firma procurar por mim, e eles diziam que não sabiam de nada. Só quando ela resolveu reivindicar meu seguro de vida é que a Volkswagen a mandou para o Dops, falaram que eu poderia estar lá”.
Coordenador do Projeto Investigação Operária e do processo de elaboração da representação, Sebastião Neto explica que o objetivo do Fórum de Trabalhadores é cobrar, através do processo de judicialização, uma admissão de culpa e a reparação coletiva às vítimas por parte da multinacional: “Nossa expectativa é que o MPF acate nossa representação e impetre uma Ação Civil Pública contra a Volkswagen. Queremos justiça e reparação, esse é o nosso principal objetivo. Mas não é apenas a Volkswagen que deve ser cobrada; há outras empresas, como o Metrô e a Embraer, que também estiveram envolvidos nos processos de repressão, e que devem responder por isso. É preciso que o setor empresarial que esteve intimamente ligado ao golpe e ao regime militar seja identificado e responsabilizado. A Volkswagen é só a primeira neste processo de busca de verdade, justiça e reparação”, explica.
Após o ato de assinatura e a entrega formal da representação, o procurador Pedro Machado se comprometeu a dar máxima prioridade ao tema. “Reafirmamos aqui o nosso compromisso de dar a maior atenção a essa representação. O tema da Memória e da Verdade é muito caro ao Ministério Público”, afirmou.
Na avaliação do MPF, a reunião de uma documentação consistente deve facilitar as análises jurídicas dos procuradores. “É uma inversão importante no processo de memória e verdade o fato de a sociedade civil ter tomado a iniciativa de reunir e apresentar uma documentação de difícil acesso como neste caso. Para o MPF, principalmente, lidar com temas ligados questões trabalhistas é mais difícil uma vez que esta é a área do Ministério Publico do Trabalho; que, infelizmente, não tem jurisdição neste tipo de caso. Assim que parabenizo este grupo pelo trabalho e pela reunião de tantas organizações sindicais nesta representação. Vocês estão nos dando uma oportunidade de abrirmos um novo capítulo importante no processo de justiça, verdade e reparação”, concluiu o procurador Marlon Weichert.
Na Europa
Nesta quarta, 23, a notícia da representação contra a Volkswagen repercutiu em todos os grandes meios de comunicação da Alemanha, bem como em jornais da Suíça, da Áustria e da Inglaterra. De acordo com um levantamento realizado por Christian Russau, da diretoria da Associação de Acionistas Críticos da Alemanha (organização que acompanha grandes empresas cuja atuação causa danos ou viola direitos humanos e ambientais em outros países), ao menos 30 grandes veículos – como Süddeutsche Zeitung, Die Welt, Die Zeit, Neue Zürcher Zeitung, Deutsche Welle, Stern, Huffington Post, Wirtschaftsblatt, Der Tagesspiegel, Bild, BBC, The Independent e outros – deram destaque às denúncias contra a multinacional automotiva.
Esta atenção se deve ao fato de que a Volkswagen já é ré em uma ação bilionária dos Estados Unidos por fraudes nos equipamentos de emissão de gases de veículos da empresa. Segundo a imprensa alemã, a multinacional teve perdas importantes na bolsa de valores. A acusação de participação ou leniência com crimes de tortura no Brasil piorou ainda mais sua situação, avaliaram vários jornais.
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