Indígenas exigem que Temer respeite STF

Os ministros e ministras reafirmaram os direitos originários dos povos indígenas e o indigenato, em referência à longa história de reconhecimento formal do direito às suas terras no Brasil.
18/08/2017
por
Tiago Miotto

Os ministros e ministras reafirmaram, com a decisão, os direitos originários dos povos indígenas e o indigenato, em referência à longa história de reconhecimento formal do direito dos povos indígenas às suas terras no Brasil, em diferentes constituições e em legislações que remontam ao período colonial

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Por Tiago Miotto, CIMI 

Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso, que foi relator dos embargos de declaração do caso Raposa Serra do Sol, destacou que o conteúdo da Petição 3388/RR se aplicava única e exclusivamente ao julgamento do caso Raposa Serra do Sol – o que consta do próprio acórdão daquela decisão e que é frontalmente desrespeitado pelo parecer da AGU.

Lideranças indígenas protocolaram documentos ontem exigindo do governo federal a revogação do Parecer nº 01/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), publicado em julho. O parecer, elaborado pela AGU assinado por Michel Temer, pretende obrigar todos os órgãos do Executivo a aplicar o marco temporal e as condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Raposa Serra do Sol a todas as demarcações de terras indígenas.

Motivados pela decisão do STF no julgamento das Ações Civis Ordinárias (ACOs) 362 e 366, ocorrido ontem, indígenas dos povos Tupinambá, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Guarani, Kaingang e Xokleng, realizaram cantos em frente ao Palácio do Planalto, ao Ministério da Justiça e à AGU, em Brasília, enquanto lideranças protocolavam documentos exigindo que o Parecer nº 01/2017 – GAB/CGU/AGU seja revogado.

No julgamento de quarta, o STF negou, por oito votos a zero, o pedido de indenização do estado de Mato Grosso pela criação do Parque Indígena do Xingu, em 1961, e a demarcação de áreas na década de 1980 que, segundo aquele estado, seriam de sua propriedade.

Os ministros e ministras reafirmaram, com a decisão, os direitos originários dos povos indígenas e o indigenato, em referência à longa história de reconhecimento formal do direito dos povos indígenas às suas terras no Brasil, em diferentes constituições e em legislações que remontam ao período colonial.

Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso, que foi relator dos embargos de declaração do caso Raposa Serra do Sol, destacou que o conteúdo da Petição 3388/RR se aplicava única e exclusivamente ao julgamento do caso Raposa Serra do Sol – o que consta do próprio acórdão daquela decisão e que é frontalmente desrespeitado pelo parecer da AGU.

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Um dos pontos que aparecem no acórdão da Petição 3388/RR, e que foi incorporados ao Parecer 001/2017 da AGU, é a tese do marco temporal, segundo a qual os indígenas só teriam direito às terras que estivessem sob sua posse na data da promulgação da Constituição Federal.

Embora o marco temporal não tenha sido julgado diretamente, ministros, como o próprio Barroso, afirmaram princípios contrários à tese. Para Barroso, “somente será descaracterizada a ocupação tradicional indígena caso demonstrado que os índios deixaram voluntariamente os territórios que possuam ou desde que se verifique que os laços culturais que os uniam a tal área se desfizeram”.

O ministro Ricardo Lewandowski foi enfático ao afirmar a relevância científica dos laudos antropológicos sua validade como prova para se analisar processos envolvendo a demarcação de terras indígenas. Rosa Weber também ressaltou que a Constituição de 1988 reconheceu aos indígenas o direito originário às terras que ocupam de acordo com sua própria forma de ser e suas especificidades, o que também conflita com a tese do marco temporal.

“Foi uma vitória que a gente teve ontem na votação aqui no STF, mas ainda é preocupante esse parecer do governo Temer”, afirma Kerexu Yxapyry, liderança Guarani Mbya da Terra Indígena Morro dos Cavalos que participou da entrega de documentos ao Executivo hoje.

Terras Indígenas: o que o STF decidiu

“Para nós é assustador, quando a gente está na aldeia e vê uma coisa dessas sendo lançada pelo presidente do Brasil, a gente fica tão preocupado e não sabe onde vai. Mas quando a gente chega em Brasília e vê o STF falando que isso não se aplica, a gente começa a perceber que existe uma falta de respeito entre os próprios poderes que estão aqui”, completa.

O parecer que os indígenas exigem que seja revogado fez parte da grande negociata de Temer para se manter no poder, após ser denunciado por corrupção passiva pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A peça foi publicada pelo governo federal após negociação de Temer com a bancada ruralista, como integrantes da própria bancada divulgaram em suas redes sociais. Os votos ruralistas foram essenciais para garantir que a denúncia da PGR não fosse investigada e Temer se mantivesse no cargo.

Nas últimas semanas, os povos indígenas mobilizaram-se intensamente contra o marco temporal, preocupados com a possibilidade do STF adotar esta tese política e jurídica nos julgamentos da última quarta. Contudo, a ação que teria mais chances de trazer essa discussão de forma direta – a ACO 469, sobre a demarcação da Terra Indígena Ventarra, no Rio Grande do Sul – acabou sendo retirada de pauta.

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“A decisão nas ações do Mato Grosso foi uma vitória nossa, dos povos indígenas. Agora, estamos aqui dizendo mais uma vez não ao decreto do presidente Temer que antecipa o marco temporal, e vamos lutar até esse parecer cair e esse fantasma sumir das nossas vidas”, afirma Ramon Tupinambá.

Veja aqui o documento entregue pelos indígenas no Palácio do Planalto, no MJ e na AGU.

Fotos: CIMI