Tarifa Zero é apresentada como solução para crise do transporte público coletivo

Coordenador da Fundação Rosa Luxemburgo alerta para gravidade da situação em debate da Frente Nacional de Prefeitos e Prefeitas, no Parque da Mobilidade Urbana e na Summit Mobilidade de Maceió
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Tarifa Zero é apresentada como solução para crise do transporte público coletivo
20/06/2024
por
FRL

Coordenador da Fundação Rosa Luxemburgo alerta para gravidade da situação em debate da Frente Nacional de Prefeitos e Prefeitas, no Parque da Mobilidade Urbana e na Summit Mobilidade de Maceió

Daniel Santini apresenta o mapa da Tarifa Zero no Brasil no Parque da Mobilidade Urbana. Foto: Paula Aftimus

O transporte público coletivo no Brasil passa por uma grave crise após uma década de encolhimento e a adoção da Tarifa Zero universal pode ser a melhor saída para garantir que o atendimento à população continue. Foi essa a ideia que Daniel Santini, coordenador de projetos na Fundação Rosa Luxemburgo, defendeu em uma sequência de eventos institucionais nas últimas duas semanas, dialogando com gestores e gestoras, e representantes do setor. Mestre e doutorando em Planejamento Urbano e Regional na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, o pesquisador é autor do livro Passe Livre: as possibilidades da Tarifa Zero contra a distopia da uberização.

Foram três encontros que reuniram pessoas que estudam, trabalham e buscam soluções para o tema: um debate virtual organizado pela Frente Nacional de Prefeitos e Prefeitas em 7 de junho, uma mesa no Parque da Mobilidade Urbana em 14 de junho e uma apresentação na Gazeta de Alagoas Summit Mobilidade de Maceió em 17 de junho. Santini chamou a atenção para a queda do número de passageiros no transporte público nas principais cidades do Brasil, tendência agravada pela pandemia de Covid-19, mas anterior a ela. Associou a crise à falência do modelo de financiamento baseado na receita das catracas e defendeu que é preciso rever as fórmulas de remuneração para as empresas operadoras.

Debate virtual organizado pela Frente Nacional de Prefeitos e Prefeitas em 7 de junho. Confira as apresentações de Daniel Santini, de Renato Boareto e de Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco)

Ou seja, não apenas adotar a Tarifa Zero universal para reverter a tendência de encolhimento das redes, mas também rever a maneira como o cálculo para gestão e pagamento do sistema é feito. Ele defende que o principal problema é a fórmula que considera passageiro como custo e não receita, que estimula a superlotação dos ônibus. Se um operador recebe o dobro ao transportar 80 pessoas esmagadas dentro de um ônibus do que quarenta sentadas confortavelmente, ainda que seu custo de operação tenha variação mínima, vai sempre tentar manter o sistema no limite. A solução é pensar em dimensionar o custo da operação com base em custos reais, ou seja, quantidade de viagens oferecidas e quilômetros percorridos. Pensar a partir da oferta e não da demanda, e estabelecer critérios técnicos claros para os repasses, junto de maneiras de acompanhamento e participação da população, sempre com transparência e abertura de dados.

Tal alteração é interessante até mesmo para empresas, que, ao ter receitas garantidas e não ficarem sujeitas às variações relacionadas ao número de passageiros, podem fazer financiamentos e renovar a frota, tal qual aconteceu na cidade de São Caetano do Sul (SP), cidade mais populosa do estado de São Paulo com a política.

Como não implementar a Tarifa Zero
Alterar a fórmula é também uma maneira de melhor utilizar recursos públicos, reduzindo significativamente os custos. Tentar implementar a Tarifa Zero sem alterar a fórmula é um erro, ainda que seja Tarifa Zero parcial restrita apenas a alguns dias e horários, em parte da rede ou para determinados grupos.

