Realizado na última sexta-feira, 21 de junho, em São Paulo, o evento “Os rumos da América Latina: Desenvolvimentismoou ‘Buen Vivir’?” constituía a parte pública do seminário internacional "Megamineração: resistências e alternativas na América do Sul", organizado pela Fundação Rosa Luxemburgo.
Realizado na última sexta-feira, 21 de junho, em São Paulo, o evento “Os rumos da América Latina: Desenvolvimentismoou ‘Buen Vivir’?” constituía a parte pública do seminário internacional “Megamineração: resistências e alternativas na América do Sul”, organizado pela Fundação Rosa Luxemburgo.
Por Júlio Delmanto
Antes de um debate com as presenças do ex-ministro das Minas e Energia do Equador Alberto Acosta e do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, a noite contou também com depoimentos de alguns dos participantes do seminário, que puderam apresentar um breve panorama do que foi discutido entre quarta e sexta desta mesma semana. Confira trechos das falas, que brevemente serão disponibilizadas em vídeo, na íntegra.
“Quero compartilhar com vocês que a Bolívia é um país com bastante atividade mineira, e como resultado disso estamos atravessando muitos conflitos ambientais. A partir das comunidades indígenas se começou a questionar o desenvolvimento deste modelo primário-exportador e desta atividade mineira tão intensa que se vem realizando e gerando tanto impacto. E no interior das comunidades, os que iniciam e sustentam as demandas são as mulheres, porque são elas que estão sofrendo diretamente os impactos da atividade mineira. Entre eles, por exemplo, o fato de que o recurso natural que mais se utiliza na mineração é a água faz com que em muitos lugares se diminua o acesso à água, o que tem obrigado as mulheres a percorrer distâncias longas para buscar água para seus filhos e sua família. Com a contaminação da água, também há muitos problemas de saúde entre as crianças, e também há os casos de violência sexual, que acontece na esteira da chegada dos trabalhadores das empresas mineiras. Há também casos de alcoolismo, só para mencionar alguns dos impactos da mineração, é importante compreender que as mulheres nas comunidades não estão lutando por elas, não é uma luta individual, é coletiva, por sua família, por sua coletividade, pelos direitos coletivos.”
“Como vocês sabem, Chile é o país que foi o laboratório do neoliberalismo no mundo a partir da derrubada, a sangue e fogo, do governo de Salvador Allende. Com a ditadura Pinochet estavam abertos os caminhos para se refundar o país, sendo um dos aspectos importantes a criação de uma nova constituição, um modelo institucional que permitisse a reprivatização dos recursos estratégicos, especialmente os mineiros mas também outros essenciais para o desenvolvimento da atividade mineira, como a água. Esse modelo se expande muito agressivamente no centro-norte do Chile a partir dos anos 1990 e mais de 20 bilhões de dólares foram investidos nessa região nos últimos anos, o que está gerando uma grande quantidade de conflitos em locais onde se desenvolvem atividades desde antes da existência da mineração. Hoje, junto com o despertar dos movimentos sociais em nosso país, também estão contribuindo de forma importante as comunidades que se articulam na defesa de seus direitos e de seus territórios, organizações e movimentos que chamamos de socioambientais.
Junto com o movimento estudantil e outros setores, esses grupos conseguiram colocar sobre a mesa o debate de temas essenciais que têm a ver com a privatização, com a democracia, com o meio ambiente. Há casos em que se alcançou vitórias muito significativas, como por exemplo a articulação de uma grande quantidade de organizações pela recuperação e pela defesa da água, o que gerou uma enorme marcha nacional com essa pauta. Conseguimos também a paralisação do projeto Pascua Lama na última semana, uma luta persistente de mais de dez anos, e também paralisar – e agora com esperança de expulsar – os investimentos do empresário brasileiro Eike Batista, que pretende implementar uma gigantesca central termoelétrica que ia destruir e poluir uma região muito importante do deserto do Atacama. Estamos com muita esperança de que essas boas notícias possam continuar chegando.”
