O Clima do Negócio e o Negócio do Clima COP – 26: o paraíso das Corporações

Grandes manchetes, anúncios e promessas… muito tem sido publicado nos últimos dias sobre a 26a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, siglas em inglês), a COP-26, realizada em Glasgow, Reino Unido, em tempos de pandemia, durante os dias 1 a 13 de novembro de 2021.
17/11/2021
por
Fabrina Furtado

Fabrina Furtado*

Dia de Ação Global, marcha climática pelas ruas de Glasgow. Credit: Jeremy Sutton-Hibbert / Greenpeace

Grandes manchetes, anúncios e promessas… muito tem sido publicado nos últimos dias sobre a 26a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, sigla em inglês), a COP-26, realizada em Glasgow, Reino Unido, em tempos de pandemia, durante os dias 1 a 13 de novembro de 2021. Descarbonização, emissões líquidas zero até 2050, livro de regras do Acordo de Paris, financiamento e perdas e danos, adaptação e limitação do aquecimento global em 1.5ºC, mercado de carbono, e metas de mitigação são algumas das questões mais debatidas durantes essa conferência que teve como missão promover ações políticas de enfrentamento das mudanças climáticas provocadas por “seres humanos” e mais especificamente, regulamentar o Acordo de Paris, firmado na COP-21 em dezembro de 2015.

O que sabemos concretamente, no entanto, é que os novos compromissos de combate às mudanças climáticas anunciados nessa COP, como em outras, não mudarão a trajetória imposta do “desenvolvimento e progresso” atual, levando ao contínuo aumento das temperaturas, conflitos, ­­desastres e crimes ambientais. Falou-se em diminuir as emissões de metano em 30% e até em reduzir os subsídios “ineficientes” para os combustíveis fósseis e o uso “sem restrições” do carvão, mas para além do jogo de palavras, por enquanto é isso, falou-se… A COP 26 foi mais um palco de discursos. Sem compromissos em torno de como tudo isso será financiado, inclusive. Um acordo viável afirmou o embaixador do Brasil Paulino Franco de Carvalho Neto, enquanto comemorava a regulamentação do mercado de carbono. Ou seja, em vez dos 1.5ºC prometido, caminhamos para um aumento da temperatura global de até + 2,7ºC. No entanto, por pior que sejam esses números, eles não dizem tudo.

          Por isso esses grandes discursos não tem sido os únicos durante essa COP. Organizações e movimentos do mundo inteiro denunciam o cercamento corporativo de mais uma negociação climática. Apesar das dificuldades sanitárias imposta pela pandemia da Covid-19 e os obstáculos financeiros enfrentados pelo mundo não corporativo para chegar a Glasgow, essas resistências se fizeram presente na própria COP e ao redor do mundo. Uma crítica representativa, com presença importante de movimentos indígenas e negro, ressaltando o racismo ambiental, as injustiças climáticas e a importância dos territórios indígenas e tradicionais para a conservação ambiental. Ou seja, não são todos os “seres humanos” os responsáveis pela crise climática que estamos vivenciando, e muito menos são todos que sentem os efeitos da mesma forma. Assim, afirma a Coalizão Negra por Direitos “não há justiça climática sem justiça racial”; lideranças demonstram como os povos indígenas sempre estiveram na linha de frente do combate à crise climática; e distintas mulheres ativistas discutem ações feministas e justiça climática no contexto dos efeitos do entroncamento entre colonialidade, racismo e patriarcado. Mas antes disso, algumas questões sobre o que significa as COP e mais especificamente essa.

          E vale sempre lembrar, escrevendo de um país onde já morreram mais de 610 mil pessoas, enquanto ocorre essa COP, o número de casos de COVID-19 aumentou em Glasgow desde o início das atividades. De acordo com o governo britânico, o total de novos casos registrados apenas na primeira semana da COP chegou a quase 2 mil, um aumento de 110% na comparação com a semana anterior. E muitas das pessoas em Glasgow, voltam para os seus países de origem depois da conferência…

Contextualizando as COP: harmonização capitalismo e meio ambiente?

          Hoje praticamente todos os governos, organizações, movimentos, meios de comunicação e inclusive, corporações, assumem a mudança climática como um dos maiores desafios do nosso tempo, afirmando que a atividade humana é inequivocamente a causa do aquecimento global. “A mudança climática é uma preocupação comum da humanidade”, afirma o Pacto Climático de Glasgow, nome dado ao documento final da COP-26. Mas nem sempre foi assim; o campo político em torno da questão ambiental e climática hoje é radicalmente diferente do contexto em que se deu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992 (Rio 92), que resultou na criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC).

