Irreverente e irrequieto, Alberto Dines foi multitarefa quando a palavra sequer era moda. Enquanto construía sua brilhante trajetória jornalística, empregou a escrita afiada também para críticas de cinema, livros, biografias
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Obrigado, mestre Dines!
24/05/2018
por
Astrid Prange e Kristina Michahelles

A “loucura” de Alberto Dines por Stefan Zweig presenteou o Brasil com um museu e um centro de memória do exílio; a “loucura” pelo jornalismo ofereceu alternativas à imprensa – e mais chances à reflexão

Por Astrid Prange, Deutsche Welle

Car@s brasileir@s, por que procurar grandes jornalistas no estrangeiro? O Brasil também tem o seu Joseph Pulitzer ou Egon Erwin Kisch. O nome desse grande repórter, escritor e editor é Alberto Dines. Era um profeta que, 20 anos atrás, já sabia o que o jornalismo de hoje precisava. Ele faleceu na terça-feira, 22 de maio, em São Paulo. É meu mestre brasileiro.

Dines_Foto_JacquelineMachadoA paixão de Alberto Dines pelo jornalismo e pelos seus projetos de vida era contagiante. Na inauguração da Casa Stefan Zweig, em 2004, ele agradeceu no discurso ao “bando de loucos” que estavam dispostos a levar adiante o tributo ao escritor austríaco que ele tanto amava.

A “loucura” de Alberto Dines por Stefan Zweig começou em 1940, quando o escritor austríaco e a sua esposa Lotte visitaram uma escola judaica em Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Naquela época, Dines era um menino de oito anos de idade, e o pai dele era um dos líderes da comunidade judaica no Rio. Ele tinha ouvido o nome Stefan Zweig em casa, e por isso ficou atento quando o escritor visitou a escola.

Quando ele soube que esse Stefan Zweig se suicidou, ficou com uma ferida. Começou a se interessar pela obra dele e entrou em sua alma. Virou um profundo conhecedor de Zweig. A ferida cicatrizou somente em 2013 quando ele terminou a biografia Morte no paraíso – A tragédia de Stefan Zweig.

“O analista só deu alta para ele quando o livro foi publicado”, contava a esposa de Dines, Norma Curi, para amigos. “Enquanto ele estava escrevendo a biografia, tinha sempre mais um homem na nossa cama: Stefan Zweig”, brincava ela. Trabalho constante e doces austríacos pelo menos ajudaram a acalmar o ânimo do Alberto Dines, que adorava o famoso “Apfelstrudel”.

A “loucura” de Dines por Stefan Zweig presenteou o Brasil com um museu e centro de memória do exílio na antiga casa do escritor em Petrópolis. A “loucura” pelo jornalismo presenteou o Brasil com inovações jornalísticas.

A inovação pioneira foi a fundação do Observatório da Imprensa. Estabelecer a crítica sistemática à mídia através de uma instituição independente em 1996, num tempo em que nem todos os jornais, rádios e TVs tinham uma presença na internet, foi um ato profético.

Antecipar o discurso de ódio, descrever a concentração e os interesses particulares da mídia brasileira, denunciar informações falsas, contribuir para a autocrítica da imprensa através da criação do “ombudsman”, e prever a crise do jornalismo mundial mostram a grandeza de Alberto Dines.

Alberto Dines se foi numa época em que o Brasil mais do que nunca precisa de pessoas que pensem grande. Ele não conseguiu frear a concentração da mídia que ele mesmo descreveu, e o desvio ideológico na mídia que ele observava e que lhe preocupava.

Mas ele quis e conseguiu “oferecer alternativas de pensamentos” – como resumiu certa vez o alcance do Observatório da Imprensa em 2016, 20 anos depois de sua criação. “Pensar grande ou fazer pensar. Se conseguimos isso nessas duas décadas de Observatório, valeu a pena.” Valeu sim! Obrigada, mestre Dines.

 

TV Brasil: Corpo do jornalista Alberto Dines é enterrado em São Paulo

Paixão pela beleza

Por Kristina Michahelles, Jornal do Brasil

Irreverente e irrequieto, Alberto Dines foi multitarefa quando a palavra sequer era moda. Enquanto construía sua brilhante trajetória jornalística, empregou a escrita afiada também para críticas de cinema, livros, biografias. Dines iniciou a carreira de escritor solo em 1972 com um volume de contos, Posso? (ed. Sabiá). Um ano depois, dá os primeiros passos como biógrafo com Érico Veríssimo, publicado pela Editora Jornal do Brasil. Em 1974, sai o livro que deveria ser leitura obrigatória para todo estudante de jornalismo, O papel de jornal (Ed. Artenova), sucessivas vezes reeditado com acréscimos.

Mas sua obra mais importante é o minucioso Morte no paraíso, a tragédia de Stefan Zweig, de 1981, cuja quarta edição saiu pela Rocco em 2012. Traduzida para o alemão por Marlen Eckl, é referência no mundo inteiro de estudiosos do escritor austríaco que se suicidou no Brasil em 1942. Entender Stefan Zweig, sua obra, seu tempo e seu gesto final foi uma obsessão tão grande na vida de Dines que ele só recebeu alta da psicanálise quando o livro saiu do prelo.

Durante seu tempo de correspondente em Lisboa, a inquietação intelectual de Dines o fez mergulhar na vida de outro personagem, Antônio José da Silva, o Judeu. Vínculos do fogo (Cia. das Letras, 1992) mereceu o Jabuti de Estudos Literários em 1993. Por último, um livro menos lembrado, que traça os rumos de uma família de tesoureiros de reis desde o século XII: O baú de Abravanel: uma crônica de sete séculos até Silvio Santos. As obras coordenadas e organizadas por Dines são tão numerosas que o historiador Fábio Koifman teve dificuldade em listá-las no livro Ensaios em homenagem a Alberto Dines, que as Edições de Janeiro lançaram em 2017 por ocasião de seus 85 anos.

Sua última obra não é de papel, e sim de pedra: a Casa Stefan Zweig, pequeno museu encravado na Rua Gonçalves Dias 34, em Petrópolis, na última morada do escritor austríaco e de sua segunda mulher, Lotte, inaugurado em 2012. Convivemos ao longo dos últimos 12 anos em torno do seu alter ego. Cético com os rumos do mundo, como Stefan Zweig, Dines nos legou o mesmo humanismo, o entusiasmo pela verdade e a paixão pela beleza.

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Foto: Jacqueline Machado