O livro “O Brasil made in China” é o resultado de um ano de pesquisa e análise sobre as relações econômicas e políticas entre os dois países, realizado pela pesquisadora Camila Moreno a partir de reflexões da Fundação Rosa Luxemburgo sobre o tema. Avalia e questiona os impactos desta relação sobre cotidianos, territórios e bens naturais, bem como o novo capitalismo advindo do “consenso de Beijing” e sua relação com o desenvolvimentismo que predomina nas políticas econômicas do país no último período.
Comentário ao livro
Por Paulo Arantes
O meio século desenvolvimentista brasileiro transcorreu entre duas ditaduras. Inaugurado pelo Estado Novo (1937), seu auge foi alcançado igualmente numa outra ditadura (1964-1985). É muita coincidência para não cair na tentação de associar desenvolvimentismo e violência de Estado. Tão pouco é mera coincidência que o mito do desenvolvimento seja uma narrativa da Guerra Fria, sugerindo de novo afinidades entre os dispositivos de poder armados pelo impulso desenvolvimentista e as formas da guerra. Externa e interna. Coalizões de classe em torno de um “interesse nacional” de um lado, forças oponentes adversas de outro. A Guerra Fria terminou, o momento unipolar americano também. Bem como o ciclo das ditaduras brasileiras. Todavia, como o vínculo entre acumulação recuperadora e violência estratégica parece ser congênito, nossa atual recaída neodesenvolvimentista, além de assustar e mobilizar, parece-me que está pedindo explicação exatamente nesta chave.
Se Camila Moreno e Verena Glass – na contramão do atual consenso progressista latino-americano – estão certas, esse retorno explosivo da ilusão desenvolvimentista pode e deve ser entendido como um efeito colateral e dramático do fator China, que sabidamente reconfigurou todo o metabolismo da reprodução capitalista no planeta.
O Brasil made in China não é em absoluto mais um livro sobre o espectro de uma China Global rondando e devorando o mundo, até porque esse mundo está sendo fabricado por lá mesmo. Por isso “nós estamos dentro da China e a China está dentro de nós”. Na Amazônia, por exemplo. E, em escala mega e acelerada, como tudo o que ocorre na China e a partir da China. Em regime de urgência, crescer até o topo antes que o mundo se esgote. Daí o capitalismo de fronteira no qual estamos mergulhados. Os mapas que ilustram este livro são os mapas de um novo front.
Desde a Conquista, fronteira é um limbo jurídico, território de exceção por excelência. A esta altura já não é mais possível distinguir estratégias empresariais e militares de controle dos territórios, como observou Henri Acselrad. Da Amazônia ao Rio de Janeiro. Não vejo melhor manual de instrução no momento. E justamente no momento em que escrevo esta Nota, está se armando sobre as grandes regiões metropolitanas do país uma tempestade perfeita, quando vários limiares sociais e ambientais estão sendo dramaticamente ultrapassados. O Brasil made in China certamente ajudará a ligar os pontos.
Leia aqui o prefácio ao livro escrito por Verena Glass
Sobre a autora
Camila Moreno é formada em Filosofia (UFRGS) e Direito (PUC-RS). Fez seu mestrado e está concluindo o doutorado em sociologia pelo CPDA/UFRRJ. É membro do Grupo de Trabalho de Ecologia Política do Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso) e do Grupo Permanente de Trabalho sobre Desenvolvimento, da Fundação Rosa Luxemburgo – Escritório Andino. Há dois anos estuda as relações da China com a América Latina e seus impactos sociais, políticos e econômicos na região.
Título: O Brasil made in China
Autora: Camila Moreno
ISBN: 978-85-68302-02-6
Fundação Rosa Luxemburgo, 116 p., 2015
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