Em visita do secretário geral da Anistia Internacional, indígenas do Mato Grosso do Sul pedem justiça.
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“Para nós, progresso é preservar a terra”
09/12/2013
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Em visita do secretário geral da Anistia Internacional, indígenas do Mato Grosso do Sul pedem justiça.

mato grosso

Por Anistia Internacional

Na quarta-feira 7 de agosto, em visita ao acampamento Apikay, no município de Dourados, e à reserva indígena de Dourados, em Mato Grosso do Sul, o secretário-geral da Anistia Internacional, Salil Shetty, expressou sua preocupação com a situação indígena no estado do Mato Grosso do Sul e do Brasil. Ele esteve reunido com liderenças indígenas das etnias Guarani Ñandeva, Guarani-kaiowá, Terena, Ofaie, Kinikinau e Kadiweu, entre outras etnias.

“É muito sofrimento e são muitas mortes. A Anistia Internacional vem trazer sua solidariedade e seu apoio à causa indígena no Brasil. O país não pode apostar no desenvolvimento que tenha como preço a violação de direitos das populações indígenas e tradicionais. Quando a justiça demora é como fosse negada”, afirmou.

No acampamento Apikay, a comitiva da Anistia Internacional ouviu relatos dos guaranis que vivem há cerca de 10 anos acampados às margens da BR 163, na expectativa de retomar suas terras, onde hoje está instalada uma usina de cana de açucar. Cerca de 15 familias vivem confinadas em uma lateral da estrada, em situação extremamente precária, espremidas entre a usina, a rodovia e uma outra área de plantação de soja e cana. Seis integrantes do acampamento morreram nos últimos anos e nenhuma morte foi investigada.

“Não temos como plantar, quando chove bebemos água suja do córrego, nossas crianças vivem doentes. Eu já perdi meu marido, dois filhos e dois netos. Quero a demarcação imediata de nossas terras e a responsabilização dos culpados pelas mortes de nossos parentes”, afirmou a cacique Damiana, líder do acampamento Apikay, falando na lingua guarani. “Não temos espaço para viver e queremos estar na terra onde estão nossos antepassados, nossas origens”, completou.

“Cansamos de esperar e já decidimos retomar nossas terras. Não sairemos nem a bala. Temos amor pela floresta e pela nossa terra e decidimos morrer lá. Quantos mais precisam morrer para retomarmos para nossa terras? Somos seres humanos e é muito difícil ver injustiças diárias contra o nosso povo. Os produtos que saem do Mato Grosso do Sul são regados com sangue indígena”, afirmou Oriel Benits Kaiowá.

Reserva de Dourados

Na reserva de Dourados, com cerca três mil hectares, há 14 mil indígenas vivendo confinados. Além de problemas de falta de acesso à saúde, à educação, desnutrição das crianças, o pouco espaço resulta em conflitos entre eles. Dados do CIMI apontam alto número de homicídios e suicídios na região. Somente em 2012, 60 indígenas deram fim a suas vidas, devido à ausência de uma ligação direta com suas terras. Na cosmologia dos Guaranis, a terra é a mãe deles.

A reserva de Dourados foi criada há 96 anos, antes mesmo de existir o município de Dourados. Hoje, é como uma periferia da cidade, com problemas como violência e tráfico de drogas, mas sem a presença da polícia, já que somente a Polícia Federal pode atuar em terras indígenas. A primeira liderança indígena morta na região foi há 30 anos, e o crime continua impune. Nos últimos 10 anos, 12 lideranças indígenas foram assassinadas no estado. Ninguém foi responsabilizado.

“Para nós, progresso é preservar a terra. Para os brancos, não. Para nós, nós pertencemos à terra. Para eles, a terra os pertence. Se o governo não tiver uma agenda de demarcação, nós vamos começar a nossa, do jeito que fazemos, com nossas rezas e nossa força. Se a terra continuar entregue à cana, à soja e ao gado, não só os indios vão morrer, mas os brancos, no futuro, também”, Anastacio Peralta, Guarani Kaiowá, aldeia Panambizinho.

De acordo com mais de trinta lideranças presentes no encontro, os indígenas do Mato Grosso do Sul nunca aceitaram as oito reservas que foram criadas pelo governo, a partir da 1917, para reunir os indígenas. E querem retomar suas terras tradicionais, custe o que custar. Todos foram unânimes em dizer: “se o governo não resolver a questão, vamos resolver do nosso jeito. Para nós, não faz mais sentido viver se não for em nossas terras. Vamos lutar até o fim pelo nosso futuro e de nossas crianças”, afirmaram.

Para Salil Shetty, apesar de ser doloroso ver o sofrimento que as populações indígenas têm sido submetidas, vê-los unidos por seus direitos é uma inspiração. “Vocês estão fazendo o que é certo, se unindo e exigindo juntos seus direitos. É inspirador conhecer pessoas que colocam suas vidas em risco para defender seus direitos”, concluiu. Amanhã, em audiência com autoridades do governo federal em Brasília, ele afirmou aos indígenas que irá destacar quatro pontos: a lentidão na demarcação de terras; a preocupação com mudanças na legislação que podem representar retrocesso aos direitos indígenas; a necessária apuração e responsabilização imediata dos responsáveis por violações dos direitos dessas populações; e a exigência de consulta prévia e consentimento das comunidades em relação à qualquer decisão que afete suas vidas.

 

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Foto: Gerhard Dilger