A campanha bem-sucedida do Die Linke na região leste de Berlim sintetiza as mudanças que estão atravessando o partido
Outra forma de fazer política
19/03/2025
por
Boris Kanzleiter

Another Way of Doing Politics

No fim de semana anterior à eleição federal alemã, já era evidente que havia algo grandioso acontecendo no distrito de Lichtenberg, em Berlim. Na tarde de sexta-feira, centenas de pessoas — filiadas e não filiadas, estudantes, trabalhadoras e trabalhadores, entre 18 e 80 anos — se reuniram no auditório da cooperativa habitacional VORWÄRTS em Friedrichsfelde para o último evento de campanha do Die Link com a candidata direta do distrito, Ines Schwerdtner, recém-nomeada presidenta do partido. No fim de semana seguinte, o número de pessoas foi ainda maior. Usando coletes vermelhos e levando panfletos, abaixo-assinados e canetas, elas saíram em pequenos grupos rumo aos bairros vizinhos. Com a diligência de formigas, caminharam quilômetros por ruas entre os Plattenbauten, subindo e descendo incansáveis as escadas dos imensos prédios residenciais, batendo às portas na esperança de conversar com pessoas da comunidade local sobre seus problemas e preocupações e pedindo votos para o Die Linke.

“A campanha de porta em porta foi uma experiência ótima para mim”, explica Marcel, de 33 anos, que se dedicou imensamente à campanha e participou de inúmeras expedições em busca de votos. “Para mim, foi importante poder adotar alguma forma de ação concreta para impedir os votos indecisos de irem para a direita. O clima foi surpreendentemente positivo: foram poucas as portas que bateram na nossa cara, e eu só recebi uma agressão verbal”, conta o morador de Lichtenberg, que trabalha em um centro de atendimento. No passado, Marcel já havia militado no movimento de inquilinos, mas, como muitas outras pessoas, só se filiou ao partido durante a campanha eleitoral. Só em Lichtenberg, 500 pessoas se filiaram ao Partido desde o início do ano. “Foi muito divertido poder oferecer apoio às pessoas, por exemplo mostrando a calculadora da conta de calefação ou trazendo informações sobre os serviços de atendimento social”.

Segundo Regina Brückner, integrante da equipe de organização da campanha, em três fins de semana de campanha ativa realizada entre janeiro e fevereiro, e também ao longo de inúmeras ações individuais realizadas nos períodos da tarde, os “coletes vermelhos” bateram em um total de 68.078 portas em Lichtenberg nas semanas anteriores à eleição. Ela calcula que isso represente “quase uma em cada duas casas em um total de 152.100 unidades”. Com base nesses números, reunidos a partir de dados coletados pelos militantes, que utilizaram o aplicativo de campanha Zetkin, 24.312 portas foram abertas, 11.891 conversas amistosas foram conduzidas e, em resposta à pergunta final da militância, 6.461 pessoas prometeram ir votar.

“Ainda que o dinamismo da campanha eleitoral tenha surpreendido muita gente, nada ficou para o acaso.”

“Dessa forma, acabamos conseguindo alcançar aproximadamente 35 mil pessoas, porque as conversas que tivemos com as pessoas depois se espalhavam entre familiares e amizades”, explica Regina Brückner com alegria. E ela corrobora a observação de Marcel: “Muita gente disse que votaria em nós.” Mas não foi só o clima positivo na porta da casa das pessoas que surpreendeu. Como lembra Regina, ninguém havia previsto que tanta gente se ofereceria para sair em busca de votos de forma voluntária. “Em dezembro, falamos entre a equipe de organização sobre nossa meta de alcançar 30 mil portas. Conseguimos mais do que dobrar essa meta.”

Os resultados do partido na eleição de 23 de fevereiro não ficam atrás: o Die Linke alcançou 23,5% de votos na legenda em Lichtenberg — 5,2% mais do que em 2021, o que faz dele o partido mais forte, ligeiramente à frente do AfD, que ficou em segundo lugar, com 22,4%. Mas são os resultados do voto direto que merecem atenção especial. Com um total de 34%, Ines Schwerdtner conquistou dez pontos percentuais a mais que o número de votos registrados na legenda e que o número de votos diretos recebidos por sua antecessora, Gesine Lötzsch, na última eleição parlamentar. Enquanto isso, a candidata local da AfD, Beatrix von Storch, garantiu apenas 21,9% — abaixo do número de votos recebidos por seu partido.

