No Brasil, Peter Norton fala de falsas revoluções e promessas da indústria automotiva

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No Brasil, Peter Norton fala de falsas revoluções e promessas da indústria automotiva
09/11/2023
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Lançamento da versão em português do livro Autonorama contou com atividades em São Paulo, Recife e Belo Horizonte com participação do autor estadunidense Peter Norton. Confira todas as apresentações, vídeos, fotos e reportagens publicadas sobre sua passagem pelo Brasil

Por Daniel Santini

O historiador estadunidense Peter Norton visitou o Brasil na última semana de outubro para apresentar a versão em português de seu livro Autonorama: uma história sobre carros “inteligentes”, ilusões tecnológicas e outras trapaças da indústria automotiva , uma coedição da Fundação Rosa Luxemburgo e da editora Autonomia Literária. Convidado pela Fundação Rosa Luxemburgo, cumpriu uma agenda intensa de compromissos com atividades em São Paulo (SP), Recife (PE) e Belo Horizonte (MG). Foram oito eventos em seis dias de programação, uma sequência diversificada em que o autor teve oportunidade de conversar com movimentos sociais, acadêmicos, gestores públicos e representantes do setor empresarial.

Sem demonstrar cansaço ou reclamar, Norton manteve-se interessado e disponível o tempo todo. Discutiu mobilidade ativa e pedalou por São Paulo com cicloativistas, transporte fluvial com pescadores e ribeirinhos do Recife, e transporte público com gente comprometida que defende passe livre e mobilidade como direito nas três cidades. Falou de tecnologia, marketing, urbanismo e mobilidade. Assinou autógrafos, deu entrevistas, gravou vídeos, fez perguntas e conversou com participantes durante e após as apresentações.

Registro de Peter Norton pedalando no centro de São Paulo em vídeo de Rachel Schein, do SP de Bike.

Em todas elas, tratou de desmontar o discurso da indústria automotiva, apontando promessas falsas e armadilhas semânticas. Logo após desembarcar no Aeroporto de Guarulhos, ao visualizar um outdoor na Marginal Tietê, em São Paulo (SP), identificou uma propaganda que apresentava um carro novo como a “revolução na mobilidade”. Usou a mensagem como chave em diversas de suas apresentações para apontar como termos são apropriados e distorcidos pelas montadores.

Distorções e promessas vazias
“É errado falar em carros autônomos. Carros apresentados como inteligentes não são autônomos, mas sim configurados para seguir comandos. É exatamente o oposto”, argumenta o autor. “A tecnologia não é inteligente, as pessoas são. Uma solução inteligente para a mobilidade é andar. Inteligente mesmo, a gente precisa pensar para cruzar uma rua sem ser atropelado. A indústria quer vender soluções, o que precisamos são ferramentas. Com ferramentas, podemos ter autonomia para decidir. Nossas próprias pernas são ferramentas”. Nas entrevistas que concedeu ao site Mobilize e à Fundação Rosa Luxemburgo (abaixo), ele detalha melhor a crítica.

Apesar do tom polido e educado e da opção por sentenças em inglês formal e elegante, sua mensagem é forte. Apresentou uma visão bastante crítica sobre a mera eletrificação como uma solução mágica para o clima e apontou o absurdo de se pensar em “zonas de sacrifício” para promover a produção massiva de baterias, algo necessário se a ideia é manter e ampliar a quantidade atual de carros circulando.

“Quem defende isso são pessoas privilegiadas que não vivem em tais zonas de sacrifício. As áreas de mineração estão localizadas no Sul Global. Quem defende tais políticas tem responsabilidade pelo que está acontecendo”. Norton defende que é preciso sim adotar energia elétrica, mas, mais do que isso, é fundamental pensar em desestimular o uso do automóvel e substituí-lo por outros modais. Lembrou, aliás, que transporte sobre trilhos e trólebus não dependem de baterias como as SUVs e deveriam ser expandidos. Tudo para uma transição energética realmente justa na mobilidade.

Chicoteando carros
Em diferentes momentos, ao abordar o uso recorrente e vazio da palavra “revolução” pelo marketing das indústrias, o autor lembrou que o termo foi distorcido também na história recente do próprio Brasil, usado para disfarçar o Golpe de 1964, marco do início da Ditadura no país. Mas foi na Universidade Federal de Minas Gerais que a referência ecoou de maneira quase cômica, quando a historiadora Heloisa Starling, uma das principais especialistas no período da repressão, lembrou que o general Newton Cruz montado a cavalo chicoteou carros durante uma carreata em favor da abertura política.