          A Conferência de Estocolmo, primeira conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente de 1972, proposta pelo governo da Suécia para lidar com a poluição do mar Báltico, a chuva ácida e os pesticidas e metais pesados encontrados nos peixes, em decorrência da atuação de indústrias nacionais e dos países vizinhos, foi crucial para o surgimento de questões globais a partir dos problemas ambientais. Nesse momento, no entanto, a perspectiva dominante, e que foi defendida pelo governo brasileiro, era de que a proteção ambiental seria um obstáculo para o crescimento. A publicação do estudo “Os limites do crescimento” em 1972, pelo Clube de Roma, organização internacional composta principalmente por representantes dos campos empresarial e científico, fundamentados pela tese do economista Thomas Malthus sobre o perigo do crescimento populacional e a teoria da escassez, demonstrava preocupações com o impacto do crescimento econômico sobre a disponibilidade dos chamados recursos naturais. Em 1984, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas realizou um estudo sobre a degradação ambiental e as políticas ambientais, que resultou no relatório “Nosso Futuro Comum”, também conhecido como “Relatório Brundtland”, cujo objetivo era propor meios de harmonizar o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental. Tal processo resultou na noção do desenvolvimento sustentável, consolidada na Rio 92. Iniciam-se assim debates teóricos e políticos para “precificar” a natureza e internalizar as “externalidades ambientais” ao sistema econômico. É possível eliminar as contradições entre meio ambiente e crescimento, argumentavam.

          Nesse contexto, mais especificamente na segunda parte dos anos 1980, a mudança climática antropogênica tornou-se um debate de importância política, em especial depois da criação do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, siglas em inglês) em 1988. Organismo internacional criado pela Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Organização Mundial de Meteorologia (OMM) para avaliar os estudos científicos sobre as mudanças climáticas e seus efeitos socioeconômicos, o IPCC fornece a base científica para a consolidação de políticas da UNFCCC, assinada por mais de 150 nações que são conhecidas como as Partes da Convenção, durante a Rio 92. É a partir dos dados do IPCC, que se construiu o consenso de que existe uma crise climática cujo diagnóstico permite o estabelecimento de medidas, instituições e políticas para o seu enfrentamento.

          O primeiro grande resultado desse processo foi o Protocolo de Quioto, um acordo vinculante assinado por 37 países industrializados e a Comunidade Europeia que definiu metas e cronogramas para a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), em uma média de 5%, face aos níveis de 1990, durante o período de cinco anos 2008-2012. O acordo entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, estabelecendo o mercado como principal mecanismo para cumprimento das metas de redução de emissões. Criou-se assim, o mercado de carbono, fundado na noção de “direito de emitir” e a lógica da compensação – direito de poluir aqui, comprando créditos de carbono ali, não importando aonde, como, com quem…processos diferentes se tornam equivalentes. Foi também a partir do diagnóstico científico do IPCC, segundo o qual o desmatamento é uma das principais fontes de emissões de GEE, que inicia-se um debate sobre mecanismos institucionais para a conservação florestal. A floresta passa a ser percebida como estoque de carbono, tornando possível evitar a implementação de medidas de redução de emissões por parte dos países industrializados do Norte, ao mesmo tempo em que anuncia-se que esta conservação florestal seria capaz de beneficiar econômica e politicamente os países do Sul global. Nesse contexto, emerge a proposta de mecanismos de Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação (REDD+). Para manter suas “florestas em pé” argumentam, os países do Sul (e suas corporações) precisam ser remunerados. São pacotes de bondades, argumentou a subsecretária da subsecretaria de Economia Verde do Rio de Janeiro criada na época da Rio + 20, paralelamente a criação da Bolsa de Valores Ambientais do Rio de Janeiro e tentativas de gerar um mercado de carbono regional[1]. Outras conferências seguiram estendendo o prazo do protocolo de Quioto, realizando malabarismos narrativos e políticos, com nenhum avanço no que diz respeito às medidas concretas para enfrentamento da problemática.

          O Acordo de Paris, assinado durante a 21a COP realizada em dezembro de 2015, criou um regime internacional de clima, que passou a reger metas voluntárias de redução de emissões de gases de efeito estufa, a partir de 01 de janeiro de 2020. Na ocasião, a “comunidade internacional” se comprometeu a limitar o aumento da temperatura ao teto máximo de 2ºC, em relação aos níveis da era pré-industrial, e a “continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1.5ºC” –  os “números mágicos”…

          O Acordo de Paris não definiu uma meta vinculante de redução de emissões, foi impreciso sobre regras para entregar as metas voluntárias, como medir o aumento da temperatura, não especificou as bases de dados a serem utilizadas como referência e, nem a referência do período de tempo a partir do qual os 1.5ºC de aquecimento serão medidos. Todas essas definições foram transferidas para o Livro de Regras, concluído na COP 26. Além disso, de forma mais estrutural, o Acordo não contemplava metas de eliminação de emissões nos setores de energia e transporte, que levariam à diminuição da queima de combustíveis fósseis. Ao contrário, o artigo 4.1 estabelece a possibilidade de garantir “um equilíbrio entre emissões antrópicas por fontes e remoções por sumidouros” na segunda metade deste século. Essa linguagem deu origem ao conceito de “zero emissões líquidas”; veremos mais adiante o que significa isso.

