No marco do lançamento, pela editora Boitempo, de Mulheres, raça e classe, de Angela Davis, a Fundação Rosa Luxemburgo promove nesta quinta, 1º de dezembro de 2016, a roda de conversa Angela Davis: raça e gênero da reprodução do capital, que contará com a participação da jornalista e educomunicadora Paola Prandini e da mestra e doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, Rosane Borges.
E para aquecer o debate e a reflexão sobre as contribuições da obra de Davis para a construção de novos caminhos para a ação política, leia abaixo trecho do prefácio da edição brasileira de Mulheres, raça e classe, elaborado pela filósofa e secretária adjunta de direitos humanos da cidade de São Paulo,
Djamila Ribeiro
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Mulheres, raça e classe, de Angela Davis, é uma obra fundamental para se entender as nuances das opressões. Começar o livro tratando da escravidão e de seus efeitos, da forma pela qual a mulher negra foi desumanizada, nos dá a dimensão da impossibilidade de se pensar um projeto de nação que desconsidere a centralidade da questão racial, já que as sociedades escravocratas foram fundadas no racismo. Além disso, a autora mostra a necessidade da não hierarquização das opressões, ou seja, o quanto é preciso considerar a intersecção de raça, classe e gênero para possibilitar um novo modelo de sociedade.
Davis apresenta o debate sobre o abolicionismo penal como imprescindível para o enfrentamento do racismo institucional. Denuncia o encarceramento em massa da população negra como mecanismo de controle e dominação. Dessa forma, questiona a ideia de que a mera adesão a uma lógica punitivista traria soluções efetivas para o combate à violência, considerando-se que o sujeito negro foi aquele construído como violento e perigoso, inclusive a mulher negra, cada vez mais encarcerada. Analisar essa problemática tendo como base a questão de raça e classe permite a Davis fazer uma análise profunda e refinada do modo pelo qual essas opressões estruturam a sociedade. Neste livro, tal discussão é sinalizada pela autora por meio de sua abordagem do sistema de contratação de pessoas encarceradas nos Estados Unidos, que já durante o período escravocrata permitia às autoridades ceder homens e mulheres negros presos para o trabalho, em uma relação direta entre escravidão e encarceramento como forma de controle social.
Nesse sentido, mesmo sendo marxista, Davis é uma grande crítica da esquerda ortodoxa que defende a primazia da questão de classe sobre as outras opressões. Em “As mulheres negras na construção de uma nova utopia”, a autora destaca a importância de refletir sobre de que maneira as opressões se combinam e entrecruzam:
As organizações de esquerda têm argumentado dentro de uma visão marxista e ortodoxa que a classe é a coisa mais importante. Claro que classe é importante. É preciso compreender que classe informa a raça. Mas raça, também, informa a classe. E gênero informa a classe. Raça é a maneira como a classe é vivida. Da mesma forma que gênero é a maneira como a raça é vivida. A gente precisa refletir bastante para perceber as intersecções entre raça, classe e gênero, de forma a perceber que entre essas categorias existem relações que são mútuas e outras que são cruzadas. Ninguém pode assumir a primazia de uma categoria sobre as outras.
A recusa a um olhar ortodoxo mantém Davis atenta às questões contemporâneas, que abarcam desde a cantora Beyoncé à crise de representatividade. A discussão feita por ela sobre representação foge de dicotomias estéreis e nos auxilia numa nova compreensão. Acredita que representação é importante, sobretudo no que diz respeito à população negra, ainda majoritariamente fora de espaços de poder. No entanto, tal importância não pode significar a incompreensão de seus limites. Para além de simplesmente ocupar espaços, é necessário um real comprometimento em romper com lógicas opressoras. Nesse sentido, acompanhar suas entrevistas é fundamental.
Davis traz as inquietações necessárias para que o conformismo não nos derrote. Pensa as diferenças como fagulhas criativas que podem nos permitir interligar nossas lutas e nos coloca o desafio de conceber ações capazes de desatrelar valores democráticos de valores capitalistas. Essa é sua grande utopia. Nessa construção, para ela, cabe às mulheres negras um papel essencial, por se tratar do grupo que, sendo fundamentalmente o mais atingido pelas consequências de uma sociedade capitalista, foi obrigado a compreender, para além de suas opressões, a opressão de outros grupos.
Mulheres, raça e classe é a tradução do conceito de interseccionalidade. Angela Davis traz um potencial revolucionário, e ler sua obra é tarefa essencial para quem pensa um novo modelo de sociedade.