Maíra Vida: ‘Vamos garantir a construção de um país que nos inclua como cidadãos’

A advogada baiana Maíra Vida acredita no Direito como ferramenta de correção das desigualdades sociais
10/02/2023
por
Rosana Silva | Nós Mulheres da Periferia
A advogada baiana Maíra Vida acredita no Direito como ferramenta de correção das desigualdades sociais | Crédito: Bruna Rocha

Entre a infância e a adolescência, a advogada Maíra Vida, 35, já acompanhava a mãe e o tio nos espaços de ativismo em que transitavam, na cidade de Salvador, na Bahia.

“Minha mãe foi aluna do CEAO/UFBA. Na graduação dela, foi aluna de Luiza Bairros, ela me levava. Vilma Reis era uma figura que a gente via e ficava encantada. Minha memória infantil mais antiga é de estar no ombro do meu tio Samuel numa caminhada que desembocava numa grande manifestação. E a gente gritando: Lula lá, Zezé aqui! Tinha quatro anos de idade”, lembra.

Maíra Vida estudou Direito por influência da família | Crédito: Bruna Rocha

Maíra é coordenadora do Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, vinculado à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, do Estado da Bahia. É atual presidente da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa, da OAB-Bahia, cofundadora do Afro-Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica  (Aganju).

A advogada conta que a escolha da área profissional teve a influência da família. Quando morava em Pau da Lima, periferia de Salvador, observava o senso de justiça, solidariedade e altruísmo nas figuras da mãe Mariluce, da avó Dona Santa, dos tios Saulo e, em especial, Samuel, no cuidado da comunidade no entorno.

“Eles sempre foram figuras de mediação e de liderança comunitária. Não só no sentido associativo e organizativo do território, mas, sobretudo, numa lógica de influência. Sempre foram figuras de formação de opinião, tidas como estratégicas para outras unidades familiares. Minha família é o meu sul, eles que suleiam a minha jornada”, afirma.

Há cerca de 20 anos, a advogada trabalha com casos que envolvem crimes de ódio racial e religioso na Bahia. E foi a partir da relação de ativismo com o tio Samuel Vida – advogado, professor de Direito, militante do movimento negro, que Maíra passou a entender formalmente a relação entre o Direito e as Relações Raciais.

“Existe uma dimensão familiar, mas tem uma dimensão do ativismo, de como eu começo a me inserir nas agendas políticas, nas agendas públicas dele”, explica.

Em 2001, Samuel Vida fundou o Afro-Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica (Aganju), em Salvador. Segundo Maíra, desde a origem, tem atuado com educação jurídica, voltada para os direitos humanos e educação popular, com viés étnico-racial. 

“Aganju passou a ser essa ponte entre a sociedade civil e as instituições, para qualificar a dimensão raça dentro dos processos de violação de direitos humanos, que eram por motivo de raça e de religião, mas que não eram considerados assim”, alerta.

Além disso, têm tido um trabalho de mobilização social, elaboração de políticas públicas, debates, audiências e incidência dentro dos processos do legislativo, executivo e judiciário, além do atendimento a pessoas em situação de violência racial e religiosa.

“Aganju faz o trabalho de educação, mas também de arregimentação estratégica do direito, que sempre foi uma ferramenta de conformação de desigualdades, legitimador do racismo; hoje, vamos tentar corrigir essas assimetrias pelo direito, a gente vai fazer a disputa ideológica para que a gente possa garantir a construção de um projeto de país que nos inclua como cidadãos”, afirma.

Com a experiência acumulada, Maíra começa a atuar na área jurídica da Coalizão Negra por Direitos, por meio do afro-gabinete. “Em 2019, a Coalizão nasce por conta da necessidade de criar uma frente arregimentada de organizações negras e organizações aliadas, comprometidas com a agenda racial, sendo um debate primário a pauta racial e a vida do povo negro”, enfatiza a ativista.

A advogada acredita que é preciso utilizar as tecnologias sociais como instrumentos para romper com modelos de exclusão de pessoas negras | Crédito: Bruna Rocha

A Coalizão Negra por Direitos é composta por 250 organizações. Maíra não considera a articulação como uma inovação, já que as populações negras, ao longo da sua história, sempre se organizaram contra as práticas de racismo. Mas, ela considera uma novidade.

“Somos uma novidade, neste tempo, porque pegamos toda essa tecnologia social que temos e fazemos o seguinte:  essas organizações têm autonomia, suas frentes e suas plataformas de trabalho. Nós vamos unificar, reverberar e fazer uma plataforma de incidência, utilizando o direito necessariamente como ferramenta de subversão”, explica.

Por isso, a Coalizão tem criado instrumentos políticos documentais, a exemplo da Arguição de Descumprimento por Direito Fundamental (ADPF) nº 973, chamada “Vidas Negras Importam”, que denuncia o genocídio do povo negro brasileiro.

Segundo a ativista, a Coalizão organizou os quilombos parlamentares, os comitês antirracistas, ocupou as ruas para exigir a cobertura vacinal, o enfrentamento a Covid-19, a priorização de povos indígenas e quilombolas, reivindicou o auxílio emergencial, entre outras ações.

“A gente precisa trabalhar com bloco. Se não trabalharmos com a perspectiva de quilombo moderno, a gente não vai adiante. Porque não temos recursos, não temos patrimônio, não detemos os meios de produção, o poder de mídia, o capital”.  

“Precisamos criar estratégias que tragam novidade para este tempo. O nosso povo sempre trabalhou de maneira conjugada e colaborativa. É pegar essas tecnologias sociais e transformá-las em algo que rompa com modelos de excludência normalizados do negro neste tempo”, conclui.


Esta reportagem integra a série “Feminismos”, uma parceria do Nós com a Fundação Rosa Luxemburgo. A série conta histórias de mulheres que têm a política como propósito de vida.