Daniel Santini apresenta dados de São Paulo ao lado da moderadora Georgia Briano (Urucuia) e de Celso Haddad, presidente da Empresa Pública de Transportes de Maricá. Confira as apresentações de Santini e Haddad . Foto: divulgação / flickr do evento

Leia reportagem: “O modelo baseado na catraca faliu”, afirma coordenador da Fundação Rosa Luxemburgo

É o caso da cidade de São Paulo, que adotou a medida para domingos e feriados sem alterar o contrato base, o que resultou em aumento do custo conforme o número de passageiros subiu mesmo que não tenha havido necessariamente melhorias no sistema. Ou seja, a prefeitura não só abriu mão das receitas, como criou uma situação em que o custo aumenta mesmo com o atendimento piorando em função de os ônibus ficarem mais lotados nos dias de Tarifa Zero. Pior, mesmo com a multiplicação de passageiros nos domingos e feriados, a administração municipal não conseguiu fazer o sistema reagir à crise. O aumento em dias especiais meramente equilibrou e compensou a derrocada nos dias úteis – que segue presente. Em dez anos, o número de pessoas transportadas por ano nos ônibus municipais de São Paulo caiu de 2,9 bilhões para 2 bilhões. De 2023 para 2024, a média mensal de passageiros variou de 173,4 milhões para 175,8 milhões, marca ainda distante dos 243,6 milhões transportados por mês em 2013.

Maceió (AL), que também tem passe livre parcial, vive situação parecida. Na cidade que sediou o primeiro encontro, a média anual caiu de 80,6 milhões de viagens em 2013 para 44,9 milhões em 2023. A cidade adotou o programa Domingo é Livre em maio de 2022, mas o sistema até hoje não chegou nem perto da marca anterior. Em 2013, foram 6,7 milhões de passageiros por mês. Em 2022, foram 3,766 milhões, número que, mesmo com a suspensão das cobranças aos domingos, caiu para 3,741 em 2023.

Gazeta de Alagoas Summit Mobilidade, realizado em Maceió (AL). Baixe a apresentação de Daniel Santini. Veja fotos do evento no flickr da organização

Ao citar os números no encontro de Maceió, Santini fez uma comparação com os dados da apresentação de Celso Haddad, gestor da Empresa Pública de Transporte (EPT) de Maricá (RJ), durante o Parque da Mobilidade Urbana. Maricá é a cidade com a rede de transporte baseada em Tarifa Zero mais bem estruturada do país. A diferença entre os dois sistemas é gritante, ainda que a primeira seja uma capital. Maceió tem 957 mil habitantes e seus ônibus municipais transportaram 44,9 milhões de pessoas em 2023. Maricá tem 197 mil habitantes e seus ônibus municipais transportaram 38,3 milhões.

Leia reportagem: Summit Mobilidade encerra com alerta sobre o “encolhimento” do transporte público

Realidade nacional
O pesquisador destacou, aliás, que, preocupadas justamente em reverter o encolhimento do uso do transporte, há cada vez mais cidades de tamanho médio implementando a política. Entre as mais populosas, estão Caucaia (CE) e Canoas (RS), que adotou de maneira emergencial após as chuvas, além de Luiziânia (GO), vizinha de Brasília (DF), e Ibirité (MG), ao lado de Belo Horizonte (MG). O número de cidades que adotaram de maneira universal ter crescido de maneira significativa no Brasil. Hoje já são 115 municípios identificados (veja mapa e lista completa).

Em suas apresentações, Santini ressaltou que a redução da proporção de pessoas usando transporte público coletivo tem impactos econômicos, sociais e ambientais. Lembrou do aumento da motorização no país, da concorrência provocada por aplicativos baseados na exploração de trabalho precarizado e insistiu que o tema é grave e deveria ser tratado como prioridade.

Existe relação entre a crise na mobilidade, a segregação espacial de parte da população e a degradação das condições de vida nas cidades. Em relação à poluição, ele lembrou que não basta alterar a fonte de combustível e seguir desperdiçando energia em deslocamentos massivos baseados em transporte motorizado individual. É preciso pensar em transição modal, incentivando o transporte coletivo, em especial o sobre trilhos, e a mobilidade ativa. Apontou para o absurdo de, em meio ao agravamento da emergência climática, termos uma tendência de aumento de vendas de veículos cada vez maiores que consomem mais combustível.

Letícia Sabino (Instituto Caminhabilidade), Jéssica Lima (UFAL), Clarisse Linke (ITDP) e Daniel Santini (Fundação Rosa Luxemburgo), durante o Gazeta de Alagoas Summit da Mobilidade. Foto: divulgação/flickr