“Essa discussão é estratégica para a América Latina. O caso do Uruguai é um exemplo da natureza predadora e especulativa e do exagero que envolve a megamineração a céu aberto em nossos países, que é produto da crise econômica que se inicia com a explosão da bolha especulativa, que multiplicou por cinco o preço do ferro, por exemplo. O Uruguai, que nunca foi um país de mineração, uma economia agropastoril, passou a ser objeto de projetos dessa natureza. Há o caso da empresa Aratirí, um projeto que se propõe a produzir 18 milhões de toneladas por ano por um período de doze anos, simplesmente porque depois desse tempo não haverá mais ferro no Uruguai. Através de um mineroduto, pretendem enviar esse ferro para o mercado asiático, ou seja, não há ligação nenhuma com um desenvolvimento industrial do país. Felizmente se produziu uma reação muito intensa da população, na capital e no interior, gerando um movimento socioambiental sem precedentes no país. Já foram realizadas quatro marchas nacionais em defesa da terra e mais recentemente começaram as coletas de assinaturas para a realização de plebiscitos para proibir a mineração a céu aberto no território do país. E isso está sendo bem sucedido, porque esse projeto estava previsto para começar no ano de 2012 e até o dia de hoje conseguimos que não seja aprovado, dando um sentido maior à luta que estamos desenvolvendo. “
“A Rio Tinto Alcan é uma indústria produtora de alumínio, a segunda maior do mundo, que está tentando implementar uma siderurgia desse minério no Paraguai. Nos questionamos por que no Paraguai, se nós não temos nem matéria prima nem mercado e tampouco temos saída para o mar. Nos demos conta de que a questão principal é a energia, já que para o projeto ser sustentável o preço tem que ser muito baixo, e passamos a denunciar que os projetos de negociação estão sendo feitos pelas costas do povo. Como campanha, rechaçamos ainda os subsídios e também nos preocupam muito os impactos ambientais, já que estamos falando de muitas toneladas de material poluente que são necessários para extrair o alumínio. Há o risco por exemplo de chuva ácida, e também é muito preocupante ameaçar o Aquífero Guarani, já que estamos atrelando não só nossa energia mas também nossa água. Estamos organizados e nossos objetivos são informar a cidadania para mobilizar, e estamos tendo uma resposta muito boa por parte da população.”
“Da ditadura até os dias de hoje, os povos indígenas continuam sendo obstáculo para o desenvolvimento, e continuam sendo desrespeitados, com seus modos de vida severamente impactados devido aos megaempreendimentos. A mesma ânsia desenvolvimentista da época da ditadura repete-se agora, manifestada tanto em atos de violência física como em retrocessos em relação aos direitos conquistados. Os massacres cometidos contra indígenas durante a ditadura nunca foram identificados e seus autores continuam impunes, e a ideia de um desenvolvimentismo a qualquer custo segue justificando massacres. Há ainda uma série de medidas legislativas, administrativas e judiciárias que ameaçam os povos indígenas e direitos como a consulta prévia não tem sido respeitados, e os ruralistas têm se articulado de forma ampla e aberta com a ideia de que os índios têm terras demais. O governo atual da presidenta Dilma não recebeu ainda nenhuma vez os povos indígenas, enquanto visitas da líder ruralista Kátia Abreu têm sido recorrentes. “
“Sou da Patagônia, e acho importante lembrar que dez anos atrás esse assunto não estava na agenda nem midiática nem política. Nos levantamos em uma comunidade pequena contra um projeto de uma grande mineradora, e depois de muito nos informarmos sobre o que esse projeto significava exigimos que uma consulta popular fosse convocada, nos dando a possibilidade de termos nossa própria decisão como povo. Depois de muito pressionar, o governo comunal convocou um plebiscito em 2002, num momento em que o país tinha caído aos pedaços, com alto desemprego. Mesmo assim, com essa grande sedução de novos empregos, em 23 de março de 2003 a maioria da população votou contra. Isso é parte de uma história que para nós é muito significativa, e a partir disso distintas comunidades também se mobilizaram.”
“No Peru temos muitas características similares a outros países da região. Tudo começou com a instalação do modelo neoliberal, a partir de 1992 com o golpe de Alberto Fujimori – desde então o território peruano vem sendo privatizado. Atualmente, a concessão de territórios chega a 45% do total e de 1992 a 2012 houve um crescimento de quase 300% nos investimentos em actividades extrativistas, sobretudo mineiras: de 2012 a 2022 a projeção é que se cresça mais 500%. Por outro lado, há diferentes tipos de reações e respostas, algumas têm a ver com a aceitação desses projetos e outras com uma resistência para a negociação, buscando alguma compensação econômica, já que são territórios abandonados pelo Estado. Mas há também respostas de resistência, de luta, de construção de outros paradigmas de vida, outros valores econômicos e culturais.”
“Venho do Norte do Brasil, município de Açailândia, um dos lugares impactados pelo Projeto Carajás, seguramente o maior projeto mineiro do Brasil. Temos ali grandes minas localizadas no meio da Amazônia brasileira, e elas extraem 106 milhões de toneladas de minério de ferro ao ano, além de outros mineiras também. Isso é transportado em uma ferrovia que atravessa o Pará e o Maranhão até o porto que fica em São Luís do Maranhão, cruzando 27 municípios no caminho e impactando pelo menos cem comunidades. E é um grande projeto que chegou a essa região com uma promessa de desenvolvimento, de trazer bem-estar pra população, mas nesses anos de história é possível identificar uma série de passivos sofridos pelas comunidades, que não receberam compensações. Há famílias obrigadas a respirar pó de ferro todo dia há mais de 20 anos e até hoje não foram reassentadas. E apesar de tudo isso é um projeto em franca expansão, a empresa que opera esse complexo, a Vale, quer mais do que duplicá-lo nos próximos anos. Apesar do interesse ser privado, o Estado brasileiro contribui bastante com isso, seja liberando licenças de maneira ilegal seja com financiamentos bastante generosos, além de demonstrar uma surdez em relação as pessoas que estão sofrendo com essas obras sem poderem ser escutadas nem demonstrar suas opiniões.”
Faça download de algumas das apresentações de Power Point expostas por participantes do seminário aqui.