O evento Good Night, Far Right reunirá lideranças em Berlim, de 27 a 30 de março de 2025, para debater estratégias antifascistas
Good Night, Far Right: estratégias da esquerda contra a ascensão da extrema direita global
24/03/2025
por
Lucas Reinehr

Good Night, Far Right: A New Dawn for the Left – Rosa-Luxemburg-Stiftung

Em todo o mundo, a extrema direita está ganhando poder — tanto no governo quanto na sociedade. Esse fenômeno surpreendeu muitos. Aqueles que acreditavam que o fascismo era “coisa do passado” e que a humanidade havia aprendido com seus erros depositaram grande confiança na “estabilidade” do centro político e agora estão em estado de choque. No entanto, após décadas de neoliberalismo e crises multifacetadas do capitalismo, a ascensão global do neofascismo não deveria ser uma surpresa. Trata-se, antes, de um sintoma violento e autoritário do sistema econômico em que vivemos. Um sistema que avança às custas do empobrecimento e da exploração da maioria da população, apoiando-se em estratégias repressivas que permitem a maximização dos lucros e a expansão do poder das elites locais e globais.

O descontentamento é visível em toda a sociedade. As pessoas estão sobrecarregadas, ganham pouco, enfrentam o custo de vida exorbitante e sentem as consequências de uma infraestrutura de saúde, educação e assistência social cada vez mais precária. Em um mundo moldado por crises sucessivas e uma simultânea falta de perspectivas futuras, a extrema direita explora a frustração pública com uma estratégia: oferecer respostas simples para questões complexas. Quando moradia e consultas médicas são escassas, os migrantes são culpados. A defesa dos direitos das mulheres e da comunidade queer é apresentada como uma ameaça à estrutura moral da sociedade, colocando em risco o “sagrado” papel da família e da religião. E o comunismo, incorporado pela esquerda, ressurge como inimigo central a ser combatido.

Criam-se bodes expiatórios entre migrantes, feministas, pessoas queer e outras comunidades marginalizadas, alimentando deliberadamente o medo. Essas ferramentas são poderosas para direcionar a insatisfação e a insegurança das massas para a direita. A tríade “Deus, Pátria e Família” tornou-se um alicerce da retórica política reacionária em vários países, e o “outro” é enquadrado como inimigo. Quem são esses outros? Aqueles que ameaçam a ordem, a segurança e os valores da “nação”. Aqueles que desafiam os ideais de pátria, família e religião.

Embora marchem na mesma direção, as estratégias da extrema direita variam conforme o contexto local. No Brasil, por exemplo, grupos evangélicos desempenham um papel fundamental na influência sobre os eleitores. Nos Estados Unidos, Trump venceu a última eleição com sua promessa de “Tornar a América Grande Novamente”. Na Europa, o medo da migração domina o imaginário coletivo — partidos de direita oferecem respostas aparentemente claras para essa ansiedade, exigindo o fechamento de fronteiras e deportações. Na Argentina, Javier Milei seduziu elites econômicas e grande parte da população, afetada pela inflação e pela recessão, com sua retórica anarcocapitalista de cortes radicais, colocando o crescimento econômico no centro da política, sem se importar com os danos colaterais.

Apesar dessas diferenças, dois elementos centrais se repetem na agenda da extrema direita: a glorificação do autoritarismo em seus programas e discursos e uma política econômica que atende às elites enquanto empobrece a classe trabalhadora.

Compreender essas estratégias é o primeiro passo para enfrentá-las.

Economia antifascista — e também uma guerra cultural

É inegável que o aumento da desigualdade, da inflação e da perda de direitos sociais levou parte da classe trabalhadora a apoiar a extrema direita. Por meio de discursos demagógicos que propõem soluções enganosas e apelam ao “povo” em oposição à sociedade, a extrema direita — especialmente na Europa — está ganhando influência. Isso leva pessoas que anteriormente votavam em partidos de esquerda a migrarem para a direita.

A luta contra o fascismo, no entanto, não pode se limitar à política econômica. Como Juliano Medeiros, presidente do PSOL do Brasil, argumentou recentemente em uma entrevista à Fundação Rosa Luxemburgo, é preciso também desafiar a subjetividade neoliberal, que foi reforçada ao longo de décadas.

Outro mundo é possível — um mundo onde as pessoas, e não os lucros, estão no centro.

O neoliberalismo não apenas empobreceu as pessoas, como também remodelou os valores sociais, promovendo o individualismo, a indiferença e a responsabilização pessoal por problemas sistêmicos. Na Alemanha, a extrema direita (AfD) prega que cada um deve viver sua vida com “autodeterminação”. Essa noção distorcida de liberdade rejeita o papel do Estado na provisão social, ao mesmo tempo que fortalece sua função como aparato repressivo. Nos EUA e no Brasil, o evangelismo da prosperidade promove a ideia de que o sucesso ou o fracasso é totalmente responsabilidade do indivíduo.

Assim, a crise econômica é apenas parte do problema. O racismo, a xenofobia e a defesa cega da “supremacia branca” podem encontrar terreno fértil na insatisfação material — mas são ideias profundamente enraizadas em sistemas de opressão que antecedem as crises atuais. Reconhecer isso é crucial: políticas antifascistas eficazes devem combinar a luta por um sistema econômico mais justo com a construção de uma cultura antifascista que combata ideologias racistas e promova a solidariedade.

