A Esquerda pode parar Angela Merkel?

À convite da Fundação Rosa Luxemburgo, deputados alemães discutem propostas e desafios das eleições que acontecerão no país em setembro.
02/12/2013
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À convite da Fundação Rosa Luxemburgo, deputados alemães discutem propostas e desafios das eleições que acontecerão no país em setembro.

encontro foro sao paulo Por Júlio Delmanto

Composto por 96 partidos de 26 países latino-americanos e caribenhos, o Foro de São Paulo chega em 2013 a sua 19ª edição, realizada entre os dias 31 de julho de 4 de agosto na capital paulista. Entre as inúmeras atividades, uma delas foi proposta pela Fundação Rosa Luxemburgo: uma conversa com os deputados alemães Wolfgang Gehrcke  e Heinz Bierbaum, do partido Die Linke (A Esquerda), sobre as eleições que acontecerão no país em setembro e, ao que tudo indica, reconduzirão a coligação conservadora de Angela Merkel ao poder.

Sob o título de “Quem para Angela Merkel?”, o evento, que contou com espectadores de diversos países,  começou com uma saudação de Gerhard Dilger, diretor do escritório brasileiro da Fundação Rosa Luxemburgo, e prosseguiu com uma primeira exposição por parte de Gehrcke, deputado federal já em campanha por sua reeleição. O parlamentar apontou que uma derrota de Merkel não seria algo completamente impossível, mas para que isto acontecesse seria preciso uma aliança de A Esquerda com os partidos verde e socialdemocrata, o que é impossível no momento por conta da atuação em favor do establishment por parte destas agrupações.

“Infelizmente na Alemanha temos hoje quatro partidos neoliberais”, criticou  Wolfgang Gehrcke, lembrando que além dos liberais e dos democratas cristãos também verdes e socialdemocratas há muito trabalham em favor de políticas de direita: “Não têm mais nada a ver com suas origens, defendem quem tem dinheiro”.

Contra a guerra e por justiça social, redistribuição e democracia

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Wolfgang Gehrcke

Deste modo, em sua avaliação A Esquerda ficará isolada no espectro parlamentar como força de esquerda, com a decisão fundamental das eleições passando não pela vitória ou não de Merkel mas sim pela medida “do tamanho da força que teremos no próximo parlamento, o espaço que teremos”. Em 2009, o partido chegou a 11,9% dos votos, superando com folga os 5% minimamente necessários para ultrapassar a cláusula de barreira e fazer parte do parlamento. “Dependemos de nossos esforços e de nossa força, é preciso disputar cada voto”, propôs, avaliando que só haverá êxito se a campanha conseguir transparecer um “perfil muito claro”.

Neste sentido, Gehrcke visualiza quatro eixos como os primordiais para a intervenção do partido nestas eleições.  O primeiro seria o enfoque na justiça social, o segundo a defesa da redistribuição de renda como central, terceiro o destaque da bandeira antiguerra e por fim a ênfase na democracia em todos os âmbitos sociais, “a começar dos locais de trabalho”.

No âmbito externo, o deputado defende a necessidade de se questionar o papel da Alemanha na Europa, uma vez que os níveis de aprovação da União Europeia são os mais baixos da história e isso pode ser capitalizado por “populistas de direita”. “A questão não é defender mais ou menos Europa, mas sim uma outra Europa”, avaliou, apontando que em relação à discussão sobre a manutenção ou não do Euro como moeda comum “a solução não é no nível monetário, mas sim social, temos que lutar pela igualdade das condições sociais na Europa”.

Concluindo sua primeira intervenção, o deputado alemão disse que a superação dos 5% de votos não será um problema e declarou estar convencido também de que esta eleição representará o pior desempenho da socialdemocracia em sua história, com índices possivelmente inferiores a 25%. Isso colocaria duas questões estratégicas, a seu ver: uma a de que, sem aliados no parlamento, caberia ao partido se unir sobretudo às forças extraparlamentares de esquerda, e outra a dúvida sobre se continuarão os socialdemocratas a se alinharem com a direita e evitar trabalhar em conjunto com A Esquerda.

Regular os bancos, investir mais e distribuir a renda

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Heinz Bierbaum

Heinz Bierbaum é deputado estadual pela província de Sarre e iniciou sua fala lembrando dos altos índices de aprovação da chanceler Angela Merkel, avaliando que os democratas cristãos devem atingir mais de 40% dos votos sobretudo por conta da situação econômica favorável em relação ao contexto europeu. “Mas o déficit social é muito alto”, ressaltou, destacando as questões do trabalho precário e inseguro, das más condições laborais sobretudo no setor de serviços e do aumento da distância entre pobres e ricos.

“Tampouco a situação econômica é tão boa”, prosseguiu, apontando que o modelo alemão baseia-se sobretudo nas exportações, o que exporia o país a grandes riscos, sobretudo em tempos de crise. “A política alemã atrapalha o equilíbrio econômico europeu, é possível manter uma moeda única assim?”, questionou, para logo em seguida defender uma mudança neste setor, que a seu ver deveria se voltar para o estímulo do mercado interno, qualificado como “calcanhar de Aquiles” do atual governo.

“Metade das exportações alemãs vão para a Europa e com as políticas de austeridade há consequências não só sociais, em países como Espanha, Portugal e Grécia, mas também econômicas, com os países se tornando muito débeis por conta do que acontece na Alemanha”, prosseguiu, relatando que a “estabilidade aparente” da economia explica a situação política atual, com Merkel sendo vista pelo senso comum como uma defensora dos interesses alemães.

Assim como seu colega, Bierbaum enumerou alguns pontos a serem defendidos pelo partido no pleito de setembro: outra política para o sistema bancário, com regulamentação do sistema financeiro, outra política econômica, com mais investimentos públicos a fim de criar um “fundo de desenvolvimento social solidário” e outra política de distribuição de renda, com impostos mais altos para os ricos e reajustes salariais.

Afastados dos jovens

O evento prosseguiu com rodadas de questionamentos e intervenções por parte do público. Entre outras indagações, os deputados foram questionados sobre a relação do partido A Esquerda com os movimentos jovens e anticapitalistas do país, ponto encarado como central e problemático devido ao distanciamento marcante entre a vida política contestadora e a atuação partidária. Segundo Gehrcke, “há muitos jovens alemães com um sentir anticapitalista, mas isso não se traduz num sentir socialista, e eles não nos veem como capazes de fazer o que propomos”. “Há uma grande distância entre o que fazemos e os jovens, esse é um grande problema, até porque não há velhos comunistas o suficiente”, brincou.

O deputado federal foi questionado também sobre como A Esquerda encara os governos petistas no Brasil. “Sei que o PT é objeto de muitas críticas, mas o fato de estar implementando políticas sociais no quintal dos Estados Unidos é um fato histórico que me faz ter muito respeito por essas experiências”, respondeu.

As eleições gerais alemãs acontecerão no dia 22 de setembro. Segundo pesquisa divulgada no último mês de julho pela agência Forsa, o partido de Merkel tem 41% das intenções de voto o que, somados aos 5% de intenções dos Democratas Livres, daria 46% de preferência ao governo atual. Os socialdemocratas aparecem com 22%, os verdes com 12% e A Esquerda com 9%. 21% dos eleitores disseram preferir o socialdemocrata Peer Steinbrück como chanceler, e outros 57% apontaram pela permanência de Merkel no cargo que ocupa desde 2005.