As afetações sobre os corpos das mulheres, que são provocadas pela grande mineração, foram o tema da quinta sessão do curso de extensão “Mulheres em defesa do território-corpo-terra”, realizado pela Fundação Rosa Luxemburgo e Coletiva Diálogos Feministas.
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O protagonismo feminino diante da disparidade entre forças locais e da grande mineração
18/08/2022
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Por Eliege Fante*

Coordenadora política na organização Justiça nos Trilhos, Larissa Pereira Santos

As afetações sobre os corpos das mulheres, que são provocadas pela grande mineração, foram o tema da quinta sessão do curso de extensão “Mulheres em defesa do território-corpo-terra”, realizado pela Fundação Rosa Luxemburgo e Coletiva Diálogos Feministas. O curso acontece desde julho, com transmissão ao vivo das aulas toda segunda-feira às 16h e seguirá até setembro.

A coordenadora política na organização Justiça nos Trilhos, Larissa Pereira Santos, que é jornalista e mestra em Ciências da Comunicação, falou direto de Imperatriz sobre como se dá o processo de escoamento de minério de ferro no estado do Maranhão. “São 23 municípios atingidos, onde vivem centenas de comunidades, entre ribeirinhas, quilombolas e de assentamentos rurais. Além de ferro, transporta também a soja, desencadeando diversas formas de violar os direitos dessas comunidades, em especial os direitos das mulheres,” disse.

As afetações são individuais e coletivas. Abarcam desde o direito de ir e vir, dificultado e ameaçado pela amplificação da violência de gênero. “As mulheres precisam se cuidar ainda mais do que nos lugares onde não tem esses megaprojetos,” contou Larissa a respeito do machismo e patriarcado, âncoras das opressões contra o que é feminino, também a natureza e a água que a mineração destrói. “Até quando esse poder para a destruição vai seguir?”

Larissa apresentou um vídeo que descreve a situação de duas comunidades tradicionais muito importantes: a Comunidade Piquiá de Baixo, de Açailândia, no sul maranhense, e a do tricentenário Quilombo Santa Rosa dos Pretos, de Itapecuru-Mirim, ao norte do mesmo estado. Ao todo, essas duas comunidades reúnem cerca de seis mil pessoas, sem perder de vista os milhares de paraenses alcançados pela poluição que não se limita às fronteiras geográficas. A biodiversidade abundante sofre os impactos devido a contaminação da água por mercúrio e metais pesados. Por isso, as famílias têm o acesso à água dificultado, cabendo às mulheres percorrer distâncias cada vez maiores para encontrar o vital bem natural e coletivo. O pó de ferro das siderúrgicas, instaladas em Açailândia (MA) polui o ar e intoxica os habitantes mesmo dentro das moradias. A escassez de alimento, o peixe, e da renda obtida por essa venda, as rachaduras nas casas, os ruídos sonoros excessivos estão entre as causas de adoecimento. 

“Em 2012, Santa Rosa dos Pretos venceu processo na Justiça contra a Vale, através de Ação Civil Pública instaurada pelo Ministério Público Federal. Mas a recuperação de um igarapé que a empresa concretou e fez praticamente secar, entre outras reparações, até hoje não foram feitas,” contou.

A Companhia Vale do Rio Doce, atualmente chamada Vale S.A., que mudou o nome após os desastres em Mariana e Brumadinho, no estado de Minas Gerais, é a corporação que explora a Serra dos Carajás desde o Programa Grande Carajás, dos anos 1960. A Estrada de Ferro Carajás (EF-315), tem 892 km de extensão, inicia no Pará e, ao atravessar o Maranhão, chega ao Terminal Portuário de Ponta da Madeira, em São Luís, a capital maranhense, onde é exportado o fruto do extrativismo predatório.

Consta ainda no Wikipédia, que a construção iniciada em 1982, passou por duplicações desde 2010 e por uma expansão a partir do Projeto Ferro Carajás S11D, sendo o S relativo à direção Sul da Serra explorada, localizada no bloco D do corpo geológico 11, área do município de Canaã dos Carajás (PA) e, parte, situada em plena Floresta Nacional de Carajás.

Para a palestrante, as condições de vida das comunidades desse território pioraram muito após o S11D: são 330 vagões, cuja velocidade do trem de três quilômetros de extensão, pode alcançar 132km/h, interferindo no cotidiano nesse interior brasileiro. Os atropelamentos não são raros, antes disso, as condições de sobrevivência estão dificultadas, através do desaparecimento de igarapés, ou seja, as fontes de água locais e, por consequência, de alimento e renda com a venda do peixe. Neste contexto, a organização Justiça nos Trilhos, conforme Larissa, atua no fortalecimento dos processos de resistência vigentes em prol de alternativas para enfrentar as violações de direitos humanos e da natureza.

Desarranjo generalizado

Mestra em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia e educadora popular, Rosemayre Lima Bezerra.

De Marabá (PA), a palestrante Rosemayre Lima Bezerra, que é professora de Sociologia da rede estadual de ensino, mestra em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia e educadora popular, expôs os efeitos da grande mineração na vida dos paraenses. O vídeo que exibiu, demonstrou os impactos socioambientais sofridos pelos povos indígenas, em especial do território Xikrin, prejudicado desde a exploração das Serras do Onça e do Puma, na sub-bacia do Rio Catete e do Igarapé Carapanã, pela Mineração Onça Puma Ltda., subsidiária da Vale. Os entrevistados no vídeo contam que não podem caçar nem pescar, o que os obriga a adquirir alimentos na cidade e alheios aos saberes e costumes. A contaminação da água por mercúrio e metais pesados, conjunta às explosões nas minas, afugentam a fauna e adoecem os povos da região. É uma degradação generalizada. “Todos os anos, os povos batiam timbó dentro do rio, o que se tornou impossível devido a contaminação e reflete uma perda grande na cultura,” disse Rosemayre. “Bater timbó”, um cipó comum na região, é o modo tradicional indígena de pescar.

Rosemayre chamou a atenção para a invisibilidade e até a negação das afetações sobre as mulheres, os efeitos da grande mineração em todos os habitantes e em medidas distintas. Daí a importância de compreender que os impactos no dia a dia das pessoas não findam, se transformam no inimaginável e sem consulta prévia nem consentimento: “As grandes corporações ditam o processo da mineração, que se inicia nas primeiras atividades, como de pesquisa mineral, ao assediarem as comunidades nos lotes sem informar direito do que é a pesquisa e de quem. Assim ocorre um desmonte das perspectivas, dos planos das pessoas que imaginaram viver ali, e vem mineradora e o governo alterando as rotinas. A fase da implementação do projeto se dá com a expulsão das famílias dos seus territórios e a consequente árdua luta por reassentamento e indenizações, o que dura décadas. Enquanto isso, houve um desarranjo familiar, comunitário, afetivo, sobrecarga nas responsabilidades das mulheres, seja porque o posto de saúde foi desmobilizado, a escola foi mais longe, etc. Com a entrada da mina em operação, às mulheres resta o subemprego, a informalidade e o empobrecimento, além do aumento dos crimes sexuais, contra crianças e de casos de gravidez na adolescência, ou seja, a grande mineração soma para a violação de direitos. E ainda tem toda a infraestrutura montada, as empresas que se instalam nos territórios, e mantêm a lógica opressora,” relatou.

O processo da mineração se situa no âmbito da reprimarização da economia como política pública com ênfase nas commodities, segundo apontou Rosemayre, o que colocou a Amazônia como zona de sacrifício. Notícia recente do Supremo Tribunal Federal (STF) é de que tramitam duas ações referentes aos impactos ambientais no Pará decorrentes desse projeto. A extração de níquel ocorre desde 2011 e impacta também os habitantes das zonas rurais de Ourilândia do Norte e de Redenção (PA), conforme o divulgado pela Assembleia Legislativa do Pará, que instalou a “CPI da Vale” em 26 de maio de 2021 e já teve três prorrogações. Conforme costa neste link: “a comissão trabalha para apurar questões como a concessão de incentivos fiscais à empresa, o descumprimento de condicionantes, a ausência de segurança em barragens, repasses incorretos de recursos aos municípios, falta de transparência, sonegação, manobras fiscais e outros fatos ligados ao desenvolvimento do estado, como exemplo a ausência de projetos de verticalização da produção local”.  

Segundo Rosemayre, mais informações podem ser obtidas no Relatório quarto da “Cumplicidade na destruição”, lançado em fevereiro deste ano, que apresenta “como mineradoras e investidores internacionais contribuem para a violação dos direitos indígenas e ameaçam o futuro da Amazônia” e pode ser acessado aqui. Se você perdeu essa aula, assista aqui.

A próxima aula aberta do curso de extensão “Mulheres em defesa do território-corpo-terra” vai ser em 22 de agosto às 16h. O tema da sexta sessão é Agronegócio e resistências nos territórios, com as palestrantes Valéria Pereira Santos CPT/Cerrado e Elisa Urbano Ramos (Pankararu e APOINME). A coordenação vai ser com Sarah Luiza de Souza Moreira (doutoranda CPDA/UFRRJ e GT Mulheres da ANA).

* Eliege Fante é jornalista, mestra e doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS, associada ao Núcleo de Ecojornalistas do RS.