          Mas nove pequenos parágrafos do artigo 6 do Acordo, têm sido tema de tensão nas negociações na COP 26. O texto estabelece três mecanismos de “cooperação voluntária” de mitigação: dois baseados em mercados e um de “não mercado”. O primeiro mecanismo, previsto no artigo 6.2, permite que um país Parte do acordo que tenha cumprido com sua meta de redução de emissões (NDC), de energia renovável ou outro tipo de meta, venda o excedente a outra Parte que não tenha atingido seus próprios objetivos. O segundo mecanismo, previsto no artigo 6.4, cria um mercado internacional de carbono, sob a gestão das Nações Unidas, possibilitando a comercialização de redução de emissões em qualquer lugar do mundo, pelo setor público ou privado, com qualquer tipo de tecnologia. Esse mecanismo poderá – ou não – incluir REDD+. Esse novo mercado tem sido denominado de Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS), substituindo, assim, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quito, aplicado entre os anos de 2008 e 2012. O terceiro mecanismo do Acordo, previsto no artigo 6.8, envolvendo “abordagens não relacionadas ao mercado”, que pode incluir, por exemplo REDD+.

          Terminando um dia depois do combinado, a COP-26 resultou no acordo dos 197 países-membros em torno da necessidade de reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa em 45% até 2030, e de revisitar os compromissos, conforme necessário, até o final de 2022 para seguir em direção aos 1.5°C de aquecimento. O livro de regras foi “concluído”, regulamentando o funcionamento do mercado de carbono; tido como um dos grandes sucessos dessa COP. Estabeleceu-se, por exemplo, que o órgão supervisor do mercado global de redução de emissões terá duas instâncias: a de aprovação das atividades a fazerem parte do mecanismo de mercado e a de autorização para a transferência internacional dos créditos, ou seja, a possibilidade de se compensar as emissões comprando créditos. Teria também enfrentado algumas brechas, como a dupla contagem, garantindo que quem economiza em emissões e vende seus créditos de carbono, tem que contabilizar como suas as emissões do outro, registrando todos os créditos de carbono no inventário de emissões do país[2]. Os detalhes da operação do sistema internacional de comercialização de créditos de carbono ainda serão definidos.

          Outro tema polêmico, sempre, e, portanto, também na COP-26, foi o do financiamento. Antes de 2020 os países do Norte haviam prometido 100 bilhões de dólares anuais, 20% dos quais ainda não foram reembolsados. E nessa COP não foi diferente. Com promessas de financiamentos de U$S 100 bilhões por ano até 2025, o Pacto de Glasgow expressa “profundo pesar” pelo fracasso do financiamento e apela para que os países do Norte concretizem o financiamento o mais rapidamente possível, e até 2025[3]. Um acordo que expressa seu próprio fracasso…  Países da América Latina, Ásia e África pediram, em vão, 1,3 trilhão de dólares para medidas de mitigação e adaptação e recursos para indenizar as perdas e os danos já causados pelas catástrofes climáticas, e, portanto, saíram dessa conferência, no mínimo descontentes. Para termos uma ideia o que significa esses valores, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, busca aprovar o que ele chama de pacote de bem estar e transição ecológica no Congresso daquele país, no valor de 1,75 trilhão de dólares para uma década, o  “Build Back Better” (BBB)[4]. Os apelos dos países mais afetados pela crise climática de criação de um mecanismo específico de financiamento para perdas e danos foram rejeitados; os Estados Unidos pensaram logo nas indenizações que teriam que pagar, motivo pelo qual foram contra.

          Neste processo percebemos como os problemas políticos são frequentemente construídos de modo a já conter os meios de sua solução. A partir de um determinado conhecimento científico, estabeleceu-se uma problemática cujo enfrentamento passou a ser entendida como urgente, a mudança climática antropogênica. A solução dominante do problema, tal como esta é frequentemente caracterizada, a mitigação, é voltada à redução mensurável de emissões de gases de efeito estufa. Os governos estabelecem metas de redução de emissões, determinadas pela UNFCCC, cuja legitimidade científica é fornecida pelos relatórios do IPCC. Estas metas podem ser atingidas através de mecanismos de flexibilização, baseados na criação e comercialização de créditos de carbono, ativos verdesou outros ajustes tecnológicos poucos conhecidos e cujos efeitos são piores do que o problema que pretende enfrentar. Este processo de “coisificação” do clima é, então, expandido para incluir novas unidades de equivalentes de redução de emissões, também divididas, mensuráveis e coisificadas, que podem ser comercializadas e financeirizadas. Trata-se, por certo, de um processo de apropriação, pelos agentes dominantes da questão climática, e de sua inserção na lógica capitalista, no mercado, nos seus instrumentos, mecanismos, políticas, projetos e linguagens.

          As COPs, portanto, são momentos em que essa perspectiva é apresentada publicamente, logicamente ocultada atrás de narrativas e conceitos aparentemente benignos que reivindicam as melhores intenções (salvar o planeta, porque não?), mas com função: servir aos interesses corporativos, evitar mudanças estruturais e justificar e legitimar intervenções e controle de territórios necessários para a expansão do capitalismo. É o ambientalismo de espetáculo; um momento onde governos e grandes corporações apresentam suas respostas político-administrativa que tem como base a suposição de que a crise climática pode ser superada através da inovação tecnológica e processual, de instrumentos de mercado e da construção do consenso (da humanidade). O meio ambiente deixa de ser um obstáculo ao crescimento; considerando-se que a sua “resolução” passa a exigir a produção, a compra e a venda de tecnologias, mudanças institucionais, a atribuição de preço à natureza e a criação de “ativos” a serem comercializados no mercado e inseridos na lógica financeira; o meio ambiente passa a ser o novo motor da engrenagem capitalista. Veremos o que isso significa na prática.

