“Um duro golpe”

Em entrevista, o presidente da Fundação Rosa Luxemburgo, Heinz Bierbaum, fala sobre a decisão de Sahra Wagenknecht de deixar o Die Linke e fundar outro partido e o que isso deve significar para as forças de esquerda da Alemanha
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“Um duro golpe”
08/11/2023
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Heinz Bierbaum - Die Linke
Heinz Bierbaum, presidente da Fundação Rosa Luxemburgo – Foto: Divulgação Die Linke

Depois de anos de turbulência, finalmente chegou-se a uma resolução dentro do Die Linke, o partido socialista democrático do parlamento alemão que tem relações próximas com a Fundação Rosa Luxemburgo. Sahra Wagenknecht, ex-liderança parlamentar do Die Linke e um dos rostos mais conhecidos do partido, anunciou sua saída da legenda na segunda-feira, ao lado de outros nove parlamentares. O grupo formará uma nova organização, a Bündnis Sahra Wagenknecht (BSW), para preparar o lançamento de um novo partido no início de 2024.

O racha no Die Linke encerra anos de conflito interno e oferece ao partido a chance de seguir em frente. Mas a saída de Wagenknecht também representa uma redução nos privilégios parlamentares do Die Linke e, com isso, um impacto significativo em seus recursos.

O presidente da Fundação Rosa Luxemburgo, Heinz Bierbaum, conversou com Loren Balhorn sobre o que o novo partido de Wagenknecht deve significar para o Die Linke e para as forças de esquerda da Alemanha como um todo.

Sahra Wagenknecht e outros nove deputados da corrente parlamentar do Die Linke anunciaram a saída do partido na segunda-feira e a intenção de fundar um novo partido no primeiro semestre do próximo ano. Dezesseis anos depois de estabelecer uma força nacional à esquerda da Social-Democracia, o Die Linke está passando por seu primeiro racha sério. O que esse movimento significa para a esquerda alemã, tanto no parlamento quanto fora dele?

A decisão de Wagenknecht representa a perda do status do Die Link como uma corrente parlamentar na Bundestag. Mesmo que o Die Linke continue no parlamento como grupo, perderá recursos consideráveis e, mais que tudo, influência política. O partido terá menos visibilidade. Isso também levará inevitavelmente ao enfraquecimento do partido como um todo.

Eu temo que debates sobre pessoal e a concorrência entre o Die Linke e o projeto de Wagenknecht continuem em primeiro plano e ofusquem as questões políticas. Dito isso, o momento ainda está em aberto com relação a quando essa separação de fato acontecerá. De qualquer forma, já está claro que isso enfraquecerá as forças de esquerda como um todo. A fundação de um segundo partido não fortalecerá a esquerda mais ampla — pelo contrário.

Qual é o plano de médio prazo? Quando o partido concorrerá a eleições e como se chamará?

Suponho que o novo partido concorrerá nas eleições europeias no ano que vem. Com relação ao nome, não sei. Até agora, o projeto tem se concentrado muito na pessoa de Wagenknecht. Tudo depende dela.

Antes de assumir a presidência da Fundação Rosa Luxemburgo, você foi presidente do Partido da Esquerda Europeia (EL), em que, historicamente, o Die Linke desempenhou um papel importante. O racha terá consequências para a Esquerda Europeia?

A decisão de Wagenknecht e de seus companheiros de luta de sair do Die Linke e fundar um novo partido é um duro golpe para a Esquerda Europeia. O Die Linke sempre foi uma peça essencial da EL, admirado por muitos outros partidos de esquerda da Europa. O enfraquecimento do Die Linke também enfraquecerá a EL.

“Wagenknecht opera em uma estrutura social-democrática nostálgica e altamente burguesa que não tem nada a ver com a orientação de classe derivada do conflito entre capital e trabalho.”

Isso é um fato sobretudo com relação às eleições europeias, onde a EL tinha esperança de se apresentar como uma força de esquerda unida e robusta. Em vez disso, estamos lidando com rachas. Esse também é o caso da França, por exemplo, onde a coalizão Nupes [Nova União Popular Ecológica e Social], que foi bem-sucedida nas últimas eleições parlamentares francesas, não concorrerá nas eleições europeias como aliança unida.

O novo partido surge depois de anos de rixa entre Wagenknecht e a liderança do Die Linke. Pode explicar os principais pontos dessa disputa? O que, no fim das contas, desencadeou essa ruptura final?

Wagenknecht sempre acusou a liderança do partido de não se importar o suficiente com questões sociais e dar mais ênfase para questões climáticas e de diversidade. Na minha opinião, isso não procede, embora haja diferentes ênfases dentro do Die Linke. Os pontos de disputa nunca foram de fato discutidos com seriedade. O debate era extremamente personalizado.

