Para as pessoas socialistas e de esquerda de forma geral, a grande notícia da eleição federal da Alemanha no mês passado foi o sucesso inesperado do partido socialista democrático, o Die Linke. Depois de dois anos registrando 3% de intenção de votos, as semanas anteriores ao pleito viram uma reviravolta acontecer para o partido: primeiro, um aumento para 5%, quantidade mínima necessária de votos para entrar no parlamento; depois, para 6% e 7%, chegando, por fim, a 8,8%, segundo melhor resultado eleitoral de sua história.
O resultado veio em função das dezenas de milhares de pessoas jovens que aderiram ao partido nos últimos meses, garantindo efetivamente um futuro à agremiação. E também permitiu a continuidade da fundação vinculada ao partido, a Fundação Rosa Luxemburgo. A assessora de imprensa da organização, Alrun Kaune-Nüsslein, conversou com os diretores Heinz Bierbaum e Daniela Trochowski sobre o sentido desse resultado para a Rosa Luxemburgo e sobre os planos para continuar avançando a partir da recente conquista.
O Die Linke, partido a que a Fundação Rosa Luxemburgo está vinculada, voltou ao parlamento alemão, o Bundestag, com um ótimo resultado e uma bancada considerável. O que isso significa para a sociedade?
HB: É um ótimo resultado e um grande retorno, não apenas para o partido, pois o resultado fortaleceu a esquerda como um todo. O Die Linke cresceu em importância e agora é a voz da oposição social no parlamento. Isso também fortalece sua influência internacional, por exemplo, na esquerda europeia. Além disso, o fato de que a juventude sobretudo votou no Die Linke e de que somos o partido mais forte nessa faixa etária nos dá esperança.
DT: Sim, o resultado eleitoral é animador. Ele mostra que existe espaço para um partido de esquerda nesse país. As questões que interessam a grande parte da população agora serão levadas ao parlamento. Estou pensando, por exemplo, no congelamento dos preços dos aluguéis, no aumento do custo de vida e na questão dos salários.
Qual o sentido do resultado da eleição para a fundação?
HB: O alívio é grande, porque significa que a fundação terá segurança financeira pelos próximos anos. Ainda assim, precisamos nos preparar para a redução dos recursos financeiros. Depois dessa eleição, a Lei de Financiamento de Fundações não está fora de discussão. Sentiremos o baque dos efeitos da lei a partir de 2026.
“A campanha do Die Linke foi eficiente, mas não pode ser transferida diretamente para a fundação.”
DT: Precisamos usar nossos recursos com sabedoria e direcioná-los especificamente para a formação política e a análise social. Temos hoje a oportunidade de nos concentrar mais na nossa atuação política e nos debates políticos. Nossa fundação é necessária na família da esquerda. Isso significa que temos que focar e reduzir as estruturas duplicadas.
A fundação se vê como um think tank da esquerda e uma estrutura que oferece formação política. O bom resultado eleitoral do Die Linke não pode ocultar o fato de que as coordenadas políticas gerais deram uma guinada ainda maior para a direita. Não é à toa que muitas pessoas jovens se envolveram com a política nas últimas semanas. Que novos desafios virão?
HB: Considerando que muitas pessoas jovens hoje se entendem como de esquerda, a fundação atrairá todo um novo nível de interesse. Para nós, isso significa expandir nosso programa de formação e pensar em uma variedade de formatos e oportunidades para a juventude se envolver. Esse é um grande desafio.
DT: Nós vamos continuar enfrentando as questões com as quais tivemos um impacto na sociedade e onde consideramos ter um alto nível de experiência, como no caso do congelamento do preço dos aluguéis. Mas também vamos tratar de outras questões urgentes, como o aumento do custo de vida, a crescente polarização na sociedade e, obviamente, a questão dos movimentos de pessoas refugiadas e uma sociedade para muitos e muitas. Nós queremos utilizar nossos estudos e análises para mostrar que algumas demandas colocadas pela esquerda da sociedade também podem funcionar. E continuaremos a trabalhar nisso.
Foi dito que a receita do sucesso do Die Link na recente campanha eleitoral foi o foco em algumas questões chave, em uma comunicação simples e compreensível e em uma forte presença nas redes sociais. É possível para a fundação se apoiar nisso para avançar?
HB: A campanha do Die Linke foi eficiente, mas não é possível transferi-la diretamente para a fundação. Temos que pensar no longo prazo e analisar em profundidade as condições sociais. É difícil explicar relações sociais em 30 segundos.