O Pacto de Glasgow: o pacto das corporações…

          Um levantamento realizado pela organização Global Witness, revelou o que já suspeitávamos: a ampla participação da indústria fóssil nas negociações climáticas internacionais. Os pelo menos 503 lobistas do setor superam o número de diversas delegações de países, inclusive a brasileira. Foram mais de 100 empresas de combustíveis fósseis com 30 associações comerciais e organizações associadas, superando a representação indígena oficial em cerca de dois para um e maior do que o total combinado das oito delegações dos países mais afetados pelas mudanças climáticas nas últimas duas décadas – Porto Rico, Mianmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh, Paquistão. Dos países, 27 delegações oficiais registraram lobistas de combustíveis fósseis, incluindo Canadá, Rússia e Brasil. A Associação Internacional de Comércio de Emissões (IETA, na sigla em inglês), estava presente com 103 delegados, incluindo três representantes da multinacional BP[5]. Isso em um contexto de baixa participação de organizações da sociedade civil dos países do Sul, em decorrência das restrições sanitárias por causa da pandemia (que não acabou!) e os altos custos de viagem e hospedagem no Reino Unido. Essa participação não é a toa. O mundo corporativo, incluindo aqui o capital financeiro, não apenas participa; elabora as políticas. Sempre tem participado, mas a COP-26 representou uma intensificação da participação e do controle corporativo do processo.

          Sim, é verdade que pela primeira vez na história das COPs o tema dos combustíveis fósseis entrou no documento final. Mas vamos lá, se os combustíveis fósseis são reconhecidos como principal causa das mudanças climáticas, então porque só agora? Isso não é motivo de comemoração. Segundo, a pressão dos lobistas levou a mudanças significativa na proposta inicial. A primeira versão do documento falava em acelerar “a eliminação do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis”; a segunda foi para “a eliminação progressiva do uso sem restrições” do carvão e dos “subsídios ineficientes para os combustíveis fósseis” e na versão final o termo “eliminação” foi trocado por “redução” do uso de carvão[6]. E quem define o que significa “redução progressiva” ou os subsídios que são “ineficientes”? O povo impactado é que não é. Por outro lado, é preciso também olhar para as propostas que as corporações estão apresentando como forma de garantir as suas “reduções”.

          Essas propostas se dão em um contexto onde o processo de neoliberalização da economia implicou a transformação do meio ambiente em oportunidade de negócios e de legitimação, através de mecanismos que favorecem a vigência de uma lógica privatista e mercantil em espaços até então externos ao mercado, como os do ar, das águas e dos sistemas vivos. Seguindo essa lógica, como em outros âmbitos do capitalismo financeirizado, governos, bancos e empresas adotam estratégias visando atribuir preço a bens naturais, criar ativos, produtos e serviços ambientais a serem vendidos e comprados. O meio ambiente é visto como uma coleção de serviços, o que inclui a biodiversidade, a regulação e a filtração da água, o armazenamento e o sequestro de carbono, cujo valor econômico passaria a ser calculado, expresso em termos monetários, mercantilizado e financeirizado. Essa abertura de novas fronteiras na corrida por recursos naturais não é nova; o que muda é a criação de sofisticados aparatos legais e científicos que garantem a institucionalização, naturalização, legitimação e ampliação dessa corrida para diversos domínios da natureza, incluindo os saberes tradicionais e a própria vida.

          Uma noção central nesse processo é a de “emissões líquidas zero”, relacionada à compensação de emissões (offseting) de gases de efeito estufa e do carbono florestal, um dos eixos da discussão das ditas “soluções baseadas na natureza” (SBN). Para uma atividade ser considerada carbono-neutra é preciso calcular o total das emissões, reduzir onde é possível e balancear o restante das emissões através de uma “compensação”. As possibilidades de projetos incluem o potencial de fixação de carbono de árvores, solos, zonas úmidas e prados, além das abordagens da geoengenharia, como o melhoramento do clima, a captura direta de carbono no ar ou a bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS, na sigla em inglês). Como resultado temos visto a indústria extrativa incrementando investimentos para compensar a extração continuada de “recursos naturais”, disseminando a noção de que criam biodiversidade, e não o contrário.

