Evento organizado pela Fundação Rosa Luxemburgo, CPDA/UFRRJ e UECE expôs o impacto dos projetos mineiro-energéticos sobre territórios e comunidades tradicionais
Seminário em Fortaleza discutiu transição energética e impactos sobre territórios tradicionais
04/11/2024
por
Katarine Flor

Organizado pela Fundação Rosa Luxemburgo em parceria com o CPDA/UFRRJ e a UECE, o seminário “Territórios em Disputa: Transição Energética e Mulheres em Defesa do Território-Corpo-Terra” ocorreu em Fortaleza, no dia 1º de novembro. O evento reuniu integrantes de movimentos sociais, pesquisadoras/es e referentes de comunidades tradicionais para debater a expansão de projetos mineiros e energéticos e seus efeitos sobre modos de vida quilombolas, indígenas e camponeses. Em foco estiveram os desafios trazidos pela expropriação territorial e os conflitos decorrentes da implantação de energias renováveis e mineração.

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A professora Camila Dutra, pesquisadora dos grupos Naterra e Lecante da UECE, abriu o seminário destacando a importância de um modelo de transição energética que respeite a autonomia e os direitos das comunidades atingidas. Segundo Dutra, “a transição energética não pode perpetuar práticas de exploração nem marginalizar comunidades tradicionais em nome do desenvolvimento”.

Financeirização da natureza e impacto da “energia verde”

Na primeira apresentação, Elisangela Paim, da Fundação Rosa Luxemburgo, e Fabrina Furtado, professora do CPDA/UFRRJ, discutiram o estudo “Em Nome do Clima: Transição Energética e Financeirização da Natureza”, que explora como a transição energética transforma recursos naturais em ativos financeiros. 

Segundo Paim, esse processo atende a interesses financeiros e compromete a preservação ambiental e o modo de vida das comunidades locais atingidas por estes grandes empreendimentos. “A transição energética, como está sendo conduzida, adota um modelo colonial e financeirizado, ignorando a soberania dos povos sobre seus territórios”, enfatizou.

Furtado reforçou que a financeirização da natureza favorece o lucro em detrimento dos modos de vida das comunidades. “Essas populações são submetidas a políticas que privilegiam o mercado e enfraquecem sua autonomia”, afirmou, ressaltando a necessidade de uma transição energética justa e inclusiva.

O Ceará e o impacto das usinas eólicas

O pesquisador Júlio Holanda apresentou um panorama do setor eólico no Ceará, um dos estados líderes em produção de “energia renovável” no país. Segundo ele, a expansão das usinas eólicas no estado frequentemente ocorre sem diálogo com as comunidades locais, impactando negativamente quilombolas e indígenas, que raramente têm acesso direto à energia produzida em seus territórios. “A instalação das usinas eólicas no Ceará desconsidera as populações locais e prejudica seus modos de vida, mesmo quando estas se situam próximas aos empreendimentos de produção energética”, criticou, mencionando a fragilidade de estudos de impacto social e ambiental.

Minerais estratégicos e a nova corrida pela exploração de recursos

A questão da exploração mineral também foi abordada. Pedro D’Andrea, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), e Pedro Leão, do CPDA/UFRRJ, discutiram a crescente demanda global por minerais como lítio e cobre, cruciais para tecnologias limpas. D’Andrea destacou a necessidade de políticas soberanas para a exploração do subsolo nacional, alertando sobre a exportação de recursos minerais em bruto, que limita o desenvolvimento local. “Sem controle adequado, comunidades inteiras perdem suas terras para mineradoras, sem que os benefícios dessa exploração retornem a elas”, enfatizou, defendendo um modelo soberano de exploração que priorize o bem-estar das populações afetadas.

Depoimentos de lideranças quilombolas e indígenas

Representantes de comunidades tradicionais compartilharam suas vivências. Franciane Santos, quilombola do Maranhão, relatou como os grandes projetos energéticos e mineiros impactam diretamente as mulheres e as comunidades quilombolas, que enfrentam expropriação e racismo ambiental. “Esses projetos não nos beneficiam; somos forçadas a abandonar nossas terras para que empresários lucrem, enquanto nossos direitos básicos são ignorados”, declarou.

A estudante indígena e educadora ambiental Fernanda, do coletivo Pajeú reforçou a importância da resistência coletiva: “Precisamos nos organizar para resistir a essas violações, que afetam profundamente nossas vidas e nossos territórios”, conclamou.

Encerramento e perspectivas futuras

O seminário foi encerrado com agradecimentos aos participantes e reforçou a urgência de uma transição energética que respeite a autonomia e os direitos das comunidades tradicionais. A organização enfatizou que, sem mudanças estruturais, a transição energética pode perpetuar práticas históricas de exploração e expropriação.

“A transição energética precisa respeitar a soberania dos povos sobre seus territórios”, concluiu a professora Camila Dutra.