Livro lançado por parceria do Instituto Patrícia Galvão com a Fundação Rosa Luxemburgo discute o crescente número de assassinatos de mulheres no Brasil
Por Christiane Gomes
A noite começou com a potência dos tambores do bloco afro feminino Ilú Obá de Min que, soando e ocupando o espaço, celebravam a vida das mulheres. Acordavam quem insiste em se manter em silêncio para um problema que assola o país, cresce cotidianamente e tem como cúmplices o Estado, os meios de comunicação e a própria sociedade brasileira: o feminicídio.
O livro Feminicídio #InvisibilidadeMata, cujo lançamento foi realizado no auditório da Ação Educativa em 30 de março de 2017, organizado pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria da Fundação Rosa Luxemburgo, apresenta diversas informações sobre o assassinato de mulheres e se mostra uma importante ferramenta para quem pretende saber mais do tema. A publicação é uma adaptação de uma plataforma online, produzida em 2016 e que, por meio de estatísticas, pesquisas, entrevistas com especialistas e ativistas, procura pautar e debater a questão na imprensa e na sociedade. A obra traz contribuições fundamentais que permeiam a violência contra as mulheres no país, práticas que culminam em mortes anunciadas sem o devido impacto na opinião pública e tampouco respostas satisfatórias dos órgãos do Estado (clique aqui para acessar a plataforma).
A versão impressa da plataforma segue com as mesmas características: abordar as diversas faces do assunto, nomeando o problema, desnaturalizando o fato de algumas vidas valerem mais que outras. Além disso, traz um registro, por meio de artigos de jovens feministas, jornalistas e profissionais do direito, da história de vida de sete mulheres vítimas de feminicídio, como uma forma de homenagear simbolicamente milhões delas, que seguem com suas identidades diluídas em estatísticas alarmantes. Amanda, Cláudia, Eloá, Gerciane, Isamara, Laura e Luana foram tiradas de suas famílias, de suas vidas, pelo machismo, sexismo e racismo que legitimam o assassinato de mulheres no Brasil.
Conivência e omissão
Trata-se de um problema que cresce exponencialmente na sociedade brasileira, mas que é relegado a segundo plano no debate público – isso apesar de o país ser o quinto no ranking de feminicídios no mundo. “A imprensa trata cada caso como se fosse o primeiro, como se não houvesse dados, pesquisas, estatísticas, especialistas. A culpa da morte é sempre da vítima, que segue sendo assassinada inúmeras vezes com a violação de sua memória”, comenta Luciana Araújo, que monitorou os casos na imprensa e escreveu um artigo sobre a espetacularização da mídia na cobertura do caso de Eloá Pimentel. Ela destaca ainda que o caso das mulheres negras é ainda mais dramático, pois a vítima é duplamente culpabilizada com a exposição de seu corpo. “Como ocorreu com as imagens, repetidamente veiculadas, de Cláudia Ferreira da Silva, que a imprensa nomeou, simplesmente de ‘a mulher arrastada’. A mídia nada questiona, se isenta deste debate e reforça os estereótipos.”
Nestas recorrentes tragédias anunciadas, o Estado se mostra um agente que, ao invés de proteger e amparar as vítimas e suas famílias reproduz a violência que as afeta e mata. Ao não fiscalizar os casos ou punir os autores dos crimes (muitas vezes, representantes deste próprio Estado), segue penalizando as famílias que, além de sofrerem com suas perdas, ainda se sentem ameaçadas diante da total ausência de proteção e justiça. Como vem acontecendo com as familiares de Luana Barbosa. A jornalista Tatiana Merlino, que escreveu o texto sobre este caso, o nomeou como feminicídio de Estado, em uma situação que envolve sexualidade, raça e classe. Luana, uma mulher negra, pobre e homossexual foi espancada (diante de seu próprio filho) por três policiais militares, na cidade de Ribeirão Preto (SP) e morreu em decorrência dos ferimentos causados. “O caso segue na justiça comum, pois a justiça militar absolveu os policiais. A irmã de Luana está sendo perseguida e permanece totalmente desamparada pelo Estado”, contou Tatiana.
O livro Feminicídio #InvisibilidadeMata faz parte de um esforço coletivo para que estas mortes sejam questionadas, deixem de ser invisíveis, e para que o direito à vida das mulheres seja respeitado em sua plenitude. Tais crimes são resultados da desigualdade de gênero que, por sua vez, possui intersecções com raça, sexualidade e classe. Apesar do cenário conservador, as integrantes do Instituto Patrícia Galvão deixam um alerta: os mesmos processos que produzem desigualdade, discriminação, violência e luto também potencializam simultaneamente resistências e alianças.
LivroFeminicidio_InvisibilidadeMata
Fotos: Verena Glass