Realizado entre 27 e 29 de junho na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (São Paulo), o seminário nacional “A questão agrária brasileira” discutiu a relação entre Estado, políticas públicas e questão agrária.
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MST discute Estado e políticas públicas
01/12/2013
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Por Júlio Delmanto

seminario mst

Realizado entre 27 e 29 de junho na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (São Paulo), o seminário nacional “A questão agrária brasileira” discutiu a relação entre Estado, políticas públicas e questão agrária na sexta-feira, dia 28. Além das conversas em grupos, os participantes – representantes de movimentos sociais e de assentamentos do MST de todas as regiões do país – debateram também com convidados que compuseram uma mesa que buscava trazer questionamentos e informações que facilitassem a troca de ideias entre os presentes.

Participaram da mesa Gerson Teixeira, da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Sergio Sauer, professor e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), e Guilherme Delgado, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Este iniciou sua exposição apontando que reforma agrária é mais do que distribuição de terras, “é regulação e administração do direito de uso da terra”. Assim, segundo Delgado, a “discussão sobre reforma agrária no Brasil está equivocada, o direito de propriedade sobre o território é que organiza a distribuição de terra, ela não pode ficar ao sabor do mercado”.

De acordo com o pesquisador do IPEA, os anos 2000 representaram um processo de “reconversão da estratégia do capital com vistas a assumir pleno domínio dos direitos de propriedade, mesmo às custas da ordem jurídica”. Teria se formado, assim, uma hegemonia composta pelos donos de grandes propriedades e pelas cadeias industriais de commodities, tendo como finalidade a “captura da renda fundiária” – sendo esta o cerne da acumulação privada que se dá sob a égide do direito de propriedade. “É a apropriação do lucro geral da economia por quem tem o direito de propriedade”, resumiu Delgado, que lembrou também do importante papel desempenhado pelo Estado nesse cenário, através do sistema de créditos públicos, o que resultaria num cenário em que “frouxidão da regulamentação” e subsídios convivem formando um padrão “dos mais perversos”.

“Questão agrária não é só agrícola”

Gerson Teixeira começou sua fala questionando de que forma a máquina estatal brasileira contribui para a construção da atual hegemonia do agronegócio e refutando a premissa de que estaríamos diante de um quadro de “Estado mínimo”: “Nunca o Estado interveio tanto, facilitando que o agronegócio exerça esse processo de absoluta concentração e controle da base técnica da agricultura”. Teixeira qualificou a ação reguladora do Estado em favor do capital como “ostensiva”, uma vez que não seria o capital privado o financiador da agricultura brasileira, e sim os subsídios públicos, como através do BNDES, por exemplo.

Após ressaltar que chama a atenção o fato do Estado não se preocupar em regular e sequer em conhecer o cenário da posse estrangeira de grandes propriedades de terra no Brasil, Teixeira criticou a estratégia do governo federal que, em sua opinião, oferece políticas de financiamento da agricultura familiar como contrapartida à ausência de reforma agrária, solução vista como insuficiente e mesmo contraproducente para os objetivos da igualdade e da justiça social.

Na sequência, foi a vez de Sergio Sauer fazer sua exposição, buscando inicialmente se aproximar de uma conceituação mais definida de “como entendemos o Estado”. Segundo o pesquisador, é fundamental a diferenciação entre Estado e governo e entre as diferentes instâncias de poder, e também é necessário um entendimento mais refinado do aparelho estatal, para além da mera definição dele como “comitê executivo da burguesia”. “O desenvolvimento do capitalismo dificilmente ocorreria sem o Estado, é preciso entender que as forças sociais capturadas não se desenvolveram ao largo das formas políticas, o Estado surge como necessidade do processo de acumulação”, ponderou, defendendo a necessidade de “aprofundarmos nossa compreensão desse ente, que é mais complexo e dialético do que uma conspiração para explorar os trabalhadores”.

Sauer ressaltou também que se por um lado o Estado é um elemento constituinte do capitalismo, por outro ele também “precisa transferir benefícios para as classes subalternas, mesmo como mecanismo de controle” – “a pressão social é o elemento chave” – , e defendeu a necessidade de se incluir os poderes legislativo e judiciário numa compreensão do aparato estatal que leve em conta inclusive os interesses distintos e conflitantes que ali convivem. “Numa sociedade profundamente desigual, ações dos movimentos sociais são fundamentais para a desconcentração das políticas públicas”, prosseguiu.

O pesquisador definiu a atuação brasileira na América Latina e na África como “expressão máxima da lógica do imperialismo” e insistiu na centralidade de se “pensar além das fronteiras, pois parte do processo de acumulação capitalista do agronegócio passa por essa atuação externa”. Em seguida, apontou que a questão agrária não é só agrícola: “a apropriação e expropriação através de commodities não agrícolas é fundamental”, prosseguiu Sauer, utilizando a questão da mineração como exemplo.

Segundo o professor, lutas como as dos indígenas, dos camponeses dos quilombolas trazem à luz uma série de questões e dimensões que não se reduzem à diferenciação entre terra e território. “Transcendendo essa noção, que compreende a terra apenas como meio de produção, podemos pensar na função socioambiental da terra”, concluiu.

 

Foto: Verena Glass