É evidente que os esforços da equipe de campanha do Die Linke nos últimos dias antes da eleição valeram a pena: ao concentrar a atenção do eleitorado na disputa entre Schwerdtner e Storch, a militância conseguiu convencer um número considerável de eleitores e eleitoras do SPD, do BSW e dos Verdes a darem seu voto direto à líder do Die Linke para evitar o avanço da candidata da extrema direita, von Storch. Mas ficou evidente que a estratégia também valeu a pena no nível nacional: com 8,8% do voto em legenda no país e o impressionante número de seis mandatos diretos no Bundestag, o partido voltou com uma vitória eleitoral como não se via há muitos anos.

Devagar e sempre para vencer a corrida

O imenso sucesso eleitoral do Die Linke no nível nacional se deu à sinergia entre uma série de fatores. Além do foco principal do partido em questões sociais, também houve uma campanha forte e bem-sucedida nas redes sociais e colaborações com influenciadores e influenciadoras digitais. O discurso acalorado de Heidi Reichinnek, mais bem votada do partido, no dia 29 de janeiro em reação à decisão dos Partidos da União (União Democrata-Cristã e União Social-Cristã – CDU/CSU) de somar forças com a AfD para avançar com uma moção no Bundestag para restringir a política migratória da Alemanha alcançou cerca de 25 milhões de visualizações. Ao mesmo tempo, a capacidade do partido de mobilizar o eleitorado e sua própria militância também pode ser atribuída, em grande parte, à campanha feita de porta em porta, que já vinha sendo planejada há bastante tempo. Sobretudo na campanha para garantir os mandatos diretos e os votos diretos para candidatos nos distritos eleitorais, a busca ativa por votos parece ter sido um fator central.

Ainda que o dinamismo da campanha eleitoral tenha surpreendido muita gente, nada ficou para o acaso, como aponta Martin Neise, da sede do partido na Karl-Liebknecht-Haus. “Assim que as eleições antecipadas foram anunciadas em novembro, começamos a preparar uma grande campanha de porta em porta em distritos eleitorais selecionados”, explica Neise, responsável por organizar o setor do projeto em Lichtenberg. “Nosso primeiro passo foi reunir uma equipe local de pessoas dedicadas e entusiasmadas com níveis diversos e diferentes tipos de experiência em campanha.” A sede do partido complementou o apoio com pessoas e recursos. As datas foram agendadas para três fins de semana de campanha ativa. Eventos regulares de recepção para novas pessoas recrutadas para a campanha foram realizados no salão de eventos da cooperativa habitacional VORWÄRTS. Uma estrutura de comunicação interna com uma gestão central, equipada com canal no Telegram e lista de e-mails, foi estabelecida para informar e mobilizar com regularidade o grupo cada vez maior de pessoas voluntárias sobre ações, eventos e marcos alcançados durante o período de campanha. Quando a campanha chegou ao final, mais de mil pessoas haviam assinado o canal do Die Linke no Telegram só no distrito eleitoral de Lichtenberg.

“Quando chegou o dia da eleição, a militância tinha batido em cerca de 638.123 portas em toda a Alemanha, incluindo todos os seis distritos eleitorais em que o Die Linke garantiu mandato direto.”

“Bater de porta em porta foi o coração mesmo da nossa campanha eleitoral – todo o resto se estruturou a partir disso”, Neise explica. “Começamos nossa campanha de porta em porta, primeiro, indo nos prédios residenciais onde já havíamos conseguido um apoio considerável nas eleições anteriores. Então acho que se pode dizer que começamos dentro dos nossos próprios redutos.” Foi só mais adiante na campanha que outros bairros entraram na mira dos esforços para angariar votos, sobretudo no caso da campanha pelos votos diretos. As primeiras regiões a serem incluídas foram aquelas onde o Die Linke tinha recentemente perdido apoio após o racha entre o partido e o BSW ou quando o SPD ganhou força, e depois foram incluídas as regiões abastadas de classe média com habitações unifamiliares. Para Neise, também foi essencial que todas as outras atividades do partido – como as Rote Tafeln (Mesas Vermelhas), com distribuição de linguiça e chá, as horas de atendimento social e diversos eventos públicos – fossem planejadas de forma que pudessem ser promovidas para membros do público no contexto das interações de porta em porta. “Com isso, conseguimos oferecer à população um serviço de acompanhamento na porta de casa e mostrar que, com relação aos problemas específicos que as pessoas enfrentam, estávamos abertos e responsivos como partido, podendo auxiliá-las de forma concreta.”