DT: As campanhas eleitorais são sempre uma situação muito aguda. Isso não pode ser transferido para a fundação. Nós queremos transmitir o conhecimento factual, destacar as conexões sociais e reconhecer desdobramentos importantes em um estágio inicial. Precisamos pensar para além do hoje. Nossos estudos e análises devem ter um impacto na sociedade e dar apoio estratégico para o Die Linke. Sei que não é todo mundo que lê publicações longas. Com certeza, precisamos expandir nossos formatos de podcast. A tradução de estudos para formatos de redes sociais é uma tarefa que precisamos assumir.
HB: Nós continuaremos a apoiar a esquerda da sociedade com nosso trabalho analítico e educacional. Continuaremos a aguçar nosso foco estratégico. O principal objetivo dos nossos canais nas redes sociais é gerar interesse na fundação e o que ela oferece, chamar atenção para nós e para nosso trabalho.
Dois dias antes da eleição, a bancada dos Democratas Cristãos (CDU, na sigla em alemão) enviou um inquérito parlamentar com 551 perguntas para o governo federal com o título “Neutralidade política das organizações financiadas pelo Estado”, com foco em associações como Correctiv, Omas gegen Rechts, Campact e Amigos da Terra e o financiamento público que elas recebem. Há quem veja esse movimento como um ataque à democracia e à sociedade civil. Qual é a opinião de vocês?
DT: É esse o entendimento de democracia do novo chanceler e do CDU? Alguém que protesta contra a política do governo está na mira? Há um equívoco no julgamento do trabalho das organizações sem fins lucrativos. Elas não são, por si só, politicamente neutras, mas refletem o panorama político mais amplo. É justamente essa diversidade a pedra angular da nossa democracia. Aqui, as organizações sem fins lucrativos estão ameaçadas de mordaça. Isso tem traços autoritários. É bom se houver maior resistência contra isso [essa ameaça][P|1] , porque a manchete a respeito das doações públicas que algumas dessas associações receberam é a de “promoção da democracia”. É exatamente isso que a Omas gegen Rechts e todas as outras fizeram.
“O bom resultado eleitoral nos obriga a melhorar a qualidade da cooperação entre o partido, a bancada no parlamento e a fundação.”
HB: É um ataque contra a sociedade civil e a democracia que lembra muito a abordagem de Trump.
O ano passado foi difícil para a fundação. Com a entrada em vigor da Lei de Financiamento de Fundações, ela precisará se ajustar à redução dos recursos financeiros a partir de 2026. Que passos foram tomados para consolidá-la financeiramente?
HB: Nós já enfrentamos e continuamos enfrentando a necessidade de adaptar a fundação aos recursos disponíveis para nós. É por isso que iniciamos um processo de mudanças operacionais em 2024 para garantir o futuro da fundação. Isso inclui entregar imóveis alugados, focar na atuação política, reduzir o financiamento de projetos e, como último recurso, cortar empregos.
Apesar do excelente resultado eleitoral do partido, o processo de transformação operacional segue sendo necessário. Precisamos garantir que a fundação continue solvente e capaz de atuar mesmo após a redução esperada de seu financiamento.
O que deve acontecer daqui para frente?
DT: Estamos hoje calculando o novo índice de financiamento, o impacto sobre as receitas e o desenvolvimento de despesas ao longo dos próximos anos. O índice de financiamento vai cair de cerca de 9,9% para 8,49%. Isso se deve, em parte, ao fato de que a Lei de Financiamento de Fundações estipula que a média dos últimos quatro resultados eleitorais determina a fatia de financiamento da nossa fundação, e o resultado excelente de 11,9% na eleição de 2009 agora vai cair para essa média.
Por outro lado, a Fundação Erasmus, da Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão), está sendo considerada pela primeira vez. Isso, repito, tem um impacto substancial no nível de financiamento de todas as outras fundações. Outro elemento imponderável é o orçamento federal para 2025 e 2026, que ainda não foi aprovado, e o dissídio do acordo coletivo, que deve ser alto, o que é uma boa notícia para os funcionários, mas têm um peso para a situação financeira da fundação.
HB: O bom resultado eleitoral nos obriga a melhorar a qualidade da cooperação entre o partido, a bancada no parlamento e a fundação. O Conselho Executivo vai analisar isso e chegar a conclusões.
Traduzido do inglês por Aline Scátola.
Heinz Bierbaum é presidente do Conselho Executivo da Fundação Rosa Luxemburgo.
Daniela Trochowski é diretora-executiva da Fundação Rosa Luxemburgo.
Legenda da foto: Heinz Bierbaum e Daniela Trochowski, respectivamente presidente e diretora-executiva da Fundação Rosa Luxemburgo. Foto: Olaf Krostitz
[P|1]Sugestão para evitar ambiguidade no trecho
“It is good if broad resistance is raised against it, because the headline that stands over the public donations that some of these associations have received is ‘promoting democracy’.”