Comunidade Loteamento de São Francisco, município de Camaragibe, está angustiada frente a novas ameaças de remoção feitas sem que nenhuma alternativa tenha sido apresentada
Por Júlio Delmanto, Fundação Rosa Luxemburgo
+Acompanhe e curta o Facebook da Fundação Rosa Luxemburgo
Na última sexta, como parte de um encontro regional dos Comitês Populares da Copa, a relatora Direito à Moradia Adequada da ONU, Raquel Rolnik, visitou no Recife algumas regiões atingidas por obras relacionadas ao mundial de futebol de 2014. Entre elas, o Loteamento São Francisco, localizado muito próximo à Arena Pernambuco, estádio que receberá jogos do megaevento. Passada a visita, que repercutiu bastante na mídia local, os moradores viram-se mais uma vez ameaçados nesta segunda-feira, ao saberem que um deles recebera uma ordem de desocupação imediata.
Morador da comunidade há mais de 20 anos, o desempregado Edson Bernardo da Silva recebeu a visita de um oficial de justiça, que requisitou sua saída imediata e chegou a apontar a possibilidade de uso da força policial caso isso não ocorra. Edson está entre os diversos moradores que já aceitaram o acordo proposto pelo poder público, que ofereceu indenizações bem abaixo do valor de mercado das casas e da terra.
No entanto, nem esse valor eles estão conseguindo receber, já que ele foi depositado em juízo e só pode ser acessado após diversos – e custosos – trâmites burocráticos serem realizados. “Ele veio com um mandato de desocupação imediata só que a gente já está há um ano e dois meses nesse sofrimento. De agosto para cá a gente tem sofrido uma pressão grande para sair e não tem condições. Eu não tenho como pagar o IPTU e o imposto de transmissão por causa “morte”. Autorizei a minha advogada a fazer uma petição pedindo o valor dos impostos e retendo o restante que é para eu relocar minha família. Eu estou com dois filhos desempregados, não tenho emprego fixo e não tenho para onde ir”, declarou Edson ao repórter Eduardo Amorim, do Terra.
A fim de pressionar tanto por uma solução política para o caso, já que o caminho jurídico está bastante desfavorável, quanto pelo recebimento imediato das indenizações a quem têm direito, moradores e ex-moradores do Loteamento São Francisco manifestaram-se na manhã desta terça-feira em frente ao Fórum de Camaragibe.
Segundo membros do Comitê Popular da Copa de Recife ouvidos pela reportagem da Fundação Rosa Luxemburgo, a estratégia governamental neste caso tem sido não a da ameaça de remoção geral, mas sim ir minando as forças da comunidade ao comunicar e buscar despejar alguns moradores a cada vez, dificultado ações políticas e jurídicas unitárias. Não só a permanência no local tem sido cada vez mais difícil, como sequer o recebimento das indenizações acordadas é possível no momento, o que gera revolta e aflição nas vizinhanças da Arena Pernambuco.
Em sua visita ao local, Raquel Rolnik classificou a situação ali como de violação dos direitos à moradia, uma vez que o Brasil é signatário de tratados internacionais que exigem que, caso aconteçam, as remoções devem ser feitas sempre para locais melhores ou equivalentes às antigas moradias. No contexto atual, elas apenas indicam a criação de novas famílias de sem-teto por conta da ação estatal.
Das 126 famílias que compunham o loteamento São Francisco, 105 já deixaram a área, muitas delas sem sequer receberem aluguel-social. Restam 21 famílias, que optaram por resistir. Nesta segunda aconteceu uma reunião entre elas, e nesta terça haverá outra, para que novos passos sejam traçados. Segundo Evanildo Barbosa da Silva, diretor da ONG Fase, que apoia a comunidade, a esperança é de que “pelo menos as autoridades tenham a consideração dedar algum retorno, alguma resposta aos inúmeros pedidos que temos feito. O principal é mapear onde estão essas famílias que saíram e colocá-las em algum plano habitacional, além de garantirmos que as que ainda estão só saiam se tiverem para onde ir”.
+++
Foto: Gerhard Dilger