A questão da migração, na qual há diferenças muito evidentes, também teve um papel fundamental. A liderança do partido, com razão, criticava a posição de Wagenknecht sobre a questão. Também havia divergências a respeito da guerra na Ucrânia.

Segundo seu manifesto de fundação, o novo partido defende “razoabilidade e justiça” — mas isso pode significar muitas coisas. Como você descreveria a orientação política do novo partido, e como ela difere do Die Linke?

Até aqui, o partido não tem um programa concreto. As declarações são muito genéricas e vagas. Está claro que eles querem oferecer um novo lar político para as pessoas que já não se sentem representadas pelos partidos existentes, e estão focando sobretudo na questão da segurança social das chamadas “pessoas comuns”. A mensagem está voltada principalmente para pessoas que não votam.

Há quem especule que o novo partido poderia enfraquecer a Alternativa para a Alemanha, partido populista de direita que tem crescido muito nas pesquisas. Eu não acredito nisso.

Na coletiva de imprensa de segunda-feira, além de Wagenknecht e outros parlamentares de seu círculo, também participou Ralph Suikat, empresário milionário que por anos fez campanha por um sistema tributário justo. A aproximação política de Wagenknecht com pequenos empresários não é recente — há anos, ela escreve sobre a necessidade de proteger empresários inovadores do poder dos grandes monopólios. O manifesto de fundação da BSW fala “daqueles que se esforçam e realizam um trabalho bom, honesto e sólido” em contraste com aqueles que “têm apenas a motivação de ganhar mais dinheiro a partir do dinheiro”.

Como você explica essa perspectiva de classe dela? Não é um tanto estranha para alguém que, durante anos, liderou a Plataforma Comunista, corrente linha dura do Die Linke?

Na economia, a política de Wagenknecht já é ordoliberal há algum tempo. Ela quer que o Estado ofereça um marco regulatório para fortalecer o empreendedorismo privado. Na visão dela, o verdadeiro adversário é o capital financeiro.

Portanto, Wagenknecht opera em uma estrutura social-democrática nostálgica e altamente burguesa que não tem nada a ver com a orientação de classe derivada do conflito entre capital e trabalho. Hoje em dia, é difícil acreditar que ela já foi uma das maiores representantes da Plataforma Comunista.

“O foco do Die Linke deve ser — e é — na crise do custo de vida e na segurança social.”

Muitas pessoas no Die Linke receberam bem a notícia do racha, na esperança de que o partido agora apresente um rosto unido e, com sorte, encontre o caminho para voltar a sua antiga força. Não é segredo que o partido tem tido dificuldades, e muitos membros citam os ataques públicos de Wagenknecht contra a liderança como uma fonte dessas dificuldades. Será mais fácil para o partido recuperar o terreno perdido agora que ela saiu?

O passo de Wagenknecht de fato representa um tipo de esclarecimento político, mas não vai catapultar o partido de volta para sua antiga força, como parece que algumas pessoas imaginam. Isso não vai resolver os problemas mais profundos do partido. Ainda existem debates contenciosos dentro do partido, como a discussão entre o foco nas questões ecológicas e/ou sociais. Aqui, é possível ver que o fracasso na condução de um debate adequado nos últimos anos realmente teve um custo.

Amira Mohamed Ali, que até recentemente foi liderança parlamentar do Die Linke e hoje está na presidência da BSW, afirmou na segunda-feira que ela e outras pessoas estão saindo “sem ressentimento” e não querem atacar o antigo partido, mas sim se concentrar em questões como justiça social, paz e “liberdade”. Qual você acha que deve ser o foco do Die Linke no futuro?

A declaração de Amira é tão correta quanto banal. A justiça social e a paz são, sem dúvida, questões fundamentais para a esquerda. O foco do Die Linke deve ser — e é — na crise do custo de vida e na segurança social. A paz é e continua sendo uma questão central em que o Die Linke deve chegar a um consenso sobre uma posição comum, apesar das diferenças de opinião sobre certas questões. A Alemanha precisa com urgência de uma mudança na política de migração, que deve ser humanizada e integrativa.

Uma questão central para o Die Linke é a transformação ecológica da economia e, sobretudo, da indústria. Nós lutamos por uma transformação socioecológica, o que também significa enfrentar a questão da justiça social.

Dito isso, não se trata apenas de proteger os empregos de trabalhadoras e trabalhadores afetados, mas também de incluí-los no processo de transformação em si. Isso significa que temos que conectar a transição verde a conceitos de democracia econômica, o que, por sua vez, significa que a cooperação com sindicatos será crucial. Uma verdadeira transformação socioecológica só terá sucesso se começar nas estruturas do status quo, mas depois começar a transcendê-las — e isso significa adotar uma perspectiva socialista.