          Assim, apesar de ser amplamente conhecido que o setor de petróleo e gás é o que mais contribui para as mudanças climáticas, no contexto do debate climático, as grandes corporações, em especial aquelas ligadas à produção de combustíveis fósseis e agroindustriais, estão assumindo compromissos de emissões líquidas zero com investimentos em projeto de captura e armazenamento de carbono e de “reflorestamento” para compensar a extração continuada de combustíveis fósseis. A Shell, por exemplo, anunciou, em abril de 2020, que pretende acelerar suas metas de “Pegada Líquida de Carbono”, para se alinhar com a meta do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura média global para 1.5 °C, alcançando zero emissões líquidas até 2050. A meta será atingida através de melhorias da produção de energia, na diversificação da matriz energética, mas, em especial, através do “armazenamento das emissões em sumidouros de carbono”. Em 2019, a empresa francesa de petróleo e gás, Total, também lançou uma iniciativa de NBS, Total Nature Based Solutions, afirmando não estar “apenas reduzindo suas emissões, adaptando a sua matriz energética e ajudando a moldar a demanda do cliente”, mas, também, “investindo em sumidouros naturais de carbono e desenvolvimento de captura de carbono e soluções de armazenamento”, buscando uma sociedade “neutra em carbono” até 2050 (2020, p.40). A Iniciativa Climática para Petróleo e Gás (Oil and Gas Climate Initiative/OGCI), que reúne doze das maiores empresas de petróleo e gás do mundo, responsáveis por mais de 30% da produção mundial, propõe ver um papel para as NBS, como forma de construir uma “indústria” de captura, uso e armazenamento de carbono (CCUS). No entanto, estudos revelam que os planos de extração de combustíveis fósseis superam a meta de 1.5ºC de aquecimento, em 120% mais combustíveis fósseis (UNEP, 2019). Ou seja, não existem planos, nem mesmo discussão, para reduzir a extração e produção de combustíveis fósseis; pelo contrário, a produção deve aumentar significativamente até 2030, segundo os dados disponíveis.

          Essencial para o cumprimento das metas de emissões líquidas zero é a criação de um mercado de carbono. Considerando o artigo 6o do Acordo de Paris regulamentado no Pacto de Glasgow, a proposta é que o carbono sequestrado, através dos processos e tecnologias aqui citadas, sirva para compensar as emissões de GEE, através da comercialização de créditos de carbono. Grande parte desses créditos serão gerados em projetos nos países do Sul global, servindo para compensar as emissões de países e empresas no Norte. Tal mecanismo já é bastante conhecido por não resultar na redução de emissões, oculta os debates e políticas de enfrentamento das causas do crescimento das emissões e gerarem outros efeitos nos territórios e seus povos.

          Mas as demandas por créditos e compensações de emissões estão aumentando, enquanto os preços das licenças de carbono aumentaram até 60% este ano na Europa. De acordo com dados da Refinitiv Holdings Ltd, o valor dos mercados de carbono do mundo – € 238 bilhões, equivalente a US $ 281 bilhões – cresceu 23% em 2020. Embora seja uma quantia pequena em comparação com os mercados de petróleo e mineração, há potencial de crescimento: Wood Mackenzie estima que um mercado global de carbono pode valer US$ 22 trilhões em 2050. A trader de petróleo Hannah Hauman, disse que o valor do mercado de carbono pode exceder o valor do mercado de petróleo em 2030, possivelmente até em 2025 se os regulamentos forem implementados.

          E não vamos esquecer das finanças verdes, como os ativos verdes que permitem que grandes corporações do capitalismo extrativista financiem as suas ações, se utilizem do discurso “verde” e pressionem por mais desregulamentações. O valor destes ativos cresceu em 59% entre 2019 e 2020[7].

          E o que significam esses projetos para os territórios? Primeiro é importante ressaltar que não há capacidade suficiente no planeta para remover e compensar o aumento contínuo de emissões. Portanto, com plano de emissões líquidas zero que dependem de compensação de carbono, será impossível atingir o número mágico de 1.5ºC de aquecimento. A compensação significa a possibilidade de comprar o direito de continuar poluindo. Significa, inclusive, uma expansão na fronteira energética e na extração de combustíveis fósseis e da mineração. Garante a continuação dos lucros, a partir do sistema de exploração, violência e destruição. Além disso, as compensações, frequentemente, acabam resultando na ampliação da apropriação privada de terras, quando não na grilagem, afetando negativamente a produção de alimentos e, portanto, a segurança e soberania alimentar de comunidades e povos. Legitima o capitalismo extrativo, garante a sua expansão e aumento do controle territorial. Não apenas aumentam os conflitos no campo, violando os direitos dos povos indígenas e tradicionais, mas busca também incorporar seus territórios e conhecimentos na lógica de mercado. Não resolve nada; deslocam os problemas para outro lugar…agora em nome do clima…


         E o Brasil na COP-26? “Recuperando terreno perdido”??? Um retrato fiel da realidade do governo Bolsonarista…

          Intimidação, falsificação de dados, silenciamento das organizações sociais e falas racistas é como tem sido caracterizado a participação da delegação brasileira na COP-26, composta por um recorde de 480 membros, a maior da COP, sem o presidente Bolsonaro, mas repleta de lobistas da indústria e do agronegócio, representantes de empresas como a JBS, DSM, Suzano, e Bradesco, Petrobras, BNDES e Banco do Brasil[8]. O estande brasileiro contou com a parceria da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e o negociador-chefe do Brasil em Glasgow, o embaixador Paulino de Carvalho Neto, não só comemorou o que para ele tem sido a “recuperação do terreno perdido”, mas ainda ressaltou que a representação oficial do Brasil na Conferência “não pode incluir representantes que não são do governo” para rebater crítica sobre a ausência de organizações da sociedade civil na delegação. Ou seja, agronegócio para o Bolsonarismo, é governo… Sem muita novidade até aqui…

          No entanto, o governo teve que “ceder” frente a pressão internacional. Assumiu compromissos de redução de metano e de desmatamento zero até 2050 e foi obrigado a assinar a declaração da floresta, assinada por mais de 100 países ressaltando a importância do combate ao desmatamento no enfrentamento às mudanças climáticas. Por conta dessa pressão, também assinou declaração na qual o Brasil se compromete com o limite de 1.5°C para o aquecimento do planeta neste século em comparação com os níveis pré-industriais. E com isso o governo acha que melhorou a imagem do Brasil no exterior.

          Mas vamos lembrar o que temos no Brasil. Como é de amplo conhecimento, o Brasil vem crescentemente perdendo sua credibilidade internacional em decorrência das diversas “boiadas” da gestão do presidente Jair Bolsonaro e seus ministros. Além da alta do desmatamento (nível mais alto da última década) e queimadas descontroladas na Amazônia, Cerrado e no Pantanal, e o avanço da grilagem no país, são diversos os processos de desmontagem da máquina pública e de políticas anti-indigenistas e racistas desse governo. O país da impunidade, no topo da lista da Global Witness por assassinatos de defensores do meio ambiente e da terra durante vários anos; maior número de conflitos do campo e de assassinatos de indígenas durante o governo Bolsonaro. País onde menos de 10% dos assassinatos de lideranças no campo são julgados e menos de 3% dos crimes ambientais resultam em pagamento de multas. Aliás, foi também no governo Bolsonaro que o menor de número de autuações por crimes ambientais foi identificado (nos primeiros noves meses de 2021 foram emitidas 9.182 multas, enquanto que nos anos de 2000 e 2010, a média anual de autuações variou entre 20 mil e 25 mil). Mas cresceu o número de demissões, afastamentos e cassação de aposentadorias de servidores da área ambiental. 

          Além disso, Bolsonaro nem esperou a COP terminar para criar um grupo de trabalho “com o objetivo de propor estratégias para otimizar o processo de licenciamento ambiental relacionado à exploração e à produção de petróleo e gás natural”, ou seja, para flexibilizar mais ainda o licenciamento ambiental dos blocos de petróleo na costa brasileira, a indústria mais responsável por emissões de CO2. O ministro do meio ambiente, Bento Albuquerque, também anunciou que, além da imortal Angra 3, o próximo Plano Decenal de Energia (PDE) conterá mais uma usina nuclear no Sudeste. Um governo que investe, constantemente nas energias mais poluentes: o governo brasileiro passou a operar todas as usinas termelétricas no país e prevê a construção de mais termelétricas[9].

          E não vamos esquecer que o Brasil criou um dos setores mais poderosos do agronegócio, um dos principais atores no mercado internacional de commodities, em constante expansão das fronteiras de acumulação e intensificação da exploração, expropriação e especulação, que demonstram, a ineficiente (para não dizer algo pior) das cartas, declarações e acordo em torno da “sustentabilidade”. A Cargill, Amaggi e Bunge – campeãs das commodities no Brasil – assinam moratória da soja (que tem diversos problemas de origem), mas foram recentemente descobertas por comprar soja das empresas Fiagril e Aliança que por sua vez compraram de produtor rural multado em R$ 12 milhões por desmatamento. São empresas que também estão envolvidas em conflitos com povos indígenas, quilombolas e pescadores. Esse é o nosso agronegócio sustentável… O agronegócio “pujante e inovador” que na COP-26 está construindo uma imagem positiva, superando o fato do setor ser colocado “erroneamente no holofote dos debates sobre queimadas e incêndios”, como afirma presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), também fortemente presente na COP. A soja brasileira não é fruto de desmatamento argumentou o presidente-executivo da CropLife Brasil[10]. Considerando este contexto, estudo publicado na revista ‘Science’ por pesquisadores do Brasil, Alemanha e EUA, afirmam que pelo menos 20% da soja exportada da Amazônia e do Cerrado para a União Europeia pode ter saído de áreas desmatadas ilegalmente não tem sentido[11]? E os dados do desmatamento crescente na Amazônia, que atingiu o maior número desde 2008? Lembrando, além da violência, a falsificação de dados é o método de atuação principal do atual governo e seus aliados…

          Ao mesmo tempo, o Brasil é citado por diversos meios de comunicação, nacionais e internacionais como tendo um “enorme potencial de gerar créditos de carbono de base florestal ou de energias limpas”[12]. Não foi a toa que o Brasil, conhecido nos últimos anos por ser um entrave no debate sobre o mercado de carbono, comemorou a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris.  O governo garantiu o reconhecimento dos créditos de carbono do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto apesar da insistência da União Europeia em desconsiderá-los. A intenção era incluir todos, desde os de 1997, mas conseguiu os registrados a partir de 2013. Ou seja, assim, o governo utiliza mais créditos de carbono para cumprir seu próprio compromisso de redução de emissões, em vez de reduzi-las efetivamente. Estudo do Environmental Defense Fund, calcula, por exemplo, que o país pode levantar uma receita líquida de US$ 7,2 bilhões até 2030 com a venda de créditos[13].

          Ao mesmo tempo, várias empresas já estão avançando em projetos que podem se beneficiar do mercado de carbono. A Vale, por exemplo, importante participante da delegação brasileira na COP-26, ao se comprometer em investir pelo menos US$ 2 bilhões para reduzir em 33%as suas emissões de carbono até 2030, como parte do seu compromisso de se tornar carbono neutra até 2050 e buscar o Impacto Líquido Neutro (No Net Loss) sobre a biodiversidade a longo prazo, afirma “protegemos e ajudamos a proteger, uma área aproximadamente 6 vezes maior do que a área ocupada por nossas operações”. A mesma Vale responsável pelos maiores crimes ambientais da história da mineração – o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho – e por todos os outros conflitos gerados em decorrência das suas operações no corredor de Carajás no Pará e Maranhão e em outras cidades do Brasil e do mundo. Além do mais, o Instituto Brasileiro de Mineração levou seu apoio ao estabelecimento do mercado de carbono na COP-26, e apoiou regulamentações no Brasil como a de Pagamento de Serviços Ambientais, e mercado voluntário de carbono integrado ao mercado compulsório – o Programa Floresta + do governo federal[14].

          Outro exemplo foi glorificado pelo Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em Glasgow: RenovaBio, a política nacional de agrocombustíveis. A política permite que frigoríficos como a JBS e Minerva, vendam créditos de carbono por evitarem emissões. A questão é que a RenovaBio contabiliza tudo que se emite para produzir o combustível, começando nas fazendas até o portão do distribuidor, exceto para a gordura animal. Desconsidera todo o metano liberado pelo gado no processo e não exige que que seja livre de desmatamento. Assim, mesmo sendo dos frigoríficos que estão mais relacionados com o desmatamento (1o e 8o), estima-se que a JBS e a Minerva tenham ganho cerca de meio milhão com a venda de créditos de carbono  no ano passado[15]

          Vale também ficar de olho no acordo entre a Cooperação Alemã-GIZ e Emergente/LEAF Coalition, uma coalizão formada pelos Estados Unidos, Reino Unido e Noruega, que tem como objetivo oferecer financiamentos para projetos de combate ao desmatamento e conservação florestal, e os governadores da Amazônia Legal. Os governadores buscam recursos para impulsionar a bioeconomia na Amazônia e outros projetos de redução do desmatamento. O fórum de governadores já tinha avançado no lançamento de um edital de concessão florestal destinada à venda de créditos de carbono durante a realização o Fórum Mundial de Bioeconomia realizado em Belém no mês de outubro desse ano[16]. E lembrando, bioeconomia no Brasil inicia-se através do mapeamento dos “recursos naturais” em comunidades tradicionais e dos seus saberes associados.    

Mas às resistências…onde tem floresta ministro, tem riqueza, onde tem Bolsonarismo, tem pobreza…

          No meio de toda essa irresponsabilidade organizada, inclusive declaração racista do Ministro de Meio Ambiente de que “onde existe muita floresta também existe muita pobreza”, e apesar dos limites do contexto, os povos indígenas e o movimento negro se destacam pela participação crítica na COP e também na Cúpula dos Povos, seja no Brasil ou em Glasgow, se contrapondo ao discurso governamental e apesar das intimidações e ameaças. Foi a maior delegação de lideranças indígenas e do movimento negro do Brasil em uma COP. Avançamos assim, no debate sobre a necessidade de superar o racismo, avançar na titulação de territórios quilombolas, na homologação de terras indígenas (que atingem menor número no governo Bolsonaro) e regularização fundiária de outros territórios de comunidades tradicionais e acabar com o genocídio desses povos.

          Racismo ambiental foi um conceito difundido pelo sociólogo e ativista estadunidense, Robert Bullard, a partir da constatação de que as populações negras são desproporcionalmente prejudicadas pela poluição industrial em seus empregos e bairros e que, portanto, são obrigadas a conviver com água e ar sujo, decorrentes da instalação de aterros sanitários, incineradores, indústrias poluentes e unidades de tratamento, armazenamento e eliminação de resíduos perigosos. Trata-se de um resultado do racismo institucional que se materializa nas políticas e práticas relacionadas ao desenvolvimento – ou seja, na escolha locacional dos projetos, na exclusão desses grupos nos processos decisórios e nas negociações sobre o enfrentamento dos impactos. O racismo ambiental, portanto, indica a existência de políticas e práticas que afetam, de forma desigual, populações ou comunidades em decorrência da raça, cor ou origem. As principais vítimas do racismo ambiental são as populações negras, indígenas e quilombolas, cujos territórios são apropriados para a implementação de grandes projetos e indústrias que geram degradação e severos impactos ambientais, como a contaminação da água, do solo e do ar, inviabilizando a existência destas populações.

          Vale ressaltar ainda que muitas das lideranças, indígenas e quilombolas, em Glasgow são mulheres. Essas lideranças lembram que a desigualdade ambiental, além de raça e classe, também tem gênero. Mulheres e meninas são desproporcionalmente afetadas pela crise climática. Além de 80% das pessoas deslocadas por desastres relacionados com as mudanças climáticas no mundo inteiro serem mulheres e meninas, são elas também que têm menos direitos em relação à terra e território, mas são as mais responsabilizadas pela procura e gestão de recursos necessários para a manutenção e reprodução da vida. São muitas também que iniciam, organizam e/ou lideram processos de luta por justiça ambiental e climática.

          Considerando esse contexto e o que nos dizem as lideranças em luta, isso é mais que uma ideologia verde, ou uma “lavagem verde” (greenwashing); é mais que uma questão de acumulação capitalista. Trata-se também da manutenção de um sistema de valores, baseado na colonialidade do poder, do saber e do ser, no racismo e no patriarcado (entendido como um sistema de todas as opressões e violências contra povos e a natureza que foi historicamente construído sobre os corpos das mulheres), com influência sobre as mentalidades e práticas sociais. Reforça o conhecimento dominante que é baseado em dicotomias e hierarquizações, de processos de dominação: sobre a natureza, mulheres, povos indígenas e a população negra. Processo que desqualifica e despreza todos aqueles outros saberes e práticas que não são fundamentados na separação e dominação sociedade/natureza. Sendo o epistemicídio racista o outro lado da moeda do genocídio dos povos indígenas e negros, é preciso falar, ouvir e promover esses corpos e suas lutas. Caso contrário, nenhum número mágico será atingido. E só assim será possível começar a falar em justiça climática…Pois onde existe floresta, existem os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e pescadoras artesanais, quebradeiras de coco, castanheiros e castanheiras, seringueiros, piaçabeiros, comunidades de fundo de pasto, faxinalenses, camponeses e camponesas… Onde existe floresta, existe território; onde existe floresta, existe vida.

* Fabrina Furtado é professora do Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (DDAS/UFRRJ) e do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da mesma universidade. Pesquisadora do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ettern/Ippur/UFRJ) e do GEMAP – Grupo de Estudos sobre Mudanças Sociais, Agronegócio e Políticas Públicas (CPDA/UFRRJ).


[1]     Para mais informações sobre REDD ver: https://wrm.org.uy/pt/navegue-por-tema/mercantilizacao-da-natureza/redd-3/

[2]     A dupla contagem ocorre quando uma empresa de um país vende seus créditos de carbono que sobraram (por ter reduzido suas emissões abaixo do necessário) para outro país, e não contabiliza essa quantidade de emissões (créditos) vendidas como a sua própria emissão, o que teria que fazer já que vendeu o direito de registrá-las como não emitidas. Caso os dois países registrem as reduções de emissões – quem vende e quem compra os créditos – haverá dupla contagem. Para evitar a dupla contagem, todos os países precisam registrar nos seus inventários de emissões, as emissões relacionadas aos créditos de carbono vendidos.
Nessa lógica, o Brasil teria que somar ao seu inventário de emissões aquelas que se referem aos créditos de carbono que vender para outros países, como os europeus. E é justamente isso que o país não quer fazer.  

[3]     https://unfccc.int/sites/default/files/resource/cma2021_L19_adv_0.pdf

[4]     https://www.whitehouse.gov/build-back-better/

[5]     https://www.globalwitness.org/en/press-releases/hundreds-fossil-fuel-lobbyists-flooding-cop26-climate-talks/

[6]     https://g1.globo.com/meio-ambiente/cop-26/noticia/2021/11/13/cop26-texto-final-e-acordado-apos-pedido-de-mudanca-de-ultima-hora-mas-ainda-assim-defende-reducao-de-combustiveis-fosseis.ghtml

[7]     https://grain.org/en/article/6748-a-alianca-suja-entre-agronegocio-e-grande-capital-financeiro-e-tudo-menos-verde

[8]     Para mais informações, ver: https://forbes.com.br/forbes-money/2021/11/conheca-14-executivos-brasileiros-que-foram-a-cop26-buscar-parcerias-e-compartilhar-experiencias/#foto2

[9]     Para mais informações, ver: https://piaui.folha.uol.com.br/poupando-energia-aumentando-emissoes/

[10]    https://jovempan.com.br/programas/hora-h-do-agro/cop-26-nove-temas-que-afetam-o-agronegocio-do-brasil.html

[11]    https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-16/um-quinto-das-exportacoes-de-soja-da-amazonia-e-cerrado-a-ue-e-fruto-de-desmatamento-ilegal.html

[12]    https://www.capitalreset.com/cop26-encara-a-hora-da-verdade-para-um-mercado-de-carbono-global-entenda-o-que-esta-em-jogo/

[13]    https://www.poder360.com.br/meio-ambiente/brasil-consegue-aprovar-sua-proposta-de-mercado-de-carbono-na-cop26/

[14]    Para mais informações ver: https://epbr.com.br/mineracao-defende-precificacao-de-carbono-e-regulamentacao-do-artigo-6-do-acordo-de-paris/

[15]    Ver: https://www.capitalreset.com/cop26-encara-a-hora-da-verdade-para-um-mercado-de-carbono-global-entenda-o-que-esta-em-jogo/?utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=09112021-ClimaInfo-Newsletter; https://reporterbrasil.org.br/2021/11/cop26-brasil-ignora-desmatamento-da-pecuaria-e-premia-frigorificos-ligados-a-devastacao/?utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=09112021-ClimaInfo-Newsletter

[16]    https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/10/19/governadores-da-amazonia-legal-devem-apresentar-acoes-para-bioeconomia-no-cop26.ghtml