Entrevista com Kate Evans, romancista gráfica, artista, ativista e “mãe”, como faz questão de frisar. Ela é autora do livro “Rosa Vermelha”, uma biografia em quadrinhos da revolucionária socialista Rosa Luxemburgo. Nessa rápida entrevista ao Boletim NPC, ela conta sobre o processo de criação da obra, apresenta as principais ideias de Rosa Luxemburgo e defende o formato das histórias em quadrinhos por serem acessíveis
Por Luisa Santiago e Sheila Jacob, Núcleo Piratininga de Comunicação
Quando e como você descobriu Rosa Luxemburgo?
Quando fui convidada para escrever o livro. Até então, eu não sabia nada sobre Rosa Luxemburgo. Eu sabia que era uma pessoa sobre a qual meus amigos falavam. Uma pessoa legal. E pensei, bem, eu deveria descobrir mais. Aí eu recebi um email perguntando: você desenharia e talvez escreveria uma história em quadrinhos sobre Rosa Luxemburgo?
Eu estava na página 17 de um livro de 260 páginas sobre gravidez, fertilidade e nascimento. Eu estava escrevendo isso. E esse email chegou e eu respondi: “Sim! Claro!” E aí fui procurar saber quem ela era. E ela é simplesmente o máximo. Eu realmente a amo. Ela é fantástica. Eu comecei lendo as cartas e quando estava na metade pensei: meu deus. isso é sensacional.
Ela não é muito conhecida na Inglaterra e as biografias que existem são péssimas. E eu disso isso com certeza. Tem 3 e são todas péssimas.
Eu sempre soube que ela tinha sido assassinada, mas eu meio que presumi que tinha sido pelos fascistas. E eu estava no meio da leitura quando parei e disse: “Espera. Ela foi assassinada por… Quem?” A história do fim da vida dela é uma história de aventura. É realmente ruim, mas dá uma boa história.
E trabalhar em coisas históricas é tão fascinantes. Porque a verdade é mais estranha que a ficção. E recriar isso como uma autora de história em quadrinho é um desafio, mas é recompensante. E é claro que é em preto e branco porque o mundo era em preto e branco naquela hora. Eles ainda não tinham inventado as cores.
Quem enviou o e-mail?
Foi Paul Buhle, o responsável pela edição inglesa. Foi ideia dele. Ele mora em Chicago e está usando sua aposentadoria para fazer biografias em quadrinhos de revolucionários. Ele está por trás da biografia em quadrinhos de Che Guevara, feita por Spain Rodriguez, e também da de “Emma Goldman: uma mulher perigosa”, assinada por Sharon Rudahl.
Biografia em HQ introduz pensamento de Rosa Luxemburgo (Folha de S. Paulo)
Ele ficou interessado sobre a história de Rosa Luxemburgo e passou a procurar artistas mulheres para esse trabalho porque é sobre uma mulher. Eu estava trabalhando com um coletivo chamado World War 3 Illustrators e um dos artistas me recomendou. Eu perguntei: porque você me recomendou? E ele respondeu: porque você é boa!
Você não havia trabalhado com personagens de esquerda?
Não, mas eu tenho um histórico de atuação política. Eu não comecei fazendo desenhos em quadrinhos porque gosto, mas sim porque estava envolvida em ativismo político, e usei isso como forma de reportagem. Comecei nos anos 1990.
Depois, nos anos 2000, também fiz trabalhos sobre mudanças no planeta, mudança climática, amamentação, maternidade… Esse, o Rosa Vermelha, é o meu quinto livro. [Ela acabou de publicar um, na Inglaterra, sobre a crise dos refugiados].
Para você, quais as principais ideias de Rosa? Como essas ideias nos ajudam a compreender e agir no mundo 100 anos depois?
Há duas ideias principais que você pode aproveitar de seus escritos econômicos. Uma é a teoria sobre a expansão do capitalismo para um não-capitalismo de mercado para conseguir sobreviver. Esse é o principal de sua teoria sobre a acumulação do capital. Você ainda pode ver acontecer o que ela descreve. Na sua época, Rosa estava falando sobre o imperialismo. Ela via a marcha do capitalismo pelo mundo. Ela é crítica do imperialismo e qualquer um que está envolvido em movimentos contra ocupações imperialistas, hoje, pode aprender com os escritos de Rosa Luxemburgo.
Hoje a gente pode ver esse avanço do capitalismo dentro das sociedades. Por exemplo, no meu país, os serviços sociais estão sendo privatizados. No sistema de educação, a influência das corporações está tomando conta das escolas. Essa é a forma como o capitalismo se espalha para sobreviver. Ela começou a pensar sobre o capital a partir da ideia de que o capitalismo é um sistema completo. É algo que Marx toma como ponto de partida para escrever o volume 2 de o Capital.
Ela percebeu que, matematicamente, isso não pode existir. Você não pode ter o capitalismo como um sistema global. Ela viu claramente que o capitalismo é um câncer em crescimento, sempre procurando uma forma de extrair valor do trabalho das pessoas e do meio ambiente. E isso precisa sempre aumentar. Isso é profundo.
Ela está escrevendo sobre globalização, especificamente em conexão com os militares. Sobre complexo militar industrial. E ela está fazendo isso antes de qualquer um fazer isso. Antes de serem inventadas as palavras globalização e complexo militar industrial.
