Caci e Xondaro, histórias sobre violências e resistência indígena

Plataforma Caci e livro de histórias em quadrinhos Xondaro foram apresentados durante debate sobre violência histórica contra os povos indígenas brasileiros
14/10/2016
por
Christiane Gomes

Plataforma Caci e livro de histórias em quadrinhos Xondaro foram apresentados durante debate sobre violência histórica contra os povos indígenas brasileiros

Por Christiane Gomes

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Gustavo Faleiros, Tiago Santos Karai, Ana Rüsche, Alceu Castilho e Marcelo Zelic, durante debate em São Paulo

A violência contra povos indígenas no Brasil é histórica – e segue em curso. O saque de terras e usurpação da cultura de diferentes povos está longe de ser algo apenas do passado; continua ocorrendo em um processo que é subnoticiado, marcado pela omissão do Estado e por assassinatos. Organizar, sistematizar e visibilizar informações é uma forma de trazer a público alguns dos episódios mais recentes de uma história de massacres que dizimaram os milhões que viviam na terra quando os primeiros exploradores europeus aportaram.

Foi com o objetivo de reunir informações de maneira clara e direta e, assim, chamar a atenção não só para as violações, mas também para as histórias de resistência dos povos indígenas, que a Fundação Rosa Luxemburgo (FRL), junto com parceiros, organizou dois lançamentos na noite da última terça-feira, 11 de outubro: o do projeto Caci – Cartografia de Ataques Contra Indígenas, primeira plataforma digital da FRL, e o da HQ Xondaro, primeira história em quadrinhos publicada pela organização. As novidades foram apresentadas durante uma roda de conversa que contou com a participação de Gustavo Faleiros, do InfoAmazonia, Marcelo Zelic, do Armazém Memória, e Tiago Santos Karai, liderança guarani mbya e um dos coordenadores da Comissão Guarani Yvyrupa.

 Kampai, da Comissão Guarani Yvyrupa, pediu que cada um dos presentes procure multiplicar o conhecimento e o apoio à causa indígena
Karai, da Comissão Guarani Yvyrupa, pediu que cada um dos presentes procure multiplicar o conhecimento e o apoio à causa indígena

A mediação ficou sob a responsabilidade de Alceu Castilho, do portal De Olho nos Ruralistas, e de Ana Rüsche, da Fundação Rosa Luxemburgo. O evento foi realizado no Ateliê do Gervásio em São Paulo e na plateia estiveram antropólogos, indigenistas e representantes de algumas das principais organizações que trabalham com a defesa de direitos dos povos originários do país.

Caci e Xondaro
O projeto Caci – Cartografia de Ataques contra Indígenas – foi organizado em parceria com Armazém Memória e InfoAmazonia. Trata-se de uma plataforma de dados abertos com o georeferenciamento de assassinatos registrados entre 1985 até 2015 pelo CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), organizações que disponibilizaram seus registros históricos. Navegue abaixo no mapa ou clique aqui para acessar diretamente a plataforma.

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Marcelo Zelic exibe a HQ Xondaro durante apresentação

A HQ Xondaro, de Vitor Flynn Paciornik, é uma publicação que retrata a resistência guarani e sua mobilização pela demarcação de seus territórios. Foi publicada em parceria com a Editora Elefante, com apoio da Comissão Guarani Yvyrupa, organização indígena autônoma que congrega povos guarani do Sul e Sudeste do Brasil.

Em guarani, Caci significa dor e Xondaro, guerreiro guardião.

Assassinatos
Questionado por Alceu Castilho sobre o assassinato da liderança João Xucuru Cariri, ocorrido em Alagoas no dia do evento, Marcelo Zelic defendeu logo no começo de sua fala que a plataforma é uma ferramenta de defesa de direitos humanos, pois a tecnologia ajuda na compreensão e na denúncia do quão cotidiana ainda é a violência contra indígenas no país. O editor do InfoAmazonia, Gustavo Faleiros reforçou que o Caci contextualiza estes ataques, geolocalizando os dados no mapa, o que possibilita a sobreposição de informações como áreas desmatadas e hidrelétricas, fornecendo camadas de informações e cruzando os dados para quem pesquisa na plataforma.

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Gustavo Faleiros relaciona desmatamento a assassinatos de indígenas

Tiago Santos Karai, professor e liderança guarani de 24 anos, compartilhou informações sobre a resistência em São Paulo, que tem sido referência para outros povos  no país. “Nos organizamos, nos mobilizamos e aprimoramos nossas estratégias. Não somos de guerra, precisamos aprender para garantir nossos direitos. Não conhecemos esse mundo dos brancos, mas estamos prontos para lutar. Lutamos, nos manifestamos, mesmo sabendo que este mundo é difícil de entender, porque a vida vale nada e a do indígena vale menos ainda. Nasci na luta e nela morrerei porque não temos para onde correr”.

Ele contou ainda sobre as duas vezes em que esteve no Mato Grosso do Sul, e chamou a atenção para impactos sociais relacionados a práticas do agronegócio e ao que classificou de realidade desumana. A gravidade da situação foi reiterada por Marcelo Zelic, autor de um dossiê especial dentro do CACI sobre o genocídio do povo guarani no estado. “A violência é fruto da falta de demarcação das terras indígenas e de um processo de desenvolvimento que não tem respeito. Uma cobiça histórica incapaz de conviver com a diversidade”, disse ele que lembrou também uma outra face desta mesma moeda: a violência  psicológica, que desumaniza e que provoca depressão, alcoolismo e o suicídio. “O que o Caci apresenta é apenas a ponta do iceberg”.

Gustavo Faleiros, do InfoAmazonia, ressalta que os dados pretendem estimular uma cultura de acompanhamento dos indicadores e despertar a empatia com a causa indígena. “Os dados podem parecer frios, mas sua escala é assustadora e isso comunica de uma forma direta, emocional, porque estamos tratando de um povo”. Ao final, Kampai fez um apelo para que cada pessoa presente multiplicasse o conhecimento e o apoio à causa indígena e, em meio a um debate sobre a importância da demarcação para conter as mortes de indígenas, questionado sobre o significado de terra para os guarani, respondeu:

“Terra é vida, riqueza, saúde. A gente depende dela para ter nossa identidade e manter nossos costumes e tradições. Para nós a terra é tudo”.

FOTOS: Gerhard Dilger

Clipping – outros textos publicado sobre o lançamento da plataforma:

CATRACA LIVRE: Mapa interativo registra assassinatos de indígenas no Brasil
DE OLHO NOS RURALISTAS: Cartografia dos Ataques Contra Indígenas convida a reflexão sobre dor, tempo e indiferença
ENVOLVERDE: Mapa interativo sobre os assassinatos de indígenas no Brasil
JORNALISTAS LIVRES: Massacre sem fim
NEXO: Mapa mostra onde ocorrem mortes violentas de indígenas no Brasil
R7: Brasil vive massacre moderno de indígenas
REVISTA FÓRUM: Um em cada dois indígenas assassinados no Brasil vive no Mato Grosso do Sul
UOL: Novo mapa interativo mostra 30 anos de violência contra indígenas no Brasil