O feminismo camponês popular como estratégia de mobilização social foi o tema da segunda aula aberta “Agronegócio e Resistência nos Territórios”, nessa semana, do curso de extensão “Mulheres em defesa do território – corpo – terra”, realizado pela Fundação Rosa Luxemburgo e Coletiva Diálogos Feministas. As palestrantes foram Lucinéia Miranda de Freitas, dirigente do setor de gênero do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), e Sirley Ferreira, da direção nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).
Segundo Lucinéia, é preciso pensar a reforma agrária e o papel das resistências ao agronegócio, considerando os pilares que o sustentam: machismo, patriarcado e lgbtfobia. Embora tenha mudado de nome, esse agro é o mesmo do período colonial: “Nunca houve ruptura com o modelo altamente degradador e escravagista. O Brasil foi colonizado por outros países e depois o governo colonizou o interior do país,” disse.
MULHERES E AS LUTAS ANTIPATRIARCAIS
Da mesma forma, explicou Sirley, o capitalismo se estrutura no racismo, na luta de classes e no patriarcado, por isso as lutas antipatriarcais, antilgbtfóbicas e antirracistas estão combinadas. “Nossas propostas são de outros processos de desenvolvimento, baseados em outras relações sociais, distintas da lógica capitalista porque nossa atuação tem caráter solidário, trabalhamos com mutirões de produção e relações comunitárias. A nossa classe é mais numerosa e globalizada, estamos presentes nos diversos biomas, somos pescadoras, indígenas, acampadas, assentadas, ribeirinhas, quilombolas, conformamos o rural brasileiro, entendendo a natureza como valor de uso e não de troca,” ponderou.
O investimento em ciência e tecnologia, pesquisa e extensão, em especial desde a chamada Revolução Verde, anos 1950 do século 21, denota a parceria mantida e renovada entre o estado e o “agro predador desde 1500”, como Lucinéia definiu. As políticas de investimentos priorizam o latifúndio: crédito, abertura de estradas, planos para ocupação de territórios ditos “sem gente”.
Lucinéia exemplificou: “O racismo estrutural, cuja expansão do agro desconsidera os habitantes, se mostra na atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cujo ideal de colonização se perpetua onde hoje está o MaToPiBa (grande área de sojicultura entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia)”.
FEMINISMO CAMPONÊS E POPULAR
Conforme Sirley, o feminismo camponês popular é uma estratégia de construção de mobilização pela terra, valoriza o trabalho das mulheres do campo e promove a tomada de consciência de classe e de raça, em favor da autonomia delas no espaço público e da soberania dos povos. “Buscamos a libertação de todas as formas de opressão e de discriminação, realizamos formações de modo a estabelecer outras relações baseadas no respeito, fundamento para construir outra sociedade,” disse. Sirley destacou o marco dessa luta das mulheres, na Jornada de 8 de março de 2006.
O agro, parceiro estatal antigo, tem origem no Congresso Nacional com os parlamentares da União Democrática Ruralista, a UDR, mobilizados em 1987 contra a reforma agrária no âmbito da Assembleia Nacional Constituinte. A chamada bancada ruralista, conhecida também como bancada do boi, teve a ação potencializada devido a crescente aproximação da bancada armamentista, chamada da bala, e bancada da bíblia, aquela dos congressistas que se autodenominam evangélicos.
Lucinéia apontou o contrassenso: “A bancada BBB (boi, bala, bíblia), interfere nas leis e contribui para o desmonte de legislações e direitos estabelecidos. O agronegócio se coloca como projeto de sociedade, de um caminho único, no nosso país que é um dos mais megabiodiversos do mundo”.
Sirley lembrou da emergência climática, o clamor de cientistas pela ação de governos e corporações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento global. No Brasil, a principal fonte de emissões é o desmatamento associado à abertura de lavouras de monoculturas como soja, eucalipto e forrageiras para a pecuária.
SABERES CIENTÍFICOS E TRADICIONAIS
“O agro põe o lucro acima da vida, nega nossas existências, promove a insegurança alimentar, o monopólio das terras para produção de comodities, gera desigualdade e pobreza. Não aceitamos esse modelo porque temos outra concepção de natureza, não fazemos essa separação sociedade versus natureza, nossa forma de produção é integrada, respeita e valoriza os biomas, articulamos os saberes científicos com os tradicionais,” disse.
O caráter patriarcal do estado, se mostra pelo não reconhecimento dos territórios e saberes/fazeres dos povos, pela recusa da demarcação conforme a lógica do direito de propriedade individual como se não existisse a propriedade coletiva.
“A resistência das mulheres se dá no próprio papel social que exercem, de organização das relações sociais para a reprodução da vida, a partir das suas necessidades e as das suas comunidades, elas têm pertencimento e, por isso, defendem com intensidade o território,” disse Lucinéia. As pautas desse outro modelo de desenvolvimento através da reforma agrária contemplam: agroecologia, repensar relações humano-natureza e humano-humano, bens comuns, direito à alimentação, à água, à saúde, ao meio ambiente, à soberania alimentar e nutricional.
Para assistir novamente essa aula, clique aqui. A sessão VIII deste curso, segunda-feira que vem, será sobre “Agroecologia”, dia 05 de setembro, às 16h.
As palestrantes serão Nilce Pontes, quilombola do Quilombo Ribeirão Grande e Terra Seca, agricultora agroecológica, participante da Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras (RAMA), e Andrea Sousa, educadora popular, feminista, atuante desde 2005 em territórios rurais, presta assessoria técnica na ONG ESPLAR (Centro de Pesquisa e Assessoria) desde 2014, é graduada em Zootecnia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UEVA), é especialista em Educação do Campo pela Universidade Estadual do Ceará (UFC). A coordenação vai ser de Natália Lobo, agroecóloga, pós-graduanda no CPDA/UFRRJ, atua na Sempreviva Organização Feminista (SOF) e milita na Marcha Mundial das Mulheres.