Liberdade: um valor controverso

Em 2 de dezembro de 2024, políticos de extrema direita de todo o mundo reuniram-se em Madri para a 6ª Cúpula Transatlântica organizada pela Political Network for Values, uma plataforma composta por líderes políticos que afirmam “defender os direitos humanos universais, particularmente em relação à proteção da vida, da família e das liberdades fundamentais”, segundo sua própria descrição. Na prática, trata-se de uma organização que reúne políticos reacionários como José Antonio Kast, do Chile, Enikő Győri, da Hungria, Lola Velarde, da Espanha, entre outros.

A apropriação do conceito de liberdade pela extrema direita não é novidade. Enquanto movimentos de esquerda defendem uma sociedade livre de desigualdade, injustiça e estruturas autoritárias, a direita deturpa a noção de liberdade para promover uma ideologia baseada na exploração, opressão e repressão. É por isso que é essencial desmascarar a retórica da extrema direita e revelar quem realmente se beneficia de sua versão de “liberdade”. Como disse Albert Camus: “Se alguém te priva do pão, também está te roubando a liberdade.”

Good Night, Far Right

A luta internacional dos movimentos de esquerda não é apenas contra a extrema direita, mas também contra o sistema neoliberal que a sustenta. As forças reacionárias devem ser derrotadas por meio do fortalecimento de um programa de esquerda. Não basta, por exemplo, conter temporariamente a AfD na Alemanha, fortalecendo simultaneamente a CDU — um partido que está adotando cada vez mais a retórica e as políticas da extrema direita. Queremos romper com esse dilema: é uma ilusão acreditar que o “centro” (que nos trouxe até aqui com suas políticas de austeridade e medidas neoliberais) nos salvará.

Tampouco acreditamos que a extrema direita possa ser combatida apenas no nível institucional, sem organizar mudanças de base que influenciem nossa cultura política. A luta contra o fascismo no parlamento é essencial, mas agora, mais do que nunca, devemos fortalecer a luta nas ruas e construir uma nova hegemonia a partir de baixo; uma maioria social convencida, pronta para impulsionar transformações estruturais que mudem radicalmente a forma como o Estado é governado e que exijam e implementem políticas econômicas justas para a maioria.

Com esses objetivos em mente, nos reuniremos em Berlim, de 27 a 30 de março de 2025, com atores políticos de vários países que atualmente combatem a ascensão da extrema direita. Nosso objetivo é analisar juntos as razões por trás desse fenômeno. No entanto, não vamos parar por aí. Queremos discutir caminhos e estratégias concretas para mudar esse cenário. Não queremos apenas lutar contra a direita; queremos lutar por uma sociedade justa e pacífica.

Agora é hora de superar a postura defensiva, superar a melancolia da esquerda, romper com o pessimismo e oferecer à sociedade alternativas concretas que abordem os verdadeiros problemas da classe trabalhadora. Devemos combater a hegemonia do capitalismo, o novo poder do tecno-feudalismo e os discursos e práticas reacionárias que estão corroendo nossas sociedades por dentro.

Para isso, a sociedade precisa de uma esquerda presente, não apenas durante campanhas eleitorais, mas no cotidiano das pessoas. Uma esquerda que fortaleça os movimentos sociais, conecte-se com sindicatos, com o movimento climático e com organizações de migrantes para liderar lutas coletivas — nos locais de trabalho, bairros, universidades e centros juvenis. A extrema direita espalha fake news e explora as redes sociais para espalhar o medo — precisamos responder com uma estratégia de comunicação que una fatos com esperança, recuse ceder os espaços digitais à direita e defenda a memória histórica contra o revisionismo. A luta contra a crise climática e a guerra é inseparável da luta por justiça social e democracia. Uma esquerda internacionalista deve, portanto, construir solidariedade transfronteiriça para oferecer uma verdadeira alternativa ao avanço global da extrema direita.

Outro mundo é possível — um mundo onde as pessoas, e não os lucros, estão no centro. Onde a moradia não é uma mercadoria, mas um direito de todos. Onde o trabalho não explora, mas proporciona uma vida digna. Onde educação, saúde e segurança social não são privilégios, mas direitos básicos. Onde a proteção climática não é sacrificada em favor dos interesses corporativos, mas reconhecida como princípio fundamental da justiça social. Onde a paz não é apenas uma palavra, mas uma realidade política vivida — contra a militarização e a lógica da guerra, em favor da solidariedade internacional.

Tudo isso não é apenas um sonho utópico, mas uma alternativa tangível, alcançável por meio da luta coletiva. Em todos os lugares onde as pessoas se organizam, lutam por melhores condições e exploram novos caminhos, esse outro mundo já está se tornando realidade. Agora é hora de canalizar o descontentamento e direcioná-lo para a esquerda, revolucionar a maneira como nos relacionamos com a sociedade e adaptar as visões da esquerda à realidade presente. Só assim poderemos dar “boa noite” à extrema direita e saudar uma nova aurora para a esquerda.


Lucas Reinehr é gerente de projetos da Unidade América Latina da Fundação Rosa Luxemburgo, em Berlim.