“Dialogar sobre violações dentro das empresas é um problema”
14/12/2017
por
Rosa Asendorpf
Na semana de comemoração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, responsabilidade de empresas em violações é tema de debate. Casos históricos como a recuperação de documentos que demonstram a colaboração da Volkswagen com a Ditadura são fundamentais e demonstram a importância da defesa dos direitos humanos
Por Rosa Asendorpf
Nos últimos meses, casos de violações de direitos humanos cometidas por empresas ganharam destaque na mídia. O principal exemplo talvez seja o caso da Volkswagen, que, por conta de provas de sua colaboração com a Ditadura no Brasil, ganhou manchetes no Brasil e na Alemanha. Não é um problema isolado e, infelizmente, a questão ainda é presente. Até hoje, trabalhadores e trabalhadores continuam tendo direitos básicos violados. A responsabilidade histórica e atual de empresas multinacionais e nacionais, os abusos e violações cometidos, estão entre os temas discutidos no seminário “As empresas e as violações dos direitos humanos: passado, presente, futuro”, realizado na última terça-feira, 12 de dezembro, na sede da CUT, em São Paulo.
A mesa de debates contou com a participação do presidente da Confederação Sindical Mundial (CSI), João Felício, do historiador, arquivista e coordenador do CEDOC/CUT Antônio José Marques, da cientista social e coordenadora de pesquisas do Instituto Observatório Social Lilian Rose Arruda, da antropóloga e coordenadora da Fundação Rosa Luxemburgo Laura Burzywoda e do sindicalista do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Aroaldo Oliveira da Silva. A mediação foi feita por Jandyra Uehara da Secretaria de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT.
Direitos humanos no Brasil “O Brasil é um país muito ambíguo em relação a direitos humanos. Temos alguns instrumentos legais que são muito avançados, incluindo a Constituição de 1988. Foram criadas políticas públicas para combater o trabalho escravo e durante os governos Lula [2003–201o] e Dilma [2011–2016] essas políticas foram reforçadas. Mas, quando observamos o estado de direitos humanos no Brasil, quando chegamos ao mundo real, vemos que a situação é ruim. Todos os tipos de violência existem: contra mulheres, especialmente mulheres negras, contra população pobre, comunidade LGBT e crianças”, ponderou Lilian Rose Arruda do Instituto Observatório Social.
A cientista social lembrou que a violência muitas vezes está ancorada em percepções e conivência da própria sociedade. Ela cita pesquisas do Datafolha que expõe que boa parte da população brasileira concordam com a frase “bandido bom é bandido morto” e 87% aprovam a redução da maioridade penal. Há outros levantamentos recentes que apontam uma adesão menor a posturas conservadoras, como o do instituto Big Data divulgado em novembro pelo jornal Valor, mas o fato é que parte da sociedade é contrária aos direitos humanos e o tema ainda é polêmico no Brasil.
“Dialogar sobre direitos humanos já é um problema no Brasil, dialogar sobre violações dentro das empresas é um problema maior ainda”, confirmou o sindicalista Aroaldo Oliveira da Silva, reforçando a necessidade de trabalhar com a própria concepção sobre direitos humanos. A valorização do tema, defenderam participantes, tem que ser priorizada na sociedade. “Isso porque direitos humanos são direitos de diferentes formas como direitos sociais, trabalhistas, sindicais, políticas, econômicas, ambientais e culturais”, explicou o historiador Antônio José Marques.
Os debatedores também lembraram que a defesa de direitos está mais presente no dia-a-dia do que as pessoas imaginam. “Todo cidadão tem o direito de falar por esse salário não quero trabalhar”, exemplificou João Felício, lembrando que são valores fundamentais. “Mesmo assim o tema é bastante recente no sindicato brasileiro”, ponderou Antônio José Marques. Ele argumentou que, justamente por isso, é fundamental salientar a importância dos arquivos, da gestão documental, do acesso a documentos e informações por parte de sindicatos e empresas para a proteção, respeito e reparação aos direitos humanos. Sua fala reforçou a importância da preservação e resgate da documentação de casos de violações para pressionar as empresas a cuidar dos direitos humanos.
O caso Volkswagen Entre os casos documentados está o da Volkswagen. A antropóloga Laura Burzywoda, que pesquisou sobre a colaboração da empresa com a ditadura, contextualizou o papel da empresa: “Depois do golpe em 1964, a Volkswagen aproveitou bastante do chamado ‘milagre econômico brasileiro’ nos anos 70. A extinção dos direitos trabalhistas permitiu o aumento das jornadas de trabalho, a redução de segurança e, assim, a aceleração da produção”.
“Além disso, a empresa manteve contato muito próximo com o regime cívico-militar, como mostrou pela primeira vez o relatório final da Comissão Nacional de Verdade, publicado em 2014. A Volkswagen é acusada de colaborar diretamente com o regime militar. Tem documentos que comprovam que o departamento de segurança juntou informações sobre seus trabalhadores, sobretudo sobre sua militância política, e passou essas informações para o DOPS. Assim, a Volks possibilitou perseguição e prisões de vários trabalhadores”, explicou a pesquisadora.
A importância da documentação de casos assim fica clara a partir de conquistas como a divulgação do caso em reportagens bastante completadas e detalhadas, ou mesmo a investigação aberta pelo Ministério Público Federal em outubro de 2015, a partir de denúncia apresentada em setembro. Mais informações sobre esse caso e outros similares estão disponíveis no livro Empresas alemãs no Brasil – o 7 a 1 na economia do jornalista alemão Christian Russau (que pode ser lido na íntegra aqui).
Resistências Como fazer com que empresas protejam e respeitem os direitos humanos e promovam as devidas reparações, ou mesmo que se desculpem por violações cometidas?
Para os participantes, entender que a violação de direitos humanos não é apenas problema do passado, mas também do presente, é um dos caminhos para mudar a realidade. É necessário, defenderam, investir mais em formação e educação sobre direitos humanos nas escolas para as pessoas saibam sobre os seus direitos e também sobre direitos humanos em geral. Especialmente na situação na qual se encontra o Brasil hoje, onde “o governo ataca os direitos humanos em todos os aspectos”, destacou Antônio, e onde a “vitória dos políticos prejudicou toda a luta por direitos humanos”, completou João Felício, a resistência contra violações de direitos humanos é cada vez mais importante.
Leia mais sobre os impactos sociais e ambientais da atuação de empresas alemãs no Brasil no livroEmpresas alemãs no Brasil, de Christian Russau. Além do caso da Volkswagen, a publicação, que foi distribuída durante o debate, apresenta, a partir de apuração detalhada e bem fundamentada em documentos, casos envolvendo também a siderúrgica Thyssen-Krupp, a Siemens, a Bayer, além empresas seguradoras e resseguradoras como a Allianz e Munich Re.