Mulheres da Teia dos Povos avaliam riscos e resistências em encontro na Bahia

“A Teia dos Povos [representa] a força na diversidade", Mara Abade, conselheira da Teia dos Povos e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
18/03/2024
por
Verena Glass*
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“A Teia dos Povos representa a força na diversidade”, declara Mara Abade, conselheira da Teia dos Povos e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). “Na hora que o ‘calo aperta’, são poucos os que de verdade estão do nosso lado. É nós por nós. Que nós olhemos sempre em círculo, nunca de cima para baixo, nem de baixo para cima”, reforça a pescadora, liderança do Quilombo Engenho da Ponte e da Rede de Mulheres Negras.

Entre os dias 5 e 9 de março, cerca de 300 mulheres de comunidades de matriz africana, quilombolas, pescadoras, indígenas e assentadas da reforma agrária estiveram reunidas no Assentamento Terra Vista, em Arataca (BA) participaram do IV Encontro de Mulheres da Teia dos Povos.

Com o tema “Mulheres em defesa da vida: por terra e território”, o encontro fomentou a articulação e o intercâmbio de experiências por meio de oficinas, rodas de conversa e plenárias, divididas basicamente em três eixos temáticos: soberania alimentar (agroecologia, reprodução e armazenamento de sementes crioulas, identificação, cultivo e manipulação de plantas medicinais, sistemas agroflorestais, manejo dos recursos marinhos, alimentação saudável), autocuidado (produção e uso de fitoterápicos, preservação da memória e das ancestralidades, autonomia do cuidado, medicinas tradicionais e alternativas) e resistências (luta em defesa dos territórios, resistências contra projetos agroextrativos, análise das diversas violências contra os territórios e contra as mulheres, resistências aos fundamentalismos religiosos e formas de autodefesa).

Surgida em 2012 no âmbito das jornadas de agroecologia da Bahia, a Teia dos Povos, que reúne uma grande diversidade de comunidades e povos tradicionais e camponeses (além de acadêmicos e organizações urbanas de luta por moradia), têm buscado fortalecer a proposta agroecológica como um dos principais instrumentos de resistência e soberania. Também é uma frente de defesa da natureza, explica Mariselha Lopes, liderança pescadora da Ilha da Maré. “Falar de natureza, das matas… nós que vivemos nesse lugar e não estamos enquanto pesquisadores, podemos falar a manhã toda e não é possível traduzir o que é essa energia. Viver é um ato de resistência; resistimos nesses lugares porque não podemos ser diferentes”.

Por outro lado, comenta Dona Madalena, que participa da articulação pela implantação de cisternas no semi-árido baiano, os modos de vida destas comunidades estão cada vez mais em risco. “Outro dia um diretor do IFood disse que, em dez anos, ninguém mais vai cozinhar. Estamos trabalhando nas brechas do capitalismo. Se nós não nos unirmos em um só corpo, estamos fadadas a falir. Sem romantismo, temos que remar contra a maré, e precisamos de mais braços.”

TERRITÓRIOS EM RISCO

Mãe Bernadete e Nega Pataxó

Nesse sentido, as mulheres da Teia buscaram diagnosticar as novas investidas deste capitalismo sobre seus territórios – em forma de projetos de infraestrutura, mineração, parques eólicos na terra e no mar, carcinicultura, expansão da soja e outras modalidades do agronegócio, projetos de mercado de carbono, megaprojetos turísticos, etc, mas também a violência do tráfico, do fundamentalismo religioso, do feminicídio e da exaustão de quem está na luta. Mas buscaram também identificar formas de resistência e cuidado, e a força que a articulação das mulheres representa.

MÃE BERNADETE E NEGA PATAXÓ

Mestra Mayá Pataxo

A homenagem à Mãe Bernadete, líder quilombola e ialorixá do quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, assassinada em agosto de 2023, e à Maria Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó, pajé pataxó hã-hã-hãe da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, assassinada em 21 de fevereiro deste ano por fazendeiros do movimento “Invasão Zero”, foi um dos momentos mais fortes do encontro; foi quando mestra Mayá Pataxo, irmã de Nega e uma das articuladoras da Teia, envocou a resistência das mulheres.

“Passei 40 dias de cama. Mas ha três eu levantei”, anunciou. “Está com três dias que eu disse: a guerra não acabou; tenho que estar de pé porque ainda tenho algo para dizer. Nós mulheres temos que aprender a guerrear para defender o que é nosso, nosso território. Terra é nós, mulheres. Nós mulheres temos que aprender a pisar na terra, dizer terra, eu sou terra, eu preciso pisar na terra para me fortalecer”.


* Verena Glass é coordenadora de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo