Divergências: modelo de desenvolvimento na pauta das esquerdas

Livro da Fundação Rosa Luxemburgo reúne críticas à visão de desenvolvimento de governos progressistas. Petista afirma que busca de um novo modelo, e não veto ao crescimento, é desafio a ser superado
09/12/2013
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Livro da Fundação Rosa Luxemburgo reúne críticas à visão de desenvolvimento de governos progressistas. Petista afirma que busca de um novo modelo, e não veto ao crescimento, é desafio a ser superado

Modelo desenvolvimento

Por Tadeu BredaRede Brasil Atual

São Paulo – Bastante teórico, o debate realizado na última segunda-feira (2) em São Paulo pela Fundação Rosa Luxemburgo explicitou divergências políticas cada vez mais profundas entre integrantes da esquerda latino-americana. A discussão reuniu acadêmicos e militantes brasileiros, colombianos e equatorianos, e acompanhou o lançamento do livro de ensaios “pós-desenvolvimentistas” intitulado Alternativas ao capitalismo/colonialismo do século XXI.

 A publicação é patrocinada pela instituição alemã. Antes de ser apresentada aos leitores paulistanos, passara por Quito, Bogotá, Cidade do México, Caracas e Buenos Aires, entre outras capitais do continente.

O volume critica o modelo socioeconômico adotado pelos governos populares que desde 1998 começaram a vencer eleições na América do Sul. E coloca na berlinda uma das noções mais caras ao pensamento socialista do século 20: a busca pelo desenvolvimento. Se até então os simpatizantes de Karl Marx nas Américas concordavam que desenvolver o continente era tarefa inadiável e necessária para superar o capitalismo, há alguns anos esse mesmo desenvolvimento se transformou no pomo da discórdia entre os partidos que estão no poder e setores dos movimentos sociais, indígenas e ambientalistas que, pouco a pouco vão criando focos de oposição dadas as contradições do progresso e suas limitações em atender as necessidades humanas.

Um dos maiores símbolos da “desilusão” de setores da esquerda latino-americana com os governos progressistas, que outrora apoiavam, é o ex-ministro de Energia e Minas do Equador, Alberto Acosta. Quando ainda era aliado do presidente Rafael Correa, Acosta dirigiu a Assembleia Constituinte responsável pela nova Carta Magna que colocou no ordenamento jurídico do país as noções de bom-viver, plurinacionalidade e direitos da natureza. Ao ser aprovado, em 2008, o texto foi saudado como o mais vanguardista da região em termos de preservação ambiental, mas sua implementação tem sido dificultada pela “realidade” equatoriana.

Fantasma

“Há décadas o mundo persegue um fantasma que não consegue agarrar, e esse desenvolvimento resulta perverso, já que inclusive os países desenvolvidos estão mal desenvolvidos”, argumenta Acosta. “Estamos num sistema capitalista que não está gerando as condições para resolver os problemas sociais e econômicos, ou para que tenhamos uma relação mais harmoniosa com a natureza.”

A proposta de Acosta – e dos demais autores do livro – é ir “além do desenvolvimento”. A ideia nasce da velha crítica à exploração e exportação de recursos naturais que define as economias latino-americanas desde a colonização. Petróleo, gás, ouro, cobre, soja, carne… Cada país da região tem suas peculiaridades produtivas, mas todos igualmente dependem de bens primários para manter a saúde de suas balanças comerciais. A esquerda latino-americana costumava dizer que essa vocação produz mais dependência externa do que prosperidade interna – por utilizar mão de obra pouco especializada e concentrar renda nos bolsos de grandes latifundiários e empresários.

Daí que a ascensão de governos com inspiração socialista, no início do século 21, criou em muitos a expectativa de que essa tradição pudesse finalmente ser superada. Porém, o alto preço das commodities e a decisão de continuar explorando-as como caminho mais rápido para a obtenção de recursos necessários para reduzir as desigualdades frustrou setores que acreditavam numa “guinada” política rumo a outra economia.

