Em entrevista à Fundação Rosa Luxemburgo, João Paulo Rodrigues avalia aspectos debatidos em evento sobre reforma agrária.
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Questão agrária envolve muito mais do que políticas de assentamento
02/12/2013
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Em entrevista à Fundação Rosa Luxemburgo, João Paulo Rodrigues avalia aspectos debatidos em evento sobre reforma agrária.

Por Júlio Delmanto

joao paulo ridrigues

Entre os dias 27 e 29 de junho foi realizado, na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP), o seminário nacional “A questão agrária brasileira”, que buscou atualizar o debate sobre os desafios dos movimentos populares no campo e suas ligações com a conjuntura estatal, ambiental e urbana. Acompanhando parte do evento, a reportagem da Fundação Rosa Luxemburgo conversou com João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST, sobre o evento e alguns dos temas ali abordados.

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Em primeiro lugar, gostaríamos que você falasse da importância que um evento como esse tem para o MST, que tipo de questões e debates ele busca abordar e atualizar.

O debate da questão agrária e da reforma agrária está fora da pauta nacional. Isso acontece por um conjunto de fatores, em especial pela hegemonia do agronegócio, pela ausência de um programa de reforma agrária por parte do governo e porque mesmo os partidos de esquerda e as organizações mais progressistas têm comprado muito a ideia de que o agronegócio resolveu os problemas principais da produção, do emprego, do problema do alimento, e acham que a reforma agrária é um problema menor. Realizar esse seminário numa conjuntura de luta como essa, num período de extrema hegemonia do agronegócio, para nós é de muita importância. Inclusive pela amplitude intelectual, teórica e política que está aqui, nós convidamos todos os partidos de esquerda, do PCB ao PSB, e convidamos todos os intelectuais que têm algum estudo ou têm pensado o agrário brasileiro, além dos dirigentes dos movimentos do campo. Isso para nós fortalece, vamos tirar uma análise e uma avaliação política muito ampla sobre o que fazer no próximo período.

Você diz que o debate sobre reforma agrária segue ausente atualmente, em relação à mobilização o MST tem sentido mais dificuldade? Muita gente fala dos programas sociais enfraquecendo o engajamento, como tem sido a situação do ponto de vista do trabalho de base?

Há um problema geral na sociedade de descenso das lutas sociais, não são os programas sociais. A base do MST apoia o governo federal porque ela teve as mesmas melhorias que a base urbana, conseguiu comprar geladeira, conseguiu comprar um carro, ter energia elétrica, tem um conjunto de melhorias por parte de uma política de consumo que atinge o campo. Agora, não houve nenhuma política ou programa social que beneficiasse os camponeses. Mesmo o programa Bolsa Família, que poderia ser um argumento, não é verdadeiro, já que a maior quantidade de famílias acampadas do MST está na região onde há mais Bolsa Família, que é o Nordeste. Há um problema real que por falta de conquista dificulta a luta. Antigamente as famílias iam acampar e com dois anos saia um assentamento, hoje demora cinco anos, quem é que vai querer ficar debaixo de barraco de lona por cinco anos sem perspectiva política de regularizar e sair a terra? Então esse é o limite real que está colocado.

Em sua exposição, o Gerson Teixeira, da Abra, caracterizou as políticas de incentivo à agricultura familiar como uma forma de política de “não reforma agrária”, como isso tem afetado o trabalho do MST?

Olha, tem problemas de toda natureza, acho que o governo está perdido. Se não está perdido, é mais grave, então ele é contra a reforma agrária, porque não há nenhuma política especial de crédito para os assentados. O governo tem assentado um número muito pequeno de famílias, a quem do que foi prometido durante toda a trajetória do PT e assim por diante. A política do governo tem se limitado a comprar produtos dos assentamentos, fora isso é muito limitada do ponto de vista do avanço da perspectiva agrária.

Em relação aos indígenas, um setor que também tem sofrido e lutado muito no campo,  como o MST tem buscado se integrar a essa resistência?

Situação dos indígenas é muito parecida com a do MST, eles estão numa situação de resistir, não é nem de enfrentar o inimigo ainda, é resistir para não se acabar. No último período os indígenas foram quem mais perderam seus militantes na luta pela terra, mais de cem foram assassinados nos últimos dois anos e isso demonstra o nível do ataque que o latifúndio e os governos têm feito às terras indígenas. O MST além de ser solidário à luta de todos indígenas precisa convocar as forças progressistas pra ajudar a defender esse povo, ainda sequer conseguimos entrar num estágio de avanço, o estágio é de se proteger.

