A imprescindível racialização do debate, também no âmbito do tema clima, foi a abordagem da quarta sessão do curso de extensão “Mulheres em defesa do território-corpo-terra”, realizado pela Fundação Rosa Luxemburgo e Coletiva Diálogos Feministas. A cofundadora da Comunidade Cultural Quilombaque, coordenadora da União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora, a UNEafro Brasil, e integrante da Coalizão Negra por Direitos, Thaís Santos, trouxe aportes para uma reflexão e ação antirracista. A professora da UFRRJ e representante da Coletiva Diálogos Feministas, Fabrina Furtado, coordenou essa sessão.
Thais Santos, que é química e doutoranda em Bioenergia, apontou a falha sistemática daqueles que não ouvem o movimento negro e os povos originários, ao tratar os temas ambiente e clima. “Há mudanças surgindo, mas é muito pouco. Ao negar a presença da população preta na Amazônia, de territórios quilombolas ou de povos de terreiro, relativizam estes que são os guardiões das florestas” exemplificou, ressaltando a incidência do movimento negro sobre mais essa forma de racismo, que começa com o silenciamento.
“O ambiente sempre regeu os nossos passos.” Segundo Thais, o povo negro, assim como os povos originários, baseia sua vivência e construção social nas inter-relações com a natureza. É desse aprendizado milenar que derivam tecnologias sociais e saberes adaptados à sociobiodiversidade local. Entretanto, o desafio imposto pela emergência das mudanças climáticas requer a compreensão das desigualdades em todas as dimensões. “Quando há enchente, deslizamentos, as vidas que perdem moradias, têm cor, é preta. Como o sistema político-econômico invisibiliza essa situação, para nós é mais do que buscar justiça climática, é enfrentar o racismo climático,” disse Thais, para tratar da ideia de que “justiça climática, sem justiça racial é neocolonialismo”.
A luta do povo negro, conforme a palestrante, é fundamentada na formação cidadã que promovem através das suas organizações, como a União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora, a UNEafro, a qual propicia o acesso de jovens aos direitos estabelecidos na própria Constituição Federal, em especial a Educação. “Sofremos desgaste físico com o enfrentamento diário ao racismo, temos nossos territórios invadidos, nossos rios contaminados, e enquanto falam em adequações e adaptação, nossas vidas são ceifadas porque o investimento necessário não nos alcança.”
O modelo centralizador da prestação dos serviços públicos no país decorre da estrutura piramidal de classes, o qual retroalimenta as condições de sua manutenção, em especial da população branca e abastada, que reside mais próxima aos centros urbanos e zonas centrais das cidades. Os outros, os não-brancos, têm essas condições de sobrevivência cada vez mais dificultadas e o afastamento dessas comunidades, silenciamento e invisibilidade, se dá por diversas formas: desde remoções das moradias em áreas de risco até por processos de gentrificação. Nos dois casos, não recebem o auxílio necessário para recomeçarem tampouco têm instalada a infraestrutura nos novos locais para onde são levados. Thais contou um pouco da história do centenário bairro Perus, na cidade de São Paulo, que só teve o acesso à energia elétrica em 1950, após muita luta da população negra. A fábrica de cimento, inaugurada naquele território em 1926, poluiu por 40 anos. Certamente, não sofreu com a falta de luz assim como os demais vizinhos. Em decorrência dos impactos ambientais, os problemas respiratórios nas novas gerações são evidentes. “Não é possível ter uma sustentabilidade com esse modelo de produção porque no planeta Terra não existe ‘descarte’; na prática levam de um lugar para o outro, tirando do ângulo de visão e gerando as ‘zonas de sacrifício’, como o bairro Perus, onde não por acaso, a população predominante é negra,” explicou Thais a respeito do racismo ambiental.
Ao comparar a atenção e o investimento que os poderes públicos concederam ao bairro Perus, situado na parte setentrional de São Paulo, e ao bairro Perdizes, na parte Noroeste, ambos montanhosos, a palestrante demonstrou a adaptação realizada nesse onde a população é de classe média/alta. “Já existem tecnologias para enfrentar as grandes chuvas, os riscos de desmoronamentos, mas onde a população preta é a maioria, as políticas e as ações de empresas que se dizem comprometidas com a pauta climática, não são efetivas. Temos que denunciar isso ou vai morrer ainda mais gente.” A luta da população negra, conforme Thaís, ultrapassa a sobrevivência e a denúncia. “Montamos estações meteorológicas nos núcleos de educação popular para atender a demanda por informações e dados precisos sobre as chuvas no nosso território. A partir da necessidade de territorializar dados, essa produção de conhecimento local vai possibilitar a busca por soluções que atendam nossas necessidades, seja um asfalto permeável, seja a captação da chuva, o que for,” disse. Este projeto é fruto de uma parceria com o Instituto de Referência Negra Peregum na Campanha “Qualidade do Ar nas Periferias”, que instalou uma estação meteorológica em Perus e outra em Poá, com a função também de monitoramento para a prevenção aos riscos de desabamento, enchentes e alagamentos. Mais informações sobre o Núcleo Ambiental da UNEafro podem ser obtidas aqui. E se você não assistiu essa aula, clique aqui.
A quinta sessão do curso de extensão “Mulheres em defesa do território-corpo-terra” vai ser em oito de agosto às 16h sobre Mineração. As palestrantes convidadas são Larissa Pereira dos Santos, da Justiça Nos Trilhos, e Rosemayre Lima Bezerra, socióloga e educadora popular. Lanna Luiza Silva Bezerra, também da Justiça Nos Trilhos, vai coordenar essa aula aberta.