Ao comentar sobre a necessidade de reverter a priorização de políticas e recursos para automóveis e passar a valorizar medidas que incentivem pedestres, mobilidade ativa e transporte público coletivo, Norton defendeu que aí sim deveríamos pensar em uma revolução. Chegou a mencionar Rosa Luxemburgo, autora do livro Reforma ou Revolução?, para defender que apenas reformas não são suficientes para resolver a mobilidade urbana.

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Peter Norton em frente à imagem de Rosa Luxemburgo, na sede da Fundação Rosa Luxemburgo, em SP. Foto: Verena Glass

Convidado a participar de diferentes espaços e falar com públicos bastante diversos, Norton ajustou o tom acadêmico e buscou conexões com temas locais. Em Minas Gerais, falou da mineração de lítio do Vale do Jequitinhonha. No Recife, falou sobre possíveis curas para a mobilidade urbana chamando o poeta Kcal Gomes de doutor, uma brincadeira baseada no vídeo de divulgação produzido pelo artista. Para convidar para a apresentação na Livroteca Brincante do Pina, na Comunidade do Bode, em Recife (PE), Kcal gravou um vídeo perguntando a diversos moradores sobre o que fazer para tratar “mobilidade urbana”.

“Muitos que se intitulam doutores nas universidades sabem muito pouco e assumem posições em defesa de interesses corporativos. Precisamos de mais doutores como Kcal e olhar para soluções que já existem”, afirmou, durante visita na Ilha de Deus, também no Recife, apontando uma viela local apertada como um exemplo de tecnologia de design para redução de velocidades para automóveis. “É por isso que por lá uma criança pode passar de bicicleta tranquila, como vimos agora pouco. Isso é tecnologia.

Confira a seguir as apresentações, vídeos, fotos e entrevistas relacionadas a cada atividade realizada:


SÃO PAULO – 24 A 26 DE OUTUBRO

DIA 24/10 – terça-feira
Entrevista realizada na Fundação Rosa Luxemburgo, em São Paulo

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Imagem de bastidor da gravação com a jornalista Renata Falzoni. Foto Daniel Santini


DIA 24/10 – terça-feira

LANÇAMENTO: AUTONORAMA: uma história sobre carros “inteligentes”, ilusões tecnológicas e outras trapaças da indústria automotiva – Lançamento do livro com roda de conversa com abertura de Andreas Behn (FRL), debate com Sérgio Amadeu (UFABC) e Millena Nascimento, do MPL-SP, com mediação da jornalista Renata Falzoni. Evento realizado no Ateliê do Bixiga por FRL e editora Autonomia Literária


DIA 25/10 – quarta-feira
Os limites do tecnosolucionismo: precisamos investir em transporte coletivo e não em carros inteligentes
Painel durante o Arena ANTP, congresso de mobilidade urbana, com participação de Andreas Behn (FRL), Joyce Souza (UFABC), autora do posfácio do livro, e Lucas Girard (USP), com mediação de Guilherme Moraes (USP) no Transamerica Expo Center. Realização: FRL e ANTP


DIA 26/10 – quinta-feira
Aula pública
Apresentação e roda de conversa com alunos e alunas do curso de Geografia do Instituto Instituto das Cidades, da Unifesp, com abertura de Patricia Laczynski (Unifesp), mediação de Elis Soldatelli, da Fundação Rosa Luxemburgo, e Ricardo Barbosa da Silva (Unifesp e Rede Mobilidade Periferias), no Instituto das Cidades – Campus Zona Leste – Unifesp. Realização: FRL, UNIFESP e Rede Mobilidade Periferias


DIA 26/10 – quinta-feira
Bate-Papo de lançamento Autonorama: Uma História Sobre Carros “Inteligentes”, Ilusões Tecnológicas e Outras Trapaças da Indústria AutomotivaEvento do projeto O futuro é cooperativo, promovido pelo Sesc Avenida Paulista. Conversa com o autor Peter Norton com mediação de Giselle Beiguelman (USP) no Sesc Avenida Paulista. Realização: FRL e Sesc Avenida Paulista.


RECIFE – 27 E 28 DE OUTUBRO

DIA 27/10 – sexta-feira
Lançamento na Livroteca Brincante do Pina (Bode)
Apresentação do livro na Comunidade do Bode, no Recife. Conversa com o autor com mediação de Bigu Comunicativismo. Apresentações de poesia, música e curtas, seguida de conversa com o autor e autógrafos na Livroteca Brincante do Pina, na Comunidade do Bode, no Recife (PE). Realização: FRL, Bigu Comunicativismo e Livroteca Brincante do Pina

Kcal Gomes, da Livroteca Brincante do Pina, convida para o lançamento.