Foi comentado aqui no seminário também a questão dos recursos naturais, tema importante para a Fundação Rosa Luxemburgo, que acaba de realizar um seminário internacional sobre impactos da megamineração. O MST tem participado da formação do Movimento dos Atingidos por Mineração, esse campo é considerado por vocês como estratégico?

Não tenha dúvida. O inimigo principal nosso, que é o agronegócio, ele se articula de todas as formas possíveis. Então ele compra uma grande fazenda e planta soja mas está de olho nos minérios que estão embaixo, ele expulsa os trabalhadores para construção de grandes obras seja para os portos seja para mineradoras, então debater o agrário hoje é mais do que debater uma política de assentamento, é debate o conjunto de ações com as quais o capital, sobretudo capital financeiro internacional, tem atuado no solo brasileiro. Isso tem implicações econômicas, ambientais e sociais, e isso é ligado ao tema da luta pela terra.

Em relação a este momento de efervescência das ruas e de protestos, como vocês estão avaliando? O MST está engajado nessas movimentações?

Muito bom, o MST vê com bons olhos. Nós sonhamos que o povo viesse para as ruas e as mudanças que devem acontecer na sociedade só acontecerão quando tiver outras organizações fazendo isso. O limite desse movimento é se ele não conseguir dialogar com os camponeses para virem para as ruas, e aí não falo dos assentados, mas dos quarenta milhões que vivem no campo. Ou mesmo dialogar com a classe trabalhadora, que está nas fábricas, nos supermercados, nas grandes construções, porque o que altera a conjuntura é se você mexer na economia. Então se o setor da economia não parar, os caminhoneiros, os trabalhadores, você pode ter uma boa luta mas que não altera a correlação de forças. E nem muda a conjuntura, a direita continua sendo direita, a esquerda continua sendo esquerda e os capitalistas continuam sendo capitalistas, com os explorados sendo explorados. A luta tem que alterar isso, senão ela vai ser um bom protesto mas que não vai acumular força pra classe trabalhadora.

Nós não somos das organizações que veem fantasma debaixo da cama: não há uma hegemonia de setores de direita muito menos fascistas, digamos assim. Obviamente você tem uma luta que se é feita em Higienópolis, em São Paulo, vai ser de um estilo diferente da luta que é feita em Fortaleza, mas aí não dá pra acreditar que todo o país vai fazer uma luta igual a de Higienópolis. E as lutas por natureza elas vão separar direita da esquerda, os progressistas dos conservadores, só a luta salva, pra nós não tem jeito, e por isso ela é bem vinda.

Neste contexto tem havido uma profusão grande de causas e bandeiras, o MST pretende se alinhar com ou priorizar alguma delas?

É a pauta que a esquerda construiu, são dez grandes temas que envolvem 10% do PIB pra educação, 40 horas de jornada semanal, as denuncias contra o Estatuto do Nascituro, enfim, esse conjunto de demandas da esquerda que não é nenhuma novidade para nós, e todas são importantes. Obvio que as lutas refletem o processo de organização do povo brasileiro ,que é muito pequeno. É uma espécie de mural do Facebook na rua, que é a vida, não tem o que fazer. Se houvesse outro processo de luta, organizado de outras formas,  poderia ser diferente. Mas eu sempre brinco: a esquerda e a luta que o Brasil tem são essas, não dá pra importar da Turquia, temos que fazer com que essa seja o melhor possível.

Durante o evento houve uma fala da Associação dos Amigos da Escola Nacional da Florestan Fernandes pedindo apoio. Pode comentar um pouco da importância da escola e desse pedido de colaboração?

Os problemas são muitos do ponto de vista da infraestrutura das organizações de esquerda, e o MST é parte disso. Nós temos uma escola que não é só para a base do MST e que tem uma demanda enorme de formação, nós não somos uma escola institucionalizada, que recebe verba de governos, então para nós seria muito bem vinda a contribuição voluntária das pessoas e das organizações políticas para fazer com que essa escola seja melhor e contribua cada vez mais com o conjunto da classe.

 

* Foto: Agência Brasil