A segunda parte do pensamento dela, que está muito aparente atualmente, fala sobre a vulnerabilidade do capitalismo e sua capacidade de entrar em colapso. E ela fala especificamente sobre como o crédito é a causa disso. Quando li essa parte em “Reforma ou Revolução”, me fez parar pra pensar porque ela está escrevendo sobre isso tudo muito antes de as coisas acontecerem.
Quanto tempo você demorou com a pesquisa?
É difícil lembrar exatamente. Em 2012 eu recebi o email com o convite e em 2015 nós publicamos o livro. Fiz a pesquisa em cerca de cinco meses. Os rascunhos levaram uns 6 meses e depois desenhei tudo em três ou quatro meses.
Tive que trabalhar 12,14 horas por dia. Sem fins de semana de folga. Foi uma insanidade. A pesquisa foi difícil, porque ao mesmo tempo meu livro sobre nascimento havia chegado com algumas solicitações de acréscimos. Eu comecei a trabalhar com os dois ao mesmo tempo.
E, na verdade, não acho a teoria socialista revolucionária do século XIX muito fácil de ler. As teorias socialistas. Algumas vezes eu tenho que me levantar e ler em voz alta para fazer sentido. Mas depois que eu marco os parágrafos que me interessam, eu posso brincar.
O livro está traduzido para outras línguas?
Sérvio, esloveno, ucraniano, russo, suíco, francês, a edição alemã está saindo, turco, sul-coreano, e mais algum que eu não me lembro. Ajuda muito ter sido escrito em inglês.
Eu nunca tive esse tipo de sucesso internacional antes, mas… Acho que é porque é uma língua comum a vários países. Outra coisa é que Rosa Luxemburgo tem importância internacional porque escreve sobre imperialismo, capitalismo, coisas que globalmente são importantes. Pessoas de diferentes nações têm algo para amar de Rosa Luxemburgo.
E qual a importância de ser nesse formato? Porque em quadrinhos?
É acessível. São dois aspectos. O que eu amo sobre quadrinhos é que é um ato político também. Porque é fácil. As pessoas têm acesso, mesmo se não forem especialistas, conseguem entender algo. Há muitas formas diferentes de se comunicar o sentido. E essa forma toca fundo na emoção das pessoas.
Eu construo meus livros cuidadosamente. Levo os leitores numa viagem. Faço o máximo para tornar acessível. A razão pela qual eu coloco notas no final é para que as pessoas possam ver as palavras dela em comparação com a minha representação.
São coisas que eu valorizo da história e quero dar a forma de um livro. Eu faço e coloco notas no final porque quero que o trabalho seja acessível. O outro aspecto é que você pode fazer as pessoas rirem. E se você faz as pessoas rirem, isso ajuda a abrir suas mentes para novas ideias.
Eu amo esse formato, pois é possível condensar e simplificar ideias importantes. Por exemplo, O Capital, de Marx, o primeiro volume, está em oito páginas!
Eu li O capital enquanto estudante e para mim foi muito importante para a compreensão do capitalismo. Me ajudou a perceber como o dinheiro muda a dinâmica entre as pessoas e o que isso significa. Eu tive a oportunidade de colocar essa parte no livro porque é muito importante como uma moldura. Porque você precisa primeiro entender esta base de Marx para depois ver como Rosa Luxemburgo avançou no pensamento e refinou sua mensagem.
Voltando à importância de Rosa Luxemburgo hoje…
Ela é uma teórica da revolução e do ativismo de massa. É fascinante, ela vai a à revolução russa de 1905 e percebe como as pessoas se organizam em massa. Ela vê que não faz sentido o partido socialista pensar que pode dizer às pessoas o que devem fazer, porque, na verdade, é sobre as pessoas fazerem as coisas ela mesmas. Ela tem essa teoria de espontaneidade.
Ela também fala sobre o papel da greve de massa e revoltas espontâneas. Essas coisas são relevantes, estavam presentes e não acabaram. Quando falamos sobre espontaneidade, agora que temos ativismo de internet, falamos de um grande novo potencial de como grupos massivos de pessoas podem ir para as ruas e novas possibilidades de democracia.
Ela é incrivelmente democrática, também luta pela Revolução Socialista e, quando ela é alcançada na Rússia, ela é crítica. Ela pode ver claramente, baseada em seus princípios, que as coisas na Rússia deram errado.
Em 1919, apenas seis meses depois dos bolcheviques chegarem ao poder. Essa é sua visão do que uma revolução deve ser. De que você só pode chegar ao poder se tiver uma clara e explícita da maioria do proletariado. Essa sua visão de socialismo democrático, bem diferente da de Lenin.
E o impacto de Rosa Luxemburgo em sua vida?
Está me dando uma nova apreciação do socialismo. Eu tenho uma origem anarquista e era um pouco individualista em minhas escolhas políticas nos anos 1990. E está me dando a noção de quão massivo o movimento socialista foi no fim do século XIX na Europa e o quão sólido esse potencial pode ser.
Então, me dá um novo respeito pelo socialismo e esperançosa de que haja um caminho onde possamos juntar forças pelas coisas. Também me deixou mais crítica do meu passado político e pensando: “E se nós tivéssemos passado mais tempo construindo conexões?”.
Foto: Verena Glass