As conversas de porta em porta tinham um efeito duplo. De um lado, essas interações ofereceram a quem trabalhou na campanha uma oportunidade de fazer uma contribuição prática e palpável, para participar e aprender algo com as conversas com a população. Ao mesmo tempo, muitas das pessoas com quem dialogaram sentiam que suas esperanças e preocupações estavam sendo ouvidas e levadas a sério. Esses diálogos motivaram o engajamento e a confiança no partido entre pessoas que estavam afastadas, ao mesmo tempo oferecendo um sentimento de afirmação e motivação a quem já se envolvia ativamente na campanha. Martin Neise também destaca o impacto de um número imenso de pessoas de colete vermelho: “Nossa militância era vista em todos os lugares. Nós fomos assunto em muitos bairros.”

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Legenda da foto: Apoiadores do Die Linke promovem Rote Tafel durante a campanha em Lichtenberg. Foto: Olaf Krostitz

Legenda da foto: Panfletos divulgando a calculadora do Die Linke para a conta de calefação. Foto: Olaf Krostitz

Todos os anos de acúmulo de conhecimento e experiência na sede do partido e nos esforços locais para angariar votos nos anos anteriores tiveram efeito na brevíssima campanha eleitoral para o Bundestag. Martin Neise lembra que, dez anos atrás, a Karl-Liebknecht-Haus conduziu as primeiras reuniões com ativistas dos EUA e do Reino Unido, onde a busca ativa por votos era uma tradição antiga. Integrantes do partido estudaram diretrizes e leram documentos delineando as regras básicas para o trabalho de campanha, e as primeiras iniciativas em menor escala foram lançadas em 2018, para depois serem ampliadas durante a campanha eleitoral parlamentar de 2021.

Entre as conquistas do partido estiveram eleições para a prefeitura de Rostock e Boizenburg em Meclemburgo-Pomerânia Ocidental no primeiro semestre de 2022. Um grande avanço ocorreu na eleição estadual da Saxônia em outubro passado, com a vitoriosa campanha de porta em porta liderada por Nam Duy Nguyen, que superou as dificuldades e conseguiu garantir um mandato direto em Leipzig. No entanto, a nova abordagem de porta em porta só foi ser lançada em grande escala na eleição federal. Quando chegou o dia do pleito, a militância tinha batido em algo em torno de 638.123 em toda a Alemanha, inclusive em todos os seis distritos eleitorais em que o Die Linke conquistou mandato direto. A campanha foi precedida por um amplo levantamento conduzido em 2024, que pediu para a população identificar suas principais preocupações. As respostas foram adotadas como demandas principais da campanha eleitoral: o combate aos aluguéis abusivos e ao custo de vida cada vez mais alto.

Lichtenberg bleibt rot

As campanhas de porta em porta seguiram dinâmicas diferentes a depender do distrito, e foram determinadas pelas condições e questões prevalentes em cada comunidade local, além das estruturas do próprio partido em cada distrito eleitoral. Cada uma das campanhas seria analisada separadamente para que fosse possível, a partir daí, fazer comparações. A zona eleitoral de Lichtenberg, em Berlim, apresentou um caso singular. Graças a sua estrutura demográfica, o distrito, que também abriga um cemitério socialista onde estão localizados os memoriais de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, foi um reduto do Partido do Socialismo Democrático (PDS) e, mais tarde, do Die Linke após o fim da República Democrática Alemã. Nos anos 1990, o PDS venceu no distrito com a aclamada economista Christa Luft. Desde 2002, Gesine Lötzsch foi eleita diretamente em seis pleitos consecutivos, registrando sua maior vitória em 2009, quando conquistou 47,5% dos votos diretos. Embora a ex-presidenta do partido Gesine Lötzsch continue sendo uma figura popular no distrito e seja ainda muito respeitada em todos os níveis do partido, o apoio ao Die Linke caiu nos últimos anos – tendência que se viu em todo o país e que não pode ser evidentemente revertida pela popularidade de uma figura individual da agremiação. Em 2021, ano em que a legenda quase foi retirada do Bundestag, Lötzsch levou apenas 25% dos votos diretos em seu reduto eleitoral.

