Brigada para Leer en Libertad organiza ciclo de debates sobre literatura e política
Por FRL
Cerca de 1 milhão e 335 mil pessoas participaram, entre os dias 11 a 20 de outubro, da já tradicional Feira Internacional do Livro (FIL) do Zócalo, no centro da capital mexicana. Considerada um dos eventos literários mais importantes da América Latina, esta 19ª edição contou com a presença de 370 estandes que apresentaram a produção de editoras nacionais e estrangeiras.
Um dos espaços mais concorridos da feira foi o Fórum Liberdade, cuja programação ficou a cargo da Brigada para Leer en Libertad, organização parceira da Fundação Rosa Luxemburgo. Durante dez dias, a tenda atraiu a atenção de um público que quase sempre ocupou os 600 lugares disponíveis. O palco recebeu diariamente diversas atrações, como apresentações musicais, lançamentos de livros, leituras coletivas de obras e debates sobre literatura e política, reunindo personalidades locais e nomes internacionais como Manuel Castells, Kike Ferrari, Martín Caparrós, Ricardo Forster e Manuela D’Ávila, entre outros (veja aqui a programação completa). Outro ponto alto da programação foi a videoconferência entre o diretor do Fondo Económico de Cultura, Paco Ignacio Taibo II, e o linguista Noam Chomsky. Na ocasião, o professor emérito do MIT refletiu sobre o momento instável nos Estados Unidos e manifestou preocupação com a reeleição de Donald Trump para o futuro do planeta. “Trump não é um político convencional. Ao mesmo tempo que anuncia retirada de forças do Oriente Médio, envia mais soldados para a Arábia Saudita para ajudá-los contra o Yemen. O acordo que garantiu 20 anos de paz para a Europa com a eliminação dos mísseis de curto alcance se foi. Os Estados Unidos possuem milícias de supremacistas brancos que superam forças locais de segurança e estão fortemente apoiando Trump. Eles entendem que ele garante a supremacia branca contra todos esses povos terríveis que querem destruir a civilização cristã. Ninguém sabe o que acontecerá nessas circunstâncias se, por exemplo, ele perde as eleições de 2020”. Ao mesmo tempo, Chomsky acrescentou que há motivos para otimismo, uma vez que pela primeira vez no país em muitos anos uma oposição “de verdade” e que rejeita o neoliberalismo. “Há um movimento em direção a uma social-democracia, o que é novo. Os jovens estão atuando de forma muito contundente para impedir esse cenário perigoso que comentei.”
Novos ares
Esta foi a primeira edição da FIL após a eleição do novo presidente Andrés Manuel López Obrador (Morena), que assumiu o cargo em dezembro de 2018 depois de vencer as eleições com cerca de 30 milhões de votos. Gozando de elevadas taxas de popularidade, o político tabasquenho lidera uma coalizão de centro-esquerda que anuncia inaugurar um novo período de mudanças radicais no país – a chamada Quarta Transformação (4T), em referência a outros marcos fundamentais da histórica mexicana: a Independência (1810), a Reforma Liberal (1854) e a Revolução Mexicana (1910).
Com esse ambiente marcado por expectativa de grandes mudanças, um dos destaques do Fórum Liberdade foi a situação política da América Latina, com Brasil e Argentina recebendo uma atenção especial. “É preciso construir a memória cotidianamente. Muita gente votou contra seus próprios interesses. Vivemos uma experiência nefasta nestes últimos anos, que teve que ver com a falta de memória de uma parte da sociedade”, analisou o filósofo portenho Ricardo Forster, acrescentando que na Argentina as resistências populares vão derrotar outra vez o neoliberalismo, em referência à iminente eleição de Alberto Fernández e Cristina Kirchner. Esse resultado ao lado da insurreição no Equador, possíveis vitórias eleitorais na Bolívia e no Uruguai apontam para um novo cenário. “Volta-se a abrir no continente a possibilidade de um projeto diferenciado em relação a essa brutalidade do projeto neoliberal. E temos agora uma novidade que nunca existiu dessa maneira: a possibilidade certa de uma relação fraterna dos governos da América do Sul e o governo do México”, considerando o triunfo de López Obrador decisivo por ter ocorrido num momento de contrarrevolução neoliberal no sul da América.
Nesse sentido, o sociólogo Manuel Castells, em outra ocasião, pontuou que os desafios que se colocam para os latino-americanos no próximo período são justamente superar o modelo extrativo com alta intensidade tecnológica e a corrupção histórica e sistêmica dos Estados. “A corrupção é um fator estruturante da região, e conforme aumenta a presença do poder público na economia, as empresas mantêm uma estratégia fundamental para exercer sua influência e reservam uma parte de seu orçamento para esse fim”, complementou. Todas as conferências estão disponíveis na página da Brigada para Leer en Libertad no youtube (https://www.youtube.com/user/paraleerenlibertad).
Rosa Luxemburgo na FIL
A Feira é realizada anualmente com apoio da Secretaria de Cultura do Governo do Distrito Federal e da Câmara Nacional da Indústria Editorial Mexicana (Caniem). Presença constante nessa atividade desde que foi criada, há 10 anos, a Brigada para Leer en Libertad distribuiu cerca de 10 mil exemplares gratuitamente de sete títulos, que também podem ser baixados pela internet: Entre amigos, com textos e Martín Caparrós e Jorge Blanco; Crônicas contra a indiferença, de Giovanni Porzio; Fátima, de Jürgen Alberts; La Roja, Consuelo Uranga, de Jesús Vargas; Ayotzinapa: las horas eternas, com Paula Mónaco; Mujeres zapatistas: la otra cara de la Revolución; y la Antología poética, de Roberto Fernández Retamar.
A iniciativa, que faz parte de uma parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo, foi saudada diversas vezes pelos organizadores devido à contribuição para a democratização da leitura e do conhecimento. Durante a feira, o ex-diretor do México e atual diretor do escritório de São Paulo, Torge Löding, coordenou um debate sobre migração, com a participação do jornalista investigativo Óscar Martínez (El Faro), a escritora Reyna Grande, o periodista Alberto Nájar (Periodistas a Pié) e o padre Alejandro Solalinde (Hermanos en el Camino) e Roberto Valdovinos (Instituto de Mexicanos en el Exterior). O tema tem particular importância para o contexto mexicano, uma vez que não por conta do muro que Donald Trump prometeu construir durante sua campanha, mas também pelas marchas de imigrantes centro-americanos que têm cruzado o território do país com a esperança de ter um futuro mais digno nos Estados Unidos. “As ultradireitas em quase todos os países do mundo se organizam com um discurso xenófobo, anti-imigrante. A resposta das esquerdas, dos governos e dos partidos progressistas tem sido tímida”, comentou Torge. A íntegra do debate pode ser vista neste link (https://www.youtube.com/watch?v=HWxxXyY1-D4).
Durante a feira, a coordenadora do escritório no México, Patricia Zapata, mediou a mesa “Una mirada a Latinoamérica”, que teve a presença de Jorge Pereira Filho, coordenador no Brasil da Fundação, e do costa-riquenho Jeffrey López (Ditsö) e da cubana Caridad Tamayo (Casa de las Américas), ambos integrantes de organizações parceiras da Fundação. O debate também está disponível na internet e pode ser acesso a partir deste link (https://www.youtube.com/watch?v=jm0FQ_iyDhk).