Transições

“O pós-neoliberalismo proposto por nossos governos não é pós-capitalismo”, continua Acosta, para quem as medidas implementadas até agora estão tão inseridas no status quo que nem sequer apontam para uma transição econômica. “Temos consciência de que não deixaremos o capitalismo de um dia para outro. Seria irresponsável acabar repentinamente com a exploração de petróleo, por exemplo. Mas é igualmente irresponsável continuar expandindo as fronteiras petrolíferas. Não existe um só exemplo no mundo de país que se desenvolveu baseando sua economia no extrativismo.”

Além de desacreditar do modelo de desenvolvimento, o equatoriano ataca outra noção cara à economia mundial. “Não podemos seguir pensando que o crescimento vai solucionar nossos problemas”, cutuca, fazendo referência aos numerosos passivos sociais, culturais e ambientais que a busca incessante por bons resultados do PIB têm provocado nas nações latino-americanas. “Se os governos de esquerda não conseguem avançar nesse debate, as propostas devem partir das lutas sociais. E os partidos precisam entender que discutir alternativas ao desenvolvimento não é fazer o ‘jogo da direita’. Pelo contrário: fechar-se ao diálogo, à crítica e à autocrítica é que ajuda a direita.”

As ideias de Alberto Acosta ecoaram nas intervenções da gaúcha Camila Moreno, que criticou os conceitos da “economia verde” como um novo flanco de exploração capitalista sobre os bens comuns, e da socióloga colombiana Sandra Rátiva, que apontou problemas na persistência do “patriarcado” na constituição social – e econômica – na América Latina. O filósofo Paulo Arantes também participou da discussão, mas coube aohistoriador Valter Pomar, membro do Diretório Nacional do PT e secretário-executivo do Foro de São Paulo,contrapor as teorias pós-desenvolvimentistas defendidas pelo livro Alternativas ao capitalismo/colonialismo do século XXI.

Estratégias

“Defender alternativas ao desenvolvimento, e não alternativas de desenvolvimento, é uma postura incorreta”,apontou Pomar, militante do partido que governa o Brasil há dez anos e apoiador das administrações progressistas que se espalham pela Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela. “No mundo em que vivemos hoje, a defesa do crescimento é nossa, é da esquerda. Esse é o problema do livro. A defesa do desenvolvimento também é nossa: o debate tem que ser sobre qual desenvolvimento queremos.”

O petista lembrou que já ouviu muitas críticas sobre um suposto “subimperialismo” brasileiro na América do Sul, mas lamentou que os autores do livro não tenham poupado ninguém. “Todo o pacote de governos latino-americanos progressistas é acusado de extrativista, pró-crescimento e pró-desenvolvimento”, enumerou, no que lhe pareceu um desprezo pelas conquistas sociais obtidas na região nos últimos anos. “A postura dos autores é muito dura a esse respeito, é a esquerda da esquerda, está à beira de acusar Evo Morales e Hugo Chávez de estarem construindo um novo modelo de dominação burguesa na região.”

Valter Pomar aproveitou para defender a “estratégia” adotada pelos grupos políticos que tem vencido eleições em seus países, como o PT, e que brigam para permanecer no poder frente aos ataques da oposição. “Na América Latina, é impossível constituir uma maioria política anticapitalista sem defender crescimento e desenvolvimento. Não existe solidariedade social para um discurso pós-desenvolvimentista, e os governos de esquerda não sobreviveriam se não construíssem estruturas potentes de desenvolvimento”, analisou, resgatando indiretamente o pífio desempenho eleitoral de seu interlocutor, Alberto Acosta, no último pleito presidencial equatoriano. “A alternativa é o esmagamento, seja no Brasil, seja em qualquer país da região.”

Apesar disso, Pomar se diz solidário com as reivindicações dos indígenas e demais grupos sociais prejudicados pelo avanço de grandes projetos de desenvolvimento, no campo e na cidade, como usinas hidrelétricas, expansão da fronteira agrícola, campos petrolíferos, mineração, Copa do Mundo e Olimpíadas. Mas faz uma ressalva: “Essas demandas não têm força política para mover a classe trabalhadora urbana, que é maioria em países como Brasil e Argentina, e que permanece subordinada a uma agenda não-socialista”, pontua, lembrando que as cidades devem ser o alvo da esquerda. “Se não, poderemos aceitar o papel honesto, moral e eticamente edificante, de estar do lado certo, mas não vamos ganhar a batalha, não vamos derrotar o grande capital e não vamos resolver o problema.”