Com isso, a possibilidade de vitória para um mandato direto por essa zona eleitoral para Schwerdtner, de 36 anos, nome relativamente novo na política e praticamente desconhecido no distrito, estava longe de garantida. No entanto, a campanha de porta em porta a transformou em um nome familiar em questão de semanas. O aumento repentino da visibilidade midiática do partido e sua campanha nas redes sociais também contribuíram para esse avanço. Mas a decisão de priorizar questões sociais foi também muito efetiva. “Nosso foco em temas sociais realmente comoveu a população de Lichtenberg”, Martin Neise acrescenta. “Os compromissos públicos feitos por Ines Schwerdtner, Jan van Aken e outros candidatos de limitar seus salários ao mesmo patamar do salário médio e doar o restante para projetos sociais e serviços de assistência jurídica também levaram a um alto nível de credibilidade para o partido. A recepção a essa ideia foi incrível.”

“O Die Linke deve ser um partido caracterizado por um senso de alegria e solidariedade. Ao mesmo tempo, as muitas novas pessoas recrutadas pela sigla precisarão se integrar de forma adequada no nível local e se manter filiadas no longo prazo.”

Outro fator essencial foi a intensificação da batalha direta entre Schwerdtner e a candidata da extrema direita da AfD, Beatrix von Storch — disputa essa que o Die Linke venceu em Lichtenberg graças ao histórico especial da região como um distrito da antiga Alemanha Oriental. “Foi uma batalha do bem contra o mal: a filha da classe trabalhadora do Leste disputando contra a aristocrata abastada do Oeste, cujo avô foi ministro das finanças de Adolf Hitler.” A campanha direta por votos também serviu como ferramenta essencial para comunicar essa narrativa ao eleitorado.

Parece que, graças a uma combinação frutífera de organização eficiente, estratégia bem pensada e uma dose saudável de sorte, o Die Linke agora conquistou uma segunda chance. Será que o partido vai conseguir aproveitá-la? Neste artigo sobre Como o Die Linke cresceu e superou expectativas nas eleições alemãs, as lideranças do partido Ines Schwerdtner e Jan van Aken comentam sobre as diversas ideias e estratégias que, segundo esperam, devem estabilizar o partido no longo prazo e garantir que distritos como Lichtenberg continuem vermelhos. No nível federal, o partido precisará se posicionar como força de oposição social ao governo federal CDU/CSU/SPD liderado por Friedrich Merz, em um compromisso incansável com a luta de classes.

Com foco nas questões centrais da esquerda relacionadas à justiça social, o partido conseguirá melhorar sua imagem. Uma “linguagem direta e capaz de mobilizar” deve ser adotada, para que as pessoas possam, de novo, compreender o que o partido de fato defende. Guiado por um princípio de “gentileza revolucionária”, o Die Linke também deve ser um partido caracterizado por um senso de alegria e solidariedade. Ao mesmo tempo, as muitas novas pessoas recrutadas pela sigla precisarão se integrar de forma adequada no nível local e se manter filiadas no longo prazo. A organização de formas práticas e palpáveis de assistência por meio das Rote Tafeln, além dos serviços de assistência jurídica e atendimento social, devem ajudar aqui. As intenções anunciadas pelo novo governo Merz de reverter antigos avanços sociais e atacar direitos democráticos serão o teste decisivo para o Die Linke. Será que o partido conseguirá contribuir para a resistência e desenvolver uma alternativa social que possa impedir uma guinada ainda maior para a direita? Uma coisa é certa: “Uma força de esquerda é sempre grande quando faz a diferença na vida das pessoas”, como escrevem as lideranças do partido.


Boris Kanzleiter é, na maior parte do tempo, diretor do escritório da Fundação Rosa Luxemburgo em Atenas. Nas férias, teve a sorte de participar da campanha eleitoral do Die Linke em Lichtenberg.

Legenda da foto: Candidata do Die Linke por Lichtenberg, a presidenta do partido Ines Schwerdtner, conversa com possíveis eleitoras na rua. Foto: Olaf Krostitz

Este artigo foi publicado originalmente em LuXemburg. Traduzido do inglês por Aline Scátola.