As palestrantes da VIII Sessão do curso de extensão “Mulheres em defesa do território-corpo-terra”, realizado pela Fundação Rosa Luxemburgo e Coletiva Diálogos Feministas, tematizaram a Agroecologia e as disputas de sentidos em torno das práticas nos territórios.
Segundo Nilce Pontes, liderança da Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras (RAMA) e da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), o conceito de territorialidade enfrenta a incompreensão por parte do campo econômico até o científico.
“O modo como cuidamos nosso território, como entendemos produção, consumo e conservação, difere de tantos outros porque nós, quilombolas, não vemos a terra como produto. E, também, os nossos manejos resultam dos saberes ancestrais e tradicionais, e de nossos credos religiosos, como é o caso da roça de Coivara, que classificam como errada porque usamos o fogo para produzir o alimento através das cinzas,” disse Nilce Pontes.
A diversidade e a complexidade dos saberes/fazeres dos povos ainda hoje enfrentam preconceitos e criminalização por parte daqueles cujo conhecimento sobre os territórios é limitado e voltado à simplificação e homogeneização.
“Há uma disputa ideológica com acadêmicos que seguem uma linha educacional da mercantilização/do agro, que entra em contradição no território porque cada região tem práticas próprias,” explicou Nilce sobre o conceito de agroecologia utilizado por muitos, mas que nem sempre se enquadra aos variados tipos de manejos que os povos conhecem. Além disso, constatam a apropriação por empresas privadas do seu conhecimento tradicional e ancestral.
AGROECOLOGIA TEM A VIDA COMO CENTRALIDADE
Para Andrea Sousa, representante da ONG Esplar, um Centro de Pesquisa e Assessoria no Ceará, a agroecologia tem a vida como centralidade e as ações visam um cuidado coletivo para gerar vida. “É um projeto político, fundamental para poder enfrentar crises alimentares climáticas, ecológicas e sociais,” disse.
Os efeitos do aumento global da temperatura, devido às mudanças climáticas, já são observados através da alteração do ciclo natural das culturas, como de arroz. “A colheita acontecia em setembro, mas agora, quando chega esse mês, o arroz ainda está muito verde. Tínhamos uma rotina, uma sequência na produção, que hoje está desarmonizada,” explicou Nilce, sobre esta que também representa uma ameaça à conservação das sementes e a soberania alimentar dos povos.
A discussão de gênero dentro dos territórios e comunidades têm fortalecido as mulheres e contribuído para a formação de cidadãos conscientes e responsáveis. Essa mesma discussão conduz às ações de autocuidado coletivo desde que as mulheres se deram conta do sofrimento e sobrecarga emocional e física que as mobilizações exigem.
MULHERES E AUTO-ORGANIZAÇÃO
Há décadas as mulheres vêm avançando rumo a auto-organização, conforme Andrea: “Elas perceberam que só se encontravam na igreja, na associação, e sentiram a necessidade de falar dos problemas, dos desafios, da sexualidade, e assim foram criando grupos de mulheres,” contou.
Atualmente, esses grupos são reconhecidos referência para o enfrentamento às violações de direitos e a incidência se amplia do local para o regional e, do regional para o nacional. Contudo, as mulheres de comunidades empobrecidas devido a renda baixa, não conseguem participar no espaço coletivo como desejam. “Elas têm menos tempo devido ao excesso de trabalho e aos maridos, o que nos mostra como o machismo desestrutura grupos,” explicou Andrea.
MULHERES COMO MANTENEDORAS DA BIODIVERSIDADE
Embora sempre tenha sido praticada pelos povos, são as mulheres que são mantenedoras da biodiversidade, através da produção nos quintais, o que proporciona segurança e soberania alimentar. “O alimento saudável está garantido no quintal onde registramos boa produtividade em pequenos espaços. As mulheres cuidam da terra pelo bem viver e essa convivência com o semiárido rompe o falso paradigma da seca, porque não é lugar de terra rachada, de atraso, de pobreza.
Não é lugar de falta e água,” comentou Andrea. As soluções locais foram apreendidas por gerações, desde cisternas para coleta da água da chuva, reuso de águas cinzas, associado aos sistemas agroflorestais, até as casas de sementes familiares, também chamadas casas comunitárias de sementes. “As mulheres mostram através da caderneta agroecológica, a sistematização das doações, das vendas, das trocas, do consumo. Além de conter a descrição de tudo o que tem no quintal,” explicou Andrea sobre os resultados que evidenciam a contribuição das mulheres aos biomas e aos agroecossistemas. Segundo ela, essa contribuição à resiliência frente às mudanças climáticas ainda é invisibilizada.
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