Por Niklas Franzen, Berlim*
Freital, Heidenau, Tröglitz – essas cidades pequenas tornaram-se símbolos nos últimos dias. Símbolos de uma onda de racismo na Alemanha. É difícil abrir os jornais sem ler de um novo ataque racista em algum lugar nesse país. Cada dia ouvimos de novos incêndios em albergues para refugiados. Cada dia há novos ataques físicos a imigrantes. Cada dia acontecem manifestações de “cidadãos preocupados” contra a imigração.
Destaque dessa ofensiva racista foram os acontecimentos em Heidenau, cidade no estado Saxônia no leste do país, em 22 e 23 de agosto. Após uma manifestação com mais de 1.000 participantes – organizada por um político local do partido neonazista NPD – um grupo de habitantes e fascistas organizados atacou um prédio planejado para hospedar 250 refugiados. A polícia não conseguiu controlar a violência a noite inteira. Em vez disso brutalmente reprimiu uma contramanifestação de antifascistas. No dia seguinte a violência xenófoba repetiu-se.
As imagens de neonazistas juntos com “alemães normais” controlando uma cidade lembrou muitos os ataques racistas no começo dos anos 90. Logo após a reunificação ocorreram pogroms (ataques violentos contra pessoas com destruição de seus ambientes de vida) racistas em várias cidades alemãs. Em Rostock-Lichtenhagen neonazistas – apoiados por grande parte dos moradores locais – atacaram um prédio habitado por imigrantes vietnamitas por vários dias. Nestes anos morreram estrangeiros incendiados em suas casas em cidades como Mölln ou Solingen, enquanto neonazistas perseguiram e mataram estrangeiros, punks e sem-tetos nas ruas no país inteiro. Agora é preciso perguntar: a história está se repetindo?
Ataques racistas
Políticos de todos os grandes partidos condenaram os recentes ataques racistas. A chanceler Angela Merkel do partido conservador CDU visitou Heidenau quatro dias depois os ataques e descreveu a violência como “vergonha”. O vice-chanceler e dirigente do partido socialdemocrata SPD Sigmar Gabriel exigiu com raiva: “Não podemos deixar nenhum milímetro para esses caras”. Porém grupos antifascistas, que alertam para o crescimento de racismo na Alemanha há muito tempo, criticam que os governantes ignoraram por muito tempo o problema do neonazismo e xenofobia no país. Mesmo depois das revelações sobre o grupo terrorista neonazista NSU, que matou nove imigrantes e é responsável para vários atentados a bomba entre 2000 e 2006, os governantes recusaram-se a admitir que a Alemanha tem um problema com racismo. Ainda esses dias a ameaça da direita é minimizada.
Além disso quase todos os partidos perderam a oportunidade de um posicionamento claro em favor dos refugiados. Uma mudança da política de imigração não está em vista. Para muitos perseguidos as fronteiras da “Fortaleza Europa” permanecem fechadas. Para os que conseguem entrar a situação fica difícil: A condições nos albergues e alojamentos são precárias. Em Berlim centenas de famílias estão acampando em frente a um departamento de imigração. Com a temperatura chegando a 40º C, não há saneamento básico, comida adequada ou proteção mínima para as condições climáticas. O descaso e má vontade das autoridades e a burocracia impedem que os refugiados trabalhem. O apoio vem de alguns setores da população. Especialmente nas grandes cidades cada vez mais alemães não querem aceitar a política discriminatória de imigração do seu país e ajudam com doações ou abrem suas portas para refugiados.
No outro lado grupos da direita estão explorando a situação caótica para sua propaganda racista e aproveitando de um clima já tenso e envenenado. No começo desse ano em quase todas as cidades alemãs aconteceram grandes manifestações organizadas por um grupo chamado Pediga (sigla que quer dizer “Europeus Patriotas contra a Islamificação do Ocidente”). Esses autoproclamados “críticos do Islã” atraíram grandes partes da população com a disseminação de medo ao Islã e preconceitos sobre os recém-chegados. “A semente do Pegida cresce agora”, escreve o grupo antifascista Dresden Nazifrei (Dresden Livre de Nazistas).
A violência certamente atingiu um novo patamar nos últimos dias e é preciso lembrar que racismo e ódio contra estrangeiros são cotidianos na Alemanha. Desde 1990 mais que 180 pessoas foram mortas em ataques racistas. Algumas regiões são classificadas como “No-Go-Areas” (acesso restrito) para estrangeiros, judeus, pessoas alternativas e homossexuais. Especialmente na Alemanha oriental está enraizada uma xenofobia de forma profunda. Mas também no resto do país há fortes sentimentos racistas: no dia 27 de agosto no estado ocidental Niedersachsen desconhecidos jogaram um coquetel molotov em um albergue para refugiados enquanto uma mãe do Zimbábue estava dormindo lá dentro com seus três filhos.
Pessoas que conscientemente arriscam a vida de imigrantes não podem ser chamados de “críticos do asilo” nem de “cidadãos preocupados”, mas sim de racistas e criminosos. Não podemos permitir que pessoas que fugiram da guerra, miséria e morte estejam vivendo um segundo pesadelo na Alemanha. Se continuar assim vai ser uma questão de tempo até mais mortes acontecerem na Alemanha.
De novo.
*Niklas Franzen é jornalista e mora em Berlim – Twitter: https://twitter.com/niklas_franzen