Encontro no Nepal articula estratégias políticas para a agricultura na FRL

O Grupo de Trabalho sobre Agricultura e Soberania Alimentar da Fundação Rosa Luxemburgo desenvolve trabalhos e parcerias relacionados ao tema
07/11/2022
por
Verena Glass
Grupo de Trabalho sobre Agricultura e Soberania Alimentar da Fundação Rosa Luxemburgo (foto:divulgação)
Grupo de Trabalho sobre Agricultura e Soberania Alimentar da Fundação Rosa Luxemburgo (foto:divulgação)

Entre os dias 17 e 21 de outubro, aconteceu em Dulikhel, Nepal, o primeiro encontro presencial do Grupo de Trabalho (GT) sobre Agricultura e Soberania Alimentar da Fundação Rosa Luxemburgo (FRL). Composto por cerca de doze escritórios, de diversas partes do mundo, que desenvolvem trabalhos e parcerias relacionados ao tema, o GT Agricultura tem buscado construir leituras e estratégias que possam delinear um horizonte político para a atuação da Fundação.

Em sua primeira edição, o encontro presencial do GT contou com a participação de representantes dos escritórios da Índia, que atua no Sul asiático (Índia, Nepal, Bangladesh, Sri Lanka e Paquistão); Tanzânia, que atua na África oriental (Tanzânia, Quênia, Uganda e Ruanda); África do Sul – que, além de acolher a coordenação do GT, atua no Sul africano (África do Sul, Namíbia, Moçambique, Zimbábue e Botsuana) -; do Iraque, ligado ao escritório do Líbano (que atua também na Síria); das Filipinas, que atuas no Sudeste asiático (Filipinas, Malásia e Indonésia); de Genebra, da Bélgica e da Alemanha, além do Brasil, que atua também no Paraguai.

FOME, UMA AMEAÇA COMUM

Acampados sem-terra no interior do Pará vivem à base de doações (foto: Josefa de Oliveira)
Acampados sem-terra no interior do Pará vivem à base de doações (foto: Josefa de Oliveira)

A despeito da grande diversidade deste universo múltiplo de culturas, histórias, tradições e práticas, não surpreendeu que, ao cabo de uma semana de debates e trocas, o GT constatou que, aprofundadas pela Pandemia do Covid 19 e pela guerra na Ucrânia, a fome e a desagregação dos sistemas agroalimentares são ameaças comuns a todos. 

Ou seja, o aumento vertiginoso do preço dos alimentos na Europa; os conflitos agrários na América Latina; o extermínio programado de sementes crioulas na África; a precarização do trabalho rural na Ásia; o fortalecimento do capital agroindustrial, a acumulação capitalista por despossessão dos territórios e bens naturais das comunidades tradicionais, a expansão desenfreada dos agroquímicos, os ataques aos territórios indígenas, o avanço das tecnologias que promovem os desertos verdes e a despopulação do campo, ou o crescimento da escravidão moderna: todos estes fenômenos ocorrem, em maior ou menor grau, em quase  todos os territórios de atuação da Fundação, colocando em risco a segurança e a soberania alimentares.

RESISTÊNCIA E CONSTRUÇÃO DE ALTERNATIVAS

Indígenas e comunidades tradicionais articulados nas Teias Dos Povos discutem resistencias e agroecologia (foto: Verena Glass)
Indígenas e comunidades tradicionais articulados nas Teias Dos Povos discutem resistências e agroecologia (foto: Verena Glass)

Por outro lado, as resistências e alternativas também se assemelham em muitas das regiões de atuação da Fundação Rosa Luxemburgo. Assim, a partir da centralidade do debate sobre os sistemas agroalimentares e a soberania alimentar (ou, em outras palavras, do direito de todas as pessoas a se alimentarem de forma adequada, saudável e de acordo com suas necessidades), o GT Agricultura discutiu alguns pilares conceituais – como a agroecologia – e delineou quatro campos de ação prioritários que podem ser relacionados globalmente a partir dos trabalhos locais de cada escritório da FRL:

  • a resistência contra os agrotóxicos;
  • a resistência contra o extermínio das sementes crioulas e o trabalho de preservação e multiplicação das mesmas;
  • terra e território (resistência contra processos de espoliação, grilagem, invasões, arrendamento forçado, mudança de destinação e outros, bem como reforma agrária e processos democratizantes da terra); e
  • trabalho rural, englobando a organização dos trabalhadores do campo, o sindicalismo rural e o combate ao trabalho escravo moderno.

