Razão e voz

Instrumentos da árdua luta da mulher negra e favelada

foto: Emilia Maria de Souza

Emilia Maria de Souza, liderança da Comunidade do Horto, Rio de Janeiro, foi a palestrante da sessão “Racismo ambiental na cidade”, do curso de extensão “Mulheres em defesa do território-corpo-terra”, realizado pela Coletiva Diálogos Feministas e a Fundação Rosa Luxemburgo.

Emília, mulher negra, militante feminista e antirracista que luta pelo direto à moradia da sua comunidade, devido às ameaças de remoção e demais violências enfrentadas no cotidiano. Ela explica que a luta da mulher negra e favelada é ainda mais árdua devido inúmeras formas de preconceitos sofridos em decorrência do machismo e racismo por parte da população que vive no entorno da comunidade, no Jardim Botânico, bairro predominantemente branco e de classe social mais favorecida. “São vários embates diários para se manter na resistência, com discernimento e sem perder o foco nem o alcance,” expressou sobre o instrumental que reverbera o eco das suas lutas: a razão e a voz. “Não falo só por mim, falo por todas as que se calam por vergonha, por achar que não sabem falar ou se colocar. Todas sabemos e temos que vencer este obstáculo,” ensinou.

Segundo Emília, as 621 famílias da Comunidade do Horto têm origens na época que o território era rota de quilombos e, as famílias residentes na Vila da Major e Vila da Embrapa, também descendem de ex-trabalhadores que construíram o parque Jardim Botânico e tiveram autorização de residir no local com suas famílias. O território em questão foi nomeado “Jardim Botânico do Rio de Janeiro” em 13 de junho de 1808 e renomeado Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em 1995, como é conhecido até hoje. Localiza-se no atual bairro carioca Gávea, Zona Sul do município. É essa instituição que, há 40 anos, move ações de reintegração de posse na justiça contra a comunidade, devido ao domínio dessas terras da União. A entrada em vigor da Lei nº 7.184/2021, em dezembro passado, que declara a Comunidade do Horto como de Especial Interesse Social para fins de reurbanização e regularização, é uma reivindicação desde 2009 e representa uma possibilidade de a justiça ser realmente feita bem como ser cumprido pelo estado o direito constitucional de acesso a uma moradia digna.  

“Já teve projeto para construir conjunto habitacional e cemitério. Conseguiram instalar uma megaempresa de comunicação e mansões luxuosas. O pior é acusarem a comunidade de estar dentro da área do Jardim Botânico, o que é uma inverdade e temos provas,” disse Emília compartilhando a riqueza que constitui o Museu do Horto. Com a adesão da maioria, trata-se de um museu de percurso, ou seja, vivo, no qual cada morador e moradora conta e mostra as memórias dos lugares históricos da Comunidade, através de relatos, vídeos, documentários e atividades. “Assim nos fortalecemos e resistimos evidenciando o que a especulação imobiliária e os demais algozes tentam silenciar e apagar,” afirmou. Além disso, os costumes e a ancestralidade se preservam através das novas gerações que convivem com os mais velhos/as aprendendo a conservar os ecossistemas do território situado no bioma Mata Atlântica. “O Horto é uma área que parece uma cidade do interior, tem vínculo com a música e a cultura negra. Tivemos vários blocos que alegravam os carnavais, as festividades, as festas juninas, e também, muitos terreiros, principalmente de umbanda.” Muitos foram desativados em decorrência dos preconceitos. Ao apresentar à sociedade os fatos históricos, o Museu vivo traz o respeito merecido à Comunidade.

Carolina Câmara Pires dos Santos, que é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense e fez a mediação do diálogo com Emília, destacou a importância da re-existência negra da Comunidade do Horto, tida como invasora do território pelo conluio de interesses político-econômicos e midiáticos. “É uma comunidade proletária desde o princípio, que ergueu suas próprias moradias e promove as condições de sua sobrevivência diante das negativas do estado e da sociedade. Convive em harmonia com a natureza através dos aprendizados ancestrais e tem conseguido desativar os projetos de gentrificação para o local, que implicam degradação do meio ambiente, visível, por exemplo, na parte do Instituto, onde a floresta foi bastante reduzida.” No entanto, explicam as duas mulheres, o estado se apropria da questão ambiental quando é do seu interesse, argumentando, inclusive, que parte da comunidade estaria em áreas de risco e por isso precisariam sair. Porém, contou Emília, “a área de risco, vira área de rico”. É área de risco para a população negra desta comunidade e, por isso, a luta é também pelo reconhecimento de comunidade tradicional, conforme os seus modos de viver característicos.   

Aula de campo – Foto: Julia Giménez

Quem não assistiu pode acessar a transmissão pelo canal da Fundação Rosa Luxemburgo aqui e pela página da Coletiva Diálogos Feministas aqui.

A próxima aula aberta será em 25 de julho, às 16 horas, sobre Energia com as palestrantes Camila Brito (MAB) e Tatiana Muniz (MMM Rio Grande do Norte). Acompanhem as nossas redes sociais e participem!

* Eliege Fante é jornalista, mestra e doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS, associada ao Núcleo de Ecojornalistas do RS.