Apesar de elencar estes quatro pontos como focais para o trabalho do GT no próximo período, uma série de outras questões foram discutidas e devem se fazer presentes no campo de trabalho político da FRL. Entre elas, estão a relação entre agricultura e  clima, o avanço da agricultura 4.0 sobre as áreas de produção de alimentos, novas iniciativas de revolução verde, negociações multilaterais como a CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica) e a Cúpula dos Sistemas Alimentares da FAO, e as implicações e aplicações da Lei de Cadeias Produtivas (Lieferkettengesetz) da Alemanha, que deve entrar em vigor em janeiro de 2023 e responsabiliza as empresas por impactos sociais, trabalhistas, ambientais e violações de direitos humanos em toda a cadeia de produção.

SOBERANIA ALIMENTAR NA CONSTITUIÇÃO

Produção de alimentos é basicamente agroecológica no Nepal (foto: Verena Glass)
Produção de alimentos é basicamente agroecológica no Nepal (foto: Verena Glass)

A escolha do Nepal como sede do primeiro encontro do GT Agricultura e Soberania Alimentar da FRL não foi motivada apenas pela estonteante beleza do país. Sem ter sofrido um processo de colonização, como a vizinha Índia, e tendo terminado a monarquia e adotado a democracia em 2008, o Nepal incluiu o conceito de soberania alimentar em sua constituição em 2015.

O Vale de Kathmandu, onde ocorreu o encontro, é intensamente cultivado, tanto nas partes mais planas no fundo do vale quanto nos “morros” circundantes (“Montanhas são o Himalaia, o resto para nós são morros”, explica um agricultor), onde os plantios são em formato de terraceamento. Mas os cultivos ocorrem também nos quintais, nas beiras de estradas, em qualquer pedacinho de chão.

Passada a temporada das monções com suas fortes chuvas, outubro abre o outono com as colheitas de arroz e milho, que tingem de amarelo não apenas os campos, mas as calçadas e praças. Qualquer lugar onde seja possível espalhar os grãos para secagem, é tomado pelas colheitas.

AGRICULTURA FAMILIAR

Agricultura em pequenos lotes e produção baseada na mão de obra familiar recebe insentivos do governo (foto: Verena Glass)
Agricultura em pequenos lotes e produção baseada na mão de obra familiar recebe incentivos do governo (foto: Verena Glass)

Aqui é importante frisar que no Nepal a agricultura é basicamente familiar, praticada em lotes que variam de meio a um hectare. Esta característica tornou o pais pouco atraente para as grandes multinacionais argroquímicas, o que facilita a adoção de práticas agroecológicas em grande parte dos plantios, como foi possível verificar no dia de visita de campo do GT.

Articulada em parceria com a All Nepal Peasants’ Federation (ANPFA), maior organização camponesa do país (e membro da Via Campesina), a visita de campo incluiu diálogos com cooperativas de agricultores, de mulheres camponesas e de bancos de alimentos, iniciativas fortemente apoiadas por incentivos públicos. “No nosso país, os governos de centro-esquerda [a atual composição inclui principalmente os partidos Congresso Nepalês, Partido Comunista do Nepal Marxista-Leninista e Partido Comunista do Nepal Maoísta] têm adotado políticas públicas bastante relevantes para o setor da agricultura. É o que tem possibilitado a organização produtiva do campesinato”, explica um dos dirigentes da ANPFA. “Para nós, a luta por políticas públicas sempre esteve na centralidade da organização política”, conclui.

* Verena Glass é coordenadora